O dia internacional do trabalho

Por José Geraldo de Santana Oliveira*

Há símbolos que, pela sua grandeza, por seu significado histórico e, por conseguinte, social, universalizam-se e imortalizam-se; sem dúvida, o dia 1º de maio, dedicado ao trabalho, reveste-se desta condição de símbolo universal e imortal. Isto já há mais de um século.

A causa imediata do dia 1º de maio, como Dia Internacional do Trabalho, é a justa e devida homenagem aos bravos e heroicos operários estadunidenses, que, ao 1º de maio de 1886, na cidade de Chicago, deflagraram greve geral em defesa da conquista de direitos fundamentais sociais, dentre eles o da redução da jornada de trabalho, de 13 para oito horas.

Como se sabe, a polícia de Chicago, como sempre a serviço do impiedoso capital, tratou com virulência esta greve, levando à morte cruel, por massacre, alguns de seus participantes.

No entanto, pode-se afirmar, sem exagero algum, que o dia 1º de maio, na verdade, simboliza a luta multissecular dos trabalhadores contra todas as formas de exploração, em defesa da valorização do trabalho, tendo como símbolo inicial e de envergadura incomensurável a revolta dos escravos romanos, liderada por Spartacus, no último século que antecedeu a era cristã, que Voltaire e Marx consideravam como sendo a única guerra justa da história.

Já no século V antes de Cristo (a.C.), o filósofo grego Protágoras asseverava que o ser humano é a medida de todas as coisas. O filósofo alemão Engels – que dedicou a sua vida à causa dos trabalhadores, do efervescente século XIX -, em seu livro “O papel do trabalho na transformação do macaco em homem, afirmava que o trabalho criou o ser humano”.

Fazendo-se a apropriada fusão destas imortais lições, pode-se e deve-se dizer que o trabalho criou a humanidade, com todas as suas riquezas materiais e imateriais, construídas desde os seus albores.

Pois é. Não obstante a sua condição de criador da humanidade, nada no mundo, em tempo algum, foi e continua sendo tão maltratado, caluniado, difamado e injuriado que o trabalho; obviamente, por aqueles que vivem de sua exploração.

Durante séculos a fio, foi considerado desonroso,não sendo digno de “homens livres”, mascoisa de escravos. Já na chamada idade moderna, criaram-se, nos países ditos desenvolvidos, duras leis que puniam quem não trabalhava e quem lutava por condições mais dignas, como a lei inglesa do século XVI que punia os vagabundos e que provocou a ironia do filósofo Thomas Morus, que, em sua obra “A Utopia”, dizia que a Inglaterra criava os vagabundos só para ter o prazer de enforcá-los.

Na França, ganhou destaque a lei antigreve, Chapelier, de 1791, cujos efeitos perduraram-se por todo século XIX, como demonstra o monumental romance de Émile Zola, “Germinal”. Nos Estados Unidos, o famoso Escritório Pinkerton – de pistoleiros eufemisticamente chamados de detetives -, também do século XIX, que se notabilizou pela violência contra os operários que lutavam por direitos sociais, simboliza o ódio da burguesia contra o trabalho. Este ódio, no século XX, é magnificamente retratado pelo poeta alemão Brecht, na sua peça “A Santa Joana dos matadouros”.

No Brasil, até o final da terceira década do século XX, o trabalho era tratado como caso de polícia, nas palavras do último presidente da República Velha, Washington Luís, que expressavam a visão dele e das classes detentoras do capital. A ditadura militar, de 1964 a 1985, de triste memória, enquadrava as lutas do trabalho na lei de “segurança nacional”, que permitia, inclusive, a pena de morte.

Como ironizava Martins Penha na sua peça “O Noviço”, as leis criminais fazem-se para os pobres.

Somente a Constituição de 1988 erigiu o trabalho como fundamento da República (Art. 1º, inciso IV, 170, caput) e como base da ordem social (Art. 193).

Vale ressaltar que, pelo menos desde o Código de Hamurabi, da Babilônia antiga, escrito há mais de 40 séculos, punem-se rigorosamente os crimes contra a honra. Porém, em parte algum  já se puniram os crimes de calúnia, difamação e injúria perpetrados contra a honra do trabalho.

Em que pesem as grandes conquistas do trabalho, em todos os países, ao longo do século XX, o XXI iniciou-se com a declaração de guerra a estas conquistas, que ficaram conhecidas como “Estado de bem-estar social”, que, se não provocaram o fim a exploração capitalista, elevaram os direitos sociais a outro patamar, nunca antes alcançado.

Primeiro, a Inglaterra – ainda no século XX -, ao depois, a Grécia, a Espanha, a Irlanda, a França e Portugal são testemunhos vivos desta nova onda de guerra. No Brasil, as coisas não são diferentes, basta que se citem as indecentes 101 propostas da Confederação Nacional da Indústria (CNI) para “modernizar as relações de trabalho”, e o famigerado Projeto de Lei N. 4.330, que faz da terceirização a politica social de terra arrasada.

Por tudo isto, o 1º de maio continua e será sempre uma data inesquecível, a ser comemorada com júbilo, em todos os cantos da Terra, pois os símbolos que ele encerra são imortais; mas, também, de vigília e de renovação de força, mental e material, para a guerra sem trégua, que lhe move, impiedosamente, o capital, há séculos, e sem previsão de fim.

Se é fato que as primeiras experiências socialistas não foram capazes de transformar a realidade social, como ansiosamente era esperado por milhões, os ideais da internacional socialista continuam vivos e atuais, apesar de virulenta campanha em sentido contrário, movida pela burguesia e os seus sequazes. Isto porque, mesmo com nova roupagem, a exploração do trabalho mantém-se sólida e, a cada dia, busca-se freneticamente a sua intensificação.

 

“De pé, ó vítimas da fome!

De pé, famélicos da terra!

Da ideia a chama já consome

A crosta bruta que a soterra.

Cortai o mal bem pelo fundo!

De pé, de pé, não mais senhores!

Se nada somos neste mundo,

Sejamos tudo, oh produtores!

 

Bem unidos façamos,

Nesta luta final,

Uma terra sem amos

A Internacional”

 

Vivas ao 1º de maio. Vivas ao trabalho, o construtor da humanidade.

*José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee

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