O movimento sindical após um ano das Jornadas de Junho
Diorge Konrad *
Como desdobramento das Jornadas de Junho de 2013, o Movimento Sindical Brasileiro organizou o Dia Nacional de Lutas, uma verdadeira greve geral, acontecida em 11 de julho de 2013 (a última na formação social brasileira havia sido em 14 e 15 de março de 1989, contra o governo de José Sarney), quando as centrais sindicais (CUT, CTB, Força Sindical, Conlutas, UGT, CSB e CGTB) e dezenas de movimentos sociais.
Impulsionadas pelas Jornadas de Junho, o movimento sindical construiu uma pauta de “consenso”, centrada na redução do preço e na melhoria na qualidade dos transportes públicos, em mais investimentos na saúde, na segurança e na educação pública, na defesa da reforma agrária, na defesa do aumento do valor das aposentadorias e pelo fim do fator previdenciário, na redução da carga semanal de trabalho para 40 horas, na contrariedade às terceirizações que precarizam as relações de trabalho, na defesa da regulamentação do direito de greve dos funcionários públicos e na defesa do fim das demissões que geram a rotatividade de emprego e a diminuição das taxas de salário.
Era, também, uma resposta unitária do movimento sindical e de correntes dos movimentos sociais (iniciada em 25 de junho, em uma reunião chamada pelas principais centrais sindicais) para a pauta difusa apresentada no mês anterior, quando milhares de brasileiros voltaram espontaneamente às ruas, reunindo desde grupos pequeno burgueses radicalizados de orientação libertária e de extrema esquerda, passando por oportunistas de organizações criminosas, militantes da oposição conservadora e neoliberal, até radicais de inspiração integralista e/ou fascista.
Numa conjuntura de refluxo dos movimentos sociais sindicais, ainda no contexto da ofensiva neoliberal e de não rompimento com as políticas macroeconômicas defendidas pelas agências mundiais do capitalismo, quando por mais de década destacaram-se as lutas dos “excluídos” pela terra ou por moradia, o sindicalismo unificou suas reivindicações visando a retomada da negociação em torno da pauta de reivindicações dos trabalhadores brasileiros.
Depois de um ano das Jornadas de Junho e do Dia Nacional de Lutas de 11 de Julho, especialmente no contexto da Copa do Mundo de Futebol no Brasil, vemos que a grande mobilização de 2013 (como a maior greve geral do Brasil deste século) foi ainda marcada por lutas econômicas do que por uma ascendência de média duração do movimento sindical no rumo da defesa de mudanças mais estruturais em contraponto ao domínio neoliberal no Brasil. A resistência por direitos ainda tem sido o eixo principal das lutas! Ainda falta muito para que a correlação de forças mude para uma ascensão revolucionária do proletariado brasileiro. As Jornadas de Junho não conseguiram mudar esta correlação, diferente de visões idealizadas que afirmam o contrário, mesmo que não possam ser vistos como um fato isolado da crise de acumulação capitalista recente.
Se iludem e se iludiram aqueles que pensaram as Jornadas como o momento maior da luta de classes contemporânea no Brasil. Se fosse diferente, as manifestações não teriam declinado, e mesmo as greves que ainda acontecem, não teriam sido sobrepujadas por uma imensa maioria de brasileiros que quis e está querendo ir para a rua pela Copa do Mundo no lugar dos grandes protestos.
Assim como na Argentina de 2001 e na Primavera Árabe recente, tivemos um momento importante das lutas sociais desde junho de 2013, mas ainda estivemos longe da revolução. Mais ainda da “Revolução Brasileira” como quiseram certas posições mais entusiasmadas de alguns grupos de esquerda, sobretudo das correntes antiparditárias e antissindicais dos movimentos sociais brasileiros de linha política autonomista, as quais confundem resistência, violência e desobediência civil com rompimento com as formas de dominação burguesa no capitalismo. Com esta interpretação da História se equivocam tanto como aqueles que afirmavam ser a URSS um “Estado Operário”, bastando derrubar a burocracia para que o caminho da revolução retornasse o leito do rio socialista.
Sim, porque mesmo que as Jornadas de Junho de 2013 tenham aprofundado as mobilizações de rua pelos movimentos sociais e políticos, na época também se destacaram manifestações contrárias aos partidos políticos e às organizações sindicais, estimuladas pelos monopólios dos grandes meios de comunicação, contra as bandeiras do PT e dos PCs ao PSTU, da Força Sindical a CTB, epresentando a expressão exponencial do conservadorismo político das classes dominantes, assim como em outras vezes que as bandeiras partidárias foram baixadas no Brasil Republicano (no Estado Novo pós-1937 e na Ditadura pós-1964 com o Ato Institucional nº 2), vicejando orientações de caráter fascista.
Passados 365 dias, as grandes reivindicações por transporte público melhor e mais barato (incluindo tarifa zero e exemplos de redução efetiva de tarifas), educação de qualidade, políticas de segurança pública para todos e ampliação do saúde SUS, bem como os atos contra a corrupção, contra a inflação e pela descriminalização dos movimentos sociais continuam na ordem do dia, traduzindo-se na consigna, mesmo que indireta, de mais Estado e menos mercado, além da retomada da defesa de uma reforma política com Constituinte Exclusiva para tal.
Nesta luta, o lado das classes dominantes, e de seus partidos, especialmente do PSDB e do DEM, além do seu “partido” mais ativo, a mídia, tem sido claro. Contrários ao financiamento público de campanha, as eleições em lista e a uma constituinte política exclusiva, centram suas críticas pelo aprofundamento tática “lacerdista” e na aparência do problema político, no velho e surrado discurso de que o problema essencial do Brasil está na corrupção. Levam consigo uma classe média conservadora, infensa a conquistas sociais dos setores populares, abominando até as limitadas políticas sociais compensatórias assim como as pequenas políticas de transferência de renda. Esta “leitura” das Jornadas de Junho estarão presentes no debate para as eleições para a Presidência da República e para os governadores, senadores, deputados federais e estaduais de 2014.
E foi esta visão conservadora que resultou no trâmite de projetos de lei que visam criminalizar ainda mais as manifestações de rua, especialmente com a chamada Lei Antiterrorismo, enfraquecendo a nossa recente tênue e ainda incompleta democracia de apenas trinta anos. Devemos insistir que já temos mecanismos suficientes para tratar de ações criminosas ou fascistas no interior das legítimas manifestações políticas por maiores mudanças.
Por fim, e essa deve ser uma tarefa dos movimentos sociais e dos partidos comprometidos com mudanças, é central politizar mais o discurso anticorrupção e de combate à inflação, fugindo da tecla dos grandes monopólios de comunicação e da política conservadora, aprofundando as mobilizações das ruas se necessário, para que o voto tenha poder político efetivo, retomando a crítica ao superávit primário, assim como às políticas de juros altos e de amortizações da dívida pública que levam em torno de 40% do orçamento da União para os cofres do capital rentista. Não há como investir mais em transporte, saúde, educação, segurança e moradia sem romper com esta lógica. A bandeira do sindicalismo, por isso, tem mais a ganhar, além de luta por melhores salários e condições de vida, se “intensificar a mobilização e a luta pela mudança da política econômica, a redução substancial da taxa de juros, o fim do superávit primário, o controle do câmbio, do fluxo de capitais e das remessas de lucros (…) com valorização do trabalho, democracia e soberania” como já afirmou a nota da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil, ainda em outubro de 2013.
E no debate político e na disputa ideológica do processo eleitoral em iminência de se iniciar oficialmente, romper com a lógica da argumentação das classes dominantes e dos partidos conservadores não tem contradição com a defesa das pautas conjunturais já apresentadas em 11 de julho de 2013, sobretudo por uma mobilidade e uma reforma urbana sob a ótica dos que mais precisam dela, os trabalhadores, bem como ampliar as lutas da classe trabalhadora contra a alta dos juros empreendida pelo Banco Central e pela redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais sem redução de salário.
Se formos acusados de leninistas, por vincular as lutas sociais com as pautas da grande política e da atual crise do capital, bem como aos propósitos de alguns partidos políticos, mesmo que nos limites do debate eleitoral, não devemos nos preocupar. Isto ainda é um elogio, mesmo que venha de movimentos e lutas sociais supostamente “horizontalistas” e que falam em nome da “perspectiva” da classe trabalhadora, mas que na práxis estejam longe da classe, bem ao feitio das posições históricas do vanguardismo!!!
* Professor Adjunto do Programa de Pós-Graduação do Curso de História – Licenciatura Plena e Bacharelado e do Departamento de História da UFSM, Doutor em História Social do Trabalho pela UNICAMP
Do Portal Vermelho