O 25 de abril de 1974 e o cheiro de alecrim…
Lá faz primavera, pá
Cá estou doente
Manda urgentemente
Algum cheirinho de alecrim”
(Tanto mar – Chico Buarque)
No dia 25 de abril de 1974, armados de cravos vermelhos e amor pela liberdade, os cidadãos portugueses puseram fim às mais de quatro décadas de ditadura salazarista no país e inspiraram, no Brasil, aqueles que lutavam contra a repressão do regime militar, instaurado dez anos antes. Hoje, quando se comemoram os 40 anos do fim do governo ditatorial em Portugal – no mesmo mês em que os brasileiros, ao contrário, “descomemoram” os 50 anos do golpe de 1964, o Portal da Contee traz uma entrevista exclusiva com o secretário-geral da Fenprof, Mário Nogueira, que fala sobre o simbolismo da Revolução dos Cravos e a luta atual dos trabalhadores por melhores condições de vida.
Contee – Neste dia 25 de abril, Portugal comemora os 40 anos da Revolução dos Cravos. O que essa data simboliza para a sociedade e, sobretudo, para os trabalhadores portugueses?
Mário Nogueira – Essa é a data mais importante para o Portugal dos nossos dias e para os portugueses. Ela significou liberdade e democracia e, com elas, é possível, comparando, confirmar a enorme importância do 25 de Abril de 1974. Grande parte dos portugueses vivia em situação de miséria. Portugal era um país atrasado, essencialmente rural, a igreja tinha um peso enorme no controlo sobre as pessoas. Havia presos políticos, uma guerra colonial em que muitos jovens eram obrigados a matar e por lá morriam, muitos portugueses eram obrigados a emigrar para sobreviver… A escola era frequentada por poucos e só as elites prosseguiam para o ensino superior; a saúde era mínima e a segurança social, pouco mais que assistencialista. Havia polícia política que tinha agentes e muitos informadores que podiam ser o vizinho ou o colega de trabalho, havia censura, as crianças, logo na escola primária, pertenciam à Mocidade Portuguesa (a juventude fascista) e em adultos, muitos integravam a Legião Portuguesa. Após o 25 de Abril de 1974, muito foi conquistado e construído pelo nosso povo e é com grande preocupação que vemos, por imposição do governo e interferência da troika, as coisas a andarem para trás. Portanto, o 25 de Abril significa muito para os portugueses e sobretudo para a classe trabalhadora, pois foi para ela que Abril se fez. Por essa razão, como afirmamos, Abril para ser Abril terá de continuar em Maio transformando o vermelho dos cravos no vermelho da luta dos trabalhadores que no 1º de Maio ganha sempre uma expressão ainda maior.
Contee – Como se dará a articulação das comemorações de uma revolução democrática tão importante e a luta atual dos trabalhadores contra a troika? Este momento pelo qual passa Portugal pode ser considerado um ataque à democracia no país?
MN – As comemorações serão marcadas por uma grande contestação às políticas de direita que devastam o nosso país e, naturalmente, exigindo como alternativa uma política de esquerda, patriótica e soberana. Na nossa página web a frase será “Por Abril, outra política e outro governo!”. Assim, sem deixar de festejar Abril, a revolução que se fez com cravos e festa popular, Abril será de luta. Uma luta que estará nas ruas, uma luta pela democracia, contra o empobrecimento e o aumento da exploração dos trabalhadores, uma luta em defesa das funções sociais do Estado; uma luta em defesa do Estado de Direito Democrático que começa também a ser posto em causa. Na verdade, este momento por que Portugal passa constitui um ataque desferido contra a democracia, como nunca aconteceu nos últimos 40 anos. É verdade que se pode votar e que ninguém vai preso por dizer mal do governo, mas a qualidade da democracia portuguesa, em domínios como social ou o laboral está muito degradada. Há jovens que são obrigados a emigrar para sobreviver; há trabalhadores cujo rendimento fica abaixo do limiar da pobreza; há cada vez mais pobreza e exclusão; há idosos que têm de optar entre comer e comprar os medicamentos que os mantêm vivos… A Democracia, em Portugal, está doente. Infelizmente, parece-me que este não é um problema local.
Contee – Neste mês em que Portugal celebra o fim dos 41 anos de Estado Novo, o Brasil, por sua vez, relembra o contrário: o início, há 50 anos, dos 21 anos mais sombrios da história do país. O que o senhor destaca de comum entre as forças conservadoras que fizeram as duas nações mergulharem em décadas de regime ditatorial e as lutas das sociedades portuguesa e brasileira pela restauração da democracia?
MN – Portugal não viveu 41, mas 48 anos sob uma ditadura fascista. Eu não chamaria forças conservadoras, mas fascistas aos que, em Portugal, perseguiram, prenderam, torturaram, violaram, roubaram e mataram. A ditadura foi violenta, aqui como no Brasil. Num lado como em outro, os governantes serviram uma classe minoritária privilegiada que concentrou em si toda a riqueza; usou as forças armadas e policiais para reprimir; recorreu à polícia política; censurou textos, arte, pessoas; muitas vezes, pela manipulação ou pelo medo, teve do seu lado gente que explorou; desprezou todos os que apenas serviam para serem explorados na sua força de trabalho. Cá, como aí há que ter cuidado pois os saudosistas espreitam uma oportunidade e por cá já chegaram ao governo os que querem ajustar contas com Abril e com a Democracia. Aí ainda não e espero bem que o povo brasileiro não deixe que isso aconteça. Não tarda, poderemos estar a pedir aos irmãos brasileiros que mandem urgentemente um cheirinho de alecrim…
Contee – O que essas lutas de décadas atrás trazem de lição para o presente?
MN – Trazem-nos sobretudo esperança num futuro melhor. O tempo hoje é de preocupação, mas não tão negro como era então. Eu diria que, no nosso caso, está cinzentão, mas ainda assim, porque não temos deixado, longe do negro que então cobria Portugal. Olhando nós para o que se passou e vendo como as pessoas nunca deixando de lutar, revelando esperança e confiança no futuro, então, nós só temos de ter a força dos nossos pais – que nos ofereceram um Portugal Democrático – para honrarmos essa herança lutando para que também os nossos filhos possam herdar de nós um futuro em que possam viver e ser felizes.
Leia o artigo de Mário Nogueira: Neste abril, gritos mil de indignação e revolta
Da redação
Crédito da foto: D.R. – Correio da Manhã