O menino engraxate que educou o Brasil: 105 anos de Florestan Fernandes
Florestan Fernandes nasceu em 22 de julho de 1920, em meio à luta de classes e nunca se afastou dela. Cresceu entre cortiços e cozinhas, trabalhando desde cedo para ajudar a mãe, Maria, empregada doméstica. Aos seis anos, tornou-se engraxate: lustrava sapatos nas ruas de São Paulo com uma caixa de madeira e coragem nos olhos. Era apenas uma criança, mas já enfrentava o mundo com a dignidade dos grandes.
Teve o nome trocado à força pelos patrões. “Florestan” era sofisticado demais para um menino pobre. Passaram a chamá-lo de Vicente, como se pudessem rebatizá-lo e reescrever sua história. Mas ele nunca se curvou. Saiu da casa dos patrões com a mãe e mergulhou no Brasil profundo: o dos cortiços, das privações, da resistência.
Anos depois, diria que sua maior batalha sempre foi não se afastar das origens. E tudo nele confirmava isso. Retomou os estudos aos 17 anos e entrou na USP como quem invade trincheiras. Levava no corpo as marcas do trabalho precoce e, na mente, o compromisso inegociável com os mais vulneráveis. Aprendeu a pensar com os livros, mas aprendeu a compreender o Brasil na lida, nas relações desiguais que o marcavam desde a infância.
Florestan se tornou um dos maiores sociólogos da América Latina, intelectual marxista dos mais sólidos, rigorosos e combativos. Analisou minuciosamente a formação do capitalismo no Brasil, escancarando a permanência das estruturas escravocratas sob aparência moderna. Denunciou a burguesia local como subserviente ao capital estrangeiro. Para ele, sem reforma agrária, sem educação libertadora e sem ruptura com essa lógica de dominação, o país não sairia do ciclo de desigualdade.
Durante a ditadura militar, foi forçado a se aposentar da USP com o AI-5. No exílio, deu aulas nos Estados Unidos e no Canadá, mas escrevia cartas dizendo que preferia morrer lutando no Brasil do que esperar calado em outro lugar. Quando voltou, em 1972, só pôde lecionar novamente anos depois, graças à coragem de Dom Paulo Evaristo Arns, que o acolheu na PUC-SP apesar da pressão dos militares.
A partir da década de 1980, substituiu temporariamente as salas de aula pelo plenário da Câmara. Entrou para a política pelo Partido dos Trabalhadores (PT), onde exerceu dois mandatos como deputado federal. Não perdeu a coerência. Segundo ele, era o mais próximo que existia, naquele momento, de um partido com compromisso de esquerda real.
Na Assembleia Constituinte, Florestan participou da construção do capítulo da Constituição que trata da educação e da autonomia universitária. Também ajudou a lançar as bases do Fundeb. Para o deputado Ivan Valente (PSOL-SP), “ele virou a grande referência de todos os movimentos sociais e educacionais no Congresso Nacional. Foi quem construiu a visão de educação como dever do Estado e direito do cidadão”.
Para Florestan, educar era libertar. E ninguém que passou pela infância que ele teve, limpando sapatos, sem nome nem espaço, poderia defender uma educação neutra. Sua defesa da escola pública, laica, gratuita e de qualidade nasceu das entranhas da experiência concreta de exclusão.
Jamais separou teoria e prática. Jamais se rendeu ao discurso da conciliação. “Debaixo do meu guarda-chuva cabem todos os radicais”, dizia com generosidade, mas sem ilusões. Denunciava as concessões feitas em nome da governabilidade. Alertava que o fascismo não morre, apenas espera o momento certo para reaparecer. E reaparece sempre que o povo ameaça o poder de quem domina.
Hoje, sua presença permanece viva na obra, no exemplo e na Escola Nacional Florestan Fernandes, construída pelo MST em Guararema (SP). Nesse espaço, sua memória inspira uma formação crítica, internacionalista e popular. É como se ele ainda estivesse ali, orientando os caminhos, mantendo vivas as utopias que ajudou a edificar.
A Contee celebra os 105 anos de nascimento de Florestan Fernandes reafirmando seu legado como educador do povo, intelectual orgânico da classe trabalhadora e referência da luta por uma educação pública, crítica e transformadora.
Viva Florestan! Viva a educação! Viva a classe trabalhadora!
Brasília, 22 de agosto de 2025.
Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee)





