O impacto do acordo militar Brasil-EUA
Assinado por Bolsonaro na Flórida, acordo é negociado desde 2017 e prevê o desenvolvimento de projetos conjuntos entre empresas brasileiras e americanas do setor de defesa.
O presidente Jair Bolsonaro assinou neste domingo (08/03), na Flórida, um acordo militar com o governo dos Estados Unidos que permitirá que empresas brasileiras do setor de defesa desenvolvam projetos conjuntos com empresas americanas e se adequem a certificações e padrões de qualidade para terem acesso a novos mercados.
O compromisso firmado se refere a pesquisa, desenvolvimento, teste e avaliação de produtos de defesa (RDT&E, na sigla em inglês). No futuro, poderá abrir espaço para um novo acordo que permita às empresas brasileiras terem acesso a um fundo bilionário do governo americano que financia iniciativas no setor.
Para entrar em vigor, o acordo precisa ser analisado e ratificado pelo Congresso dos dois países, o que não tem previsão para ocorrer. O último compromisso do gênero com os Estados Unidos demorou cinco anos para ser ratificado pelo Congresso brasileiro.
O Brasil tem 1.100 empresas que atuam no setor da indústria da defesa, que exportaram em 2019 1,3 bilhão de dólares — 0,5% do total exportado pelo país no ano. O Ministério da Defesa estima que o valor exportado pelo setor cresça 30% neste ano.
O texto assinado neste domingo começou a ser discutido em 2017, no governo Michel Temer. Segundo Marcos Barbieri, economista da Unicamp e especialista em indústria de defesa, ele se insere num movimento de aproximação militar entre os dois países iniciado em 2010, na gestão Luiz Inácio Lula da Silva, quando foi assinado um acordo geral de cooperação militar, promulgado em 2015, no governo Dilma Rousseff.
“Esse acordo não começou agora e não termina agora. É um processo que começou lá atrás. Estamos dando um primeiro passo para parcerias de pesquisa e desenvolvimento, o que poderá evoluir mais à frente”, diz Barbieri.
Segundo nota enviada pelo Ministério da Defesa, o acordo estabelece “termos e condições gerais que se aplicarão à condução e ao gerenciamento de atividades de pesquisa, desenvolvimento, teste e avaliação” e permitirá “a ampliação do acesso da Base Industrial de Defesa ao mercado americano, bem como a formalização de outros pactos no setor de Defesa, reduzindo processos burocráticos no comércio de produtos do segmento entre Brasil e Estados Unidos”.
O acordo também possibilitará que as empresas brasileiras de defesa “tenham acesso às melhores práticas internacionais em seus processos produtivos”, segundo o governo, e o desenvolvimento de projetos em conjunto, sob a supervisão do Ministério da Defesa brasileiro e do Departamento de Defesa dos Estados Unidos.
O impacto na indústria brasileira de defesa
Para Barbieri, o acordo pode levar à abertura de novos mercados para empresas brasileiras que desenvolverem projetos em conjunto com as americanas e sigam processos de qualidade e certificação exigidos pelos Estados Unidos. “O produto poderá ser vendido a outros países da Otan ou aliados”, diz.
Ele menciona dois exemplos hipotéticos. Uma empresa brasileira que produza munições poderia desenvolver uma nova munição em parceria com uma empresa americana. Ou a Embraer Defesa e Segurança poderia desenvolver um novo avião militar em parceria com uma companhia dos Estados Unidos.
Companhias brasileiras pequenas e médias que produzam peças e componentes para produtos militares também podem ser beneficiar do acordo para se inserir em cadeias globais de produção, desde que tenham “competência e capacitação prévia”, acrescenta Barbieri.
O economista pondera que, apesar de relevante, o acordo não é uma solução geral para todas as dificuldades da indústria de defesa brasileira e não envolve a transferência de tecnologias críticas ao Brasil. Outros pactos assinados pelo país no passado estipularam essa transferência, como o acordo com a Suécia para a aquisição e produção de caças e com a França para a construção de submarinos.
A Associação Brasileira das Indústrias de Materiais de Defesa e Segurança (ABIMDE) afirmou, em nota, que está “bastante otimista” em relação ao acordo, que “pode contribuir com o desenvolvimento da base industrial de defesa” do país.
A entrada no fundo RDT&E
O fundo do Departamento de Defesa dos Estados Unidos destinado a RDT&E tem orçamento neste ano de 104 bilhões de dólares — uma quantia vultosa e que está em crescimento. Em 2018, foi de 96 bilhões e, em 2018, de 92 bilhões de dólares.
Toda essa verba é usada na área de defesa e abrange pesquisa pura, como em física e química, pesquisa aplicada, desenvolvimento de produtos, treinamento, avaliação e certificação.
“A supremacia militar é, cada vez mais uma supremacia tecnológica. O avião de caça que não estiver equipado com a tecnologia mais avançada não precisa nem decolar da base. E os Estados Unidos vêm gastando mais nisso para manter sua superioridade sobre a Rússia e a China, que fizeram grandes investimentos recentes”, diz Barbieri.
Segundo o economista, a maior parte da verba desse fundo é destinada a unidades militares e empresas americanas. Em 2017, 81% dos gastos do RDT&E foram internos aos Estados Unidos, enquanto o restante foi usado em parcerias com empresas de outros países, como Coreia do Sul e França. “Tendo em vista o total de recursos do fundo, cerca de 15% para parcerias é um valor bastante elevado”, diz.
Um exemplo de produto desenvolvido por meio desse fundo em parceria com outros países é o caça leve e de treinamento T-50 Golden Eagle, feito pela empresa coreana Korea Aerospace Industries e pela americana Lockheed Martin, hoje adotado pelas forças áreas da Coreia do Sul, Indonésia, Filipinas e Iraque.
O acordo assinado neste domingo não autoriza empresas brasileiras a serem financiadas por esse fundo. Mas, segundo Barbieri, caso os projetos conjuntos na área de defesa entre os dois países evoluam, o acesso a essa verba poderia ser objeto de novos acordos entre os dois países no futuro.