“O conflito entre Israel e Hamas chegou ao pátio das escolas alemãs”, alerta sindicalista europeu
Professor e membro do Departamento Internacional do Conselho Principal do Education and Science Union (GEW), ou Sindicato dos Professores e Cientistas da Alemanha, Franz Dwertmann disse ter se surpreendido positivamente com sua primeira visita ao Brasil.
Na última quarta-feira, 19 de outubro, ele estava em Brasília a convite de um diplomata da Embaixada da Alemanha e acabou participando da sessão solene em homenagem ao Dia do Professor, na Câmara dos Deputados, ao lado do presidente da CNTE, Heleno Araújo, e da secretária geral, Fátima Silva.
Franz trabalhou como professor de língua alemã no ensino secundário alemão por 40 anos, além de ter dado aulas na Polônia, Dinamarca e países da Ásia Central. Atualmente, é o responsável no GEW por professores de língua alemã no exterior.
Ele falou ao site da CNTE. Leia a entrevista:
De que forma o conflito entre Israel e Hamas tem influenciado a relação entre alunos e professores, na Alemanha? A tensão política já chegou às escolas germânicas?
Muitos estudantes estão perturbados pela guerra e pela violência. Há alunos árabes abertamente antissemitas e que levam o conflito com Israel para os pátios das escolas. Nos últimos meses, o antissemitismo tem aumentado muito na Alemanha: houve ataques a sinagogas e às pessoas. E nas escolas, acontecem muitas provocações e perturbações nas aulas.
Na região de Berlim, onde há uma comunidade árabe muito grande, alunos vão para as escolas com a bandeira da Palestina, gritando palavras de ordem em prol do Hamas. E é difícil para os professores apaziguarem uma sala com 50 pessoas, sendo que, em algumas salas, a metade são de descendentes árabes.
O problema do antissemitismo não acontece apenas entre descendentes árabes. De foram geral, percebe-se um aumento do preconceito contra judeus, e também do racismo, nos estados da parte oriental da Alemanha.
A maioria das professoras são mulheres: quando elas tentam ensinar a importância do respeito a todas as pessoas e contra o racismo, elas não conseguem porque os alunos não aceitam e contestam pelo fato de elas serem mulheres. Muitas não conseguem dar aula. As professoras mulheres estão sofrendo muito preconceito em sala de aula, estão sendo muito discriminadas. Os alunos não respeitam.
E como o sindicato tem ajudado os/as professores/as a lidarem com esta situação?
Os sindicatos alemães estão sendo demandados para oferecerem ajuda, para poderem melhorar a abordagem dos professores e evitar que o conflito cresça em sala de aula. Os professores estão pedindo aos sindicatos para fornecerem material especializado sobre o assunto.
Fornecemos material de conscientização contra o antissemitismo e o racismo, bem como sobre a complexidade histórica do conflito Israel-Palestina. No sindicato dos professores (somos o maior da Alemanha), queremos envolver mais colegas no trabalho sindical de forma ativa.
O GEW sempre prosperou com o fato de muitos colegas oferecerem o seu tempo como voluntários. Mas cada vez menos colegas jovens – e especialmente colegas do sexo feminino – estão dispostos/as a assumir responsabilidades.
De forma geral, como o senhor analisa a situação do ensino público básico alemão?
Precisamos de mais recursos para a educação. Seria particularmente importante disponibilizar muito mais dinheiro para o ensino de línguas – especialmente para crianças migrantes. O trabalho dos professores não é suficientemente reconhecido pelos políticos. Mas os pais reconhecem e sabem a tarefa responsável e difícil que os professores têm e apreciam o trabalho dos nossos colegas. Os pais são muito participativos e ajudam muito os professores a ensinar. Mas os políticos não veem os professores com bons olhos – eles acham que os professores são muito críticos.
Quais são as principais bandeiras de luta do GEW? Os professores das escolas públicas são valorizados na Alemanha?
Estamos preocupados com a grave escassez de professores. Há muitos alunos para poucos professores. A Alemanha recebeu mais de um milhão de imigrantes da Ucrânia, principalmente mães com crianças, isso sem contar os refugiados da África, Síria e Afeganistão que também já tinham chegado ao país com muitas crianças que precisavam estudar.
As autoridades desconsideram que existe um déficit de professores. Para os políticos, ter preenchido o quadro com 90 a 95% de educadores já é suficiente, mas eles esquecem que existem professores de licença, de férias, doentes…Então, precisamos que haja de 100 a 115% de professores em relação à demanda, para não faltar.
Outro problema que enfrentamos é a falta de vagas nas universidades para cursos de magistério. Ser professor não é uma profissão muito popular aqui. As pessoas relutam em seguir a profissão. Os sindicatos promovem atividades para valorizar o professor, mas a maioria dos jovens não se sente atraída por esta carreira, pois lembram-se do tempo quando estudavam e veem a dificuldade que é. Isso desmotiva e faz os jovens escolherem outras carreiras.
E, por último, todos os professores estão preocupados com a questão da inclusão: como podemos integrar todas as crianças e jovens na nossa educação, especialmente as crianças com deficiência e os muitos estudantes que vieram até nós de outros países (refugiados)? Nas escolas, há cerca de 50% que têm antecedentes migratórios e, na maioria das vezes, falam mal o alemão.
Quais conquistas que já foram alcançadas pelo sindicato alemão que você destaca?
O maior sucesso do GEW nos últimos anos tem sido o fato de os professores do ensino primário receberem, agora, o mesmo valor que os professores do ensino secundário. A formação universitária qualitativa de ambos os grupos de professores está agora no mesmo nível. Os professores aqui são bem pagos. Há três anos, os professores conquistaram seu piso salarial, que varia de 3 a 3,7 mil euros. Caso ele/ela tenha filhos, há mais benefícios.
Esta foi a sua primeira visita ao Brasil. Qual foi a sua impressão? E que mensagem gostaria de deixar para os/as trabalhadores/as da educação brasileiros/as?
Participei, no dia 19 de outubro de 2023, da homenagem ao Dia do Professor, no Congresso Nacional, em Brasília e pude aprender bastante com os brasileiros. Muitos problemas da educação pública brasileira são semelhantes aos da Alemanha. A cooperação internacional é de grande importância para o trabalho dos sindicatos de professores, já que é baseada em parcerias.
Esta foi a primeira vez que vim ao Brasil e a impressão mais forte que ficou é a maneira como os brasileiros se comunicam: vocês falam de maneira direta, franca e amistosa. Todos se comunicam muito bem uns com os outros, independentemente da classe social, cor, crenças etc.
Esta facilidade de comunicação não existe na Alemanha, onde a situação em sala de aula é mais conflituosa: o professor e o aluno passam por mais dificuldades para se comunicarem entre si.
Passei muito tempo na Dinamarca e há similaridades entre a comunicação de lá e a comunicação do Brasil: ambas são comunicações diretas e fáceis. Na Alemanha, precisamos aprender a melhorar a comunicação entre alunos e professores. Eu achei isso fantástico aqui no Brasil.
Ao chegar aqui, eu me senti como o autor do livro “Brasil, um País do Futuro”, de Stefan Zweig, que veio da Europa (Viena) e se encantou pelos brasileiros.