O 1% mais rico do Brasil fica com 27% da renda nacional. Os 10% mais ricos, com 55%

Nova pesquisa liderada pelo francês Thomas Piketty mostra níveis alarmantes de desigualdade no País

Um estudo coordenado pelos franceses Thomas Piketty, autor do best-seller O Capital no século XXI, e Lucas Chancel, da Paris School of Economics, mostrou que a desigualdade de renda no Brasil, a depender do critério utilizado, é a maior do mundo ou tem padrões equivalentes aos verificados em regiões como o Oriente Médio e a África Subsaariana.
Divulgado nesta quinta-feira 14, o Relatório Mundial de Desigualdade revelou que, em 2016, o Brasil ficava em segundo lugar em um ranking de desigualdade se considerada a fatia da renda nacional capturada pelos 10% mais ricos da população. Por aqui, 55% da renda fica com essa parcela da população, número igual ao da Índia (55%) e equivalente ao da África Subsaariana (54%), atrás apenas do Oriente Médio (61%). O bloco Estados Unidos e Canadá (47%), Rússia (46%), China (41%) e Europa (37%) aparecem na sequência.

Também nesta quinta, foi divulgada a base de dados do relatório. Nela, é possível ver que o 1% mais rico do Brasil fica com 27,8% da renda nacional segundo os critérios usados. É um resultado referente ao ano de 2015, o maior entre todos os países pesquisados com dados para períodos semelhantes. Atrás do Brasil aparecem Turquia (23,4%), Iraque (22%), Índia (21,7%), Colômbia (20,4%), Estados Unidos e Rússia (20,2%), África do Sul (19,2%) e Egito (19,1%)

Para os autores do estudo, o Brasil, ao lado do Oriente Médio e da África Subsaariana formam a “fronteira da desigualdade”. São locais onde nunca houve um regime igualitário como os de Estados Unidos e Europa após a Segunda Guerra Mundial, e nos quais a desigualdade segue “relativamente estável em níveis extremamente altos”.

A estabilidade se concentra nessas regiões, diz o estudo, enquanto as desigualdades aumentaram profundamente no mundo desde a década de 1980, em particular nos Estados Unidos. “As desigualdades aumentaram em quase todas as regiões do mundo”, afirma o relatório, que compara de maneira inédita a distribuição da riqueza a nível mundial e sua evolução em quase quatro décadas.

Este fenômeno, no entanto, aconteceu com ritmos diferentes, de acordo com as regiões, afirmam os coordenadores do estudo, que apontam um forte aumento das desigualdades nos Estados Unidos, mas também na China e na Rússia, países cujas economias registraram uma significativa liberalização durante os anos 1990.

De acordo com o relatório, a parte da riqueza nacional nas mãos de 10% dos contribuintes mais ricos passou de 21% a 46% na Rússia e de 27% a 41% na China, entre 1980 e 2016. Nos Estados Unidos e Canadá, este índice passou de 34% a 47%, enquanto na Europa foi registrado um aumento mais moderado (de 33% a 37%).

Divergência extrema

No Oriente Médio, as desigualdades estão “sem dúvida subestimadas”, destaca o relatório, que menciona uma contradição entre as estatísticas oficiais dos países do Golfo e alguns aspectos de sua política econômica, como o crescente recurso a trabalhadores estrangeiros mal remunerados.

Em termos de evolução, a divergência é “extrema entre a Europa ocidental e os Estados Unidos, que tinham níveis de desigualdade comparáveis em 1980, mas se encontram atualmente em situações radicalmente diferentes”, destaca o estudo, realizado com a colaboração de mais de 100 pesquisadores de 70 países.

Em 1980, a parte da riqueza nacional nas mãos de 50% dos contribuintes mais pobres era quase idêntica nas duas regiões: 24% na Europa ocidental e 21% nos Estados Unidos. Desde então, o índice permaneceu estável, a 22%, no lado europeu e caiu a 13% nos Estados Unidos.

Um fenômeno que se explica, de acordo com Thomas Piketty, pela “queda das rendas da menor faixa” nos Estados Unidos, mas também por uma “desigualdade considerável na área de educação e uma tributação cada vez menos progressiva” neste país. “Isto mostra que as políticas públicas têm um forte impacto nas desigualdades”, completa.

Margens de manobra

A principal vítima desta dinâmica, segundo o relatório, baseado em 175 milhões de dados fiscais e estatísticas resultantes do projeto wid.world (wealth and income database), é a “classe média mundial”.

Entre 1980 e 2016, o 1% dos mais ricos obteve 27% do crescimento mundial. Os 50% mais receberam apenas 12% da riqueza, mas viram sua renda aumentar significativamente. O que não aconteceu com as pessoas entre as duas categorias, cujo “crescimento da renda foi frágil”.

Estas desigualdades vão aumentar ou diminuir no futuro? Em seu estudo, os autores antecipam um novo crescimento até 2050, com base nas atuais tendências. A participação do patrimônio dos mais ricos aumentaria assim de 33% a 39%, enquanto a classe média mundial veria sua participação no patrimônio cair de 29% a 27%.

“Tal evolução não é, no entanto, inevitável”, explicam os autores. De acordo com as projeções, as desigualdades aumentarão caso os países sigam a tendência atual nos Estados Unidos, mas podem registrar uma leve queda caso repitam a trajetória da União Europeia.

“Há margens de manobra. Tudo dependerá das decisões tomadas”, conclui Thomas Piketty, que considera necessário um “debate público” sobre as questões.

Carta Capital com informações da AFP

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