O lado obscuro da expansão de datacenters na América Latina

Brasil é líder do setor na região ao concentrar 40% dos novos investimentos na área; modelo consome grande quantidade de energia e água, com impactos negativos para meio ambiente

Investimentos das maiores empresas de tecnologia do mundo prometendo empregos bem pagos em um mercado com crescimento exponencial são tentadores para qualquer país. Nos últimos anos, é este cenário que a construção de datacenters vem oferecendo na América Latina. Com o avanço da inteligência artificial (IA) e dos serviços de nuvem, os centros se expandiram pela região. Por sua vez, avançaram também as preocupações com os efeitos colaterais, incluindo os gastos de água e energia.

Segundo Alison Takano, gerente de consultoria e transações para América Latina da CBRE, o Brasil vem seguindo a tendência mundial, com o mercado de datacenters ganhando maior escala recentemente com a ampliação de operações na nuvem de grandes empresas. Os maiores destaques são Google, Microsoft e Amazon, que processam um grande número de dados que necessitam de centros de armazenamento.

O número de datacenters cresceu 628% no Brasil entre 2013 e 2023, segundo o Brazil Data Center Report, estudo da consultoria imobiliária JLL. O país é líder do setor na América Latina, e concentra cerca de 40% dos novos investimentos na área. De acordo com o Datacenter Map, empresa que mapeia datacenters ao redor do globo, atualmente são 135 instalações do tipo no país, a maioria no estado de São Paulo. Em segundo lugar na região vem o México, com 50 centros, seguido do Chile, que conta com 49.

Takano afirma que a grande dificuldade do setor em todo o mundo é o alto consumo de energia. Alguns centros operam com mais de 100 megawatt (MW), o que pode representar mais que todos os gastos de uma cidade de pequeno porte. Daí, explica Takano, a atratividade do Brasil para o setor, já que a parcela de renováveis na matriz elétrica do país chega a 84,25%, segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

Outro destaque regional é o México, cuja proximidade com os Estados Unidos impulsiona o fenômeno conhecido como nearshoring, que é o processo de buscar países mais próximos para instalar estruturas importantes, visando reduzir riscos nas cadeias de fornecimento. Recentemente, a Amazon anunciou investimentos de 5 bilhões de dólares em datacenters no país.

Espaços tecnológicos são apresentados como grandes desenvolvimentos, explica Marina Otero Verzier, arquiteta e professora visitante da Universidade de Columbia que pesquisa datacenters pelo mundo. “Grandes investimentos feitos por companhias como Google e Microsoft são vistos como um símbolo de status”, afirma.

Por outro lado, pontua Verzier, há cada vez mais questionamentos sobre os impactos desses empreendimentos, principalmente em países desenvolvidos, o que pode levar empresas do setor a buscar a América Latina como uma alternativa.

Impactos positivos?

Verzier aponta que datacenters normalmente não empregam muitas pessoas, e que raramente os contratados são habitantes locais, já que os espaços costumam demandar mão de obra altamente especializada, trazida de fora. Segundo a pesquisadora, há operações cujo número de funcionários não passa de dez. Para ela, os centros têm uma “relação íntima” com a extração de recursos onde se instalam, sem oferecer “grandes compensações” em troca.

Tanako reconhece que a geração de numerosos postos de trabalho não está entre as grandes contribuições dos datacenters, mas cita outras vantagens. “Traz uma grande conectividade para a região, levando novos fornecedores de fibra óptica, por exemplo”, aponta. Em sua visão, é possível mudar o patamar tecnológico dos municípios onde os centros são instalados, o que pode ser refletido no crescimento industrial e na mão de obra especializada, já que os investimentos elevam os padrões de infraestrutura local.

Disparada nas emissões poluentes

Na última semana, o Google divulgou que suas emissões de gases de efeito estufa aumentaram cerca 50% desde 2019, em grande parte por conta dos datacenters que sustentam seus desenvolvimentos de IA. O resultado compromete as ambições da empresa de zerar suas emissões até 2030. Em maio, a Microsoft fez anúncio semelhante, afirmando que suas emissões poluentes aumentaram 33% desde 2020 pelas mesmas razões.

O ChatGPT é um dos grandes marcos da disparada de consumo de energia no setor. Uma consulta no sistema, que usa uma ampla base de dados, pode gastar até 25 vezes mais recursos que uma busca convencional no Google, segundo algumas estimativas.

Com desdobramentos imprevisíveis, analistas são receosos em prognósticos para a IA, mas algumas projeções já indicam um potencial consumo de energia equivalente ao dobro do consumido em toda a França dentro de alguns anos.

Segundo Verzier, falta conscientização sobre os impactos do consumo de dados. “Se deixamos a torneira aberta em casa, nos sentimos mal. Mas, se usamos muitos dados, não existe a mesma visão, apesar dos efeitos ambientais”, afirma. “Quando deixamos fotos salvas na nuvem, ninguém diz que estão consumindo água e energia.”

Ela lembra que o uso intensivo de energia para o Bitcoin, cuja mineração consome o equivalente a uma série de países, foi bastante criticado, mas que o mesmo não ocorreu para a IA e as consequentes emissões de poluentes.

Já Tanako argumenta que os temas têm de ser tratados de formas diferentes, pois os desenvolvimentos que podem ser oferecidos pelos dados têm um potencial maior de gerar benefícios sociais.

Estresse hídrico

No mesmo relatório sobre as emissões, o Google indicou consumo 17% maior de água dos seus espaços em 2023 na comparação com o ano anterior. O recurso é fundamental nestes espaços principalmente para refrigeração dos equipamentos.

Segundo Verzier, muitos datacenters fazem uso em larga escala de água potável sem reutilização, e há um desperdício relevante na evaporação.

Nos últimos anos na América Latina, uma série de países, incluindo Chile e México, tiveram algumas de suas regiões mais povoadas passando por situações de escassez de água, algo que tende a se agravar e se chocar ainda mais com o consumo dos datacenters.

Tanako aponta que em países sob maior estresse hídrico a questão é mais importante para os planos das empresas, e essa seria outra vantagem comparativa para o Brasil.

Em fevereiro, um tribunal ambiental chileno reverteu parcialmente uma licença que permitia ao Google construir um datacenter, pedindo à empresa que revisasse seu pedido para levar em conta os efeitos das mudanças climáticas.

A companhia recebeu a autorização inicial para investir 200 milhões de dólares em Santiago no início de 2020, mas desde então o projeto atraiu protestos de residentes e autoridades locais sobre o possível impacto no aquífero árido da capital. O Instituto Mundial de Recursos (WRI) classifica o Chile como um dos países com maior estresse hídrico no mundo, sob risco de ficar sem abastecimento de água até 2030.

Tanako avalia que há grandes avanços no tema, e crê ser possível reduzir o consumo em um futuro próximo. Verzier também vê soluções mais sustentáveis, e aponta que, por exemplo, a recirculação de água é uma demanda feita ao setor. Segundo ela, outra opção ainda é a utilização de líquidos alternativos para refrigeração. Por sua vez, ela lembra que para que estes avanços ocorram, as empresas devem deixar de lado as opções “mais baratas” e buscar avanços na sustentabilidade dos projetos.

Do Opera Mundi

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