O que a brutal morte do jovem congolês nos revela
A morte brutal e de forma perversa do jovem congolês Moïse Kabagambe, de 24 anos, dia 24 de janeiro, na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, pode nos revelar muitas coisas, que a bem da verdade não são nenhuma novidade.
Por Gilson Reis*
Que o Brasil é violento e a violência no governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) aumentou exponencialmente não restam dúvidas. Que o Brasil é estruturalmente racista e se dependesse das elites econômicas, as bases deste País de raízes escravistas não mudariam, também, parece inequívoco.
Que o País é profundamente injusto, desigual e desequilibrado, isso ficou mais explícito com a pandemia do novo coronavírus, agravado pelo desgoverno Bolsonaro a favor da covid-19 e todas as consequências advindas desse monumental erro, nas áreas econômica, social e sanitária.
Assim, é preciso que se diga, que o jovem Moïse não morreu daquela forma brutal e covarde porque era negro e imigrante. Ele morreu porque era pobre e trabalhador precarizado por políticas econômicas e trabalhistas que sonegam gravemente direitos a milhões de brasileiros nas mesmas condições de Moïse.
Atribuir, primordialmente, racismo àquele episódio torpe e trágico é erro crasso. É claro que o fato de Moïse ser negro e estrangeiro são componentes a mais que agravaram e levaram ao desfecho trágico e ignominioso.
É preciso que se diga, também, que as elites econômicas não têm ou não veem problemas em admitir que o País é racista e que desse modo se construam algumas políticas antirracistas, desde que essas não mexam com as estruturas do Estado brasileiro, de exclusão de classe social.
Como foi bem lembrado na nota em solidariedade à família de Moïse e por justiça contra à barbárie assinada pela Contee, o jovem morreu daquela forma porque foi cobrar, diretamente, supostas dívidas trabalhistas. Vejam que ironia: a Reforma Trabalhista de Temer (MDB), aprofundada por Bolsonaro (PL), estimula essa negociação direta entre patrão e empregado. É um dos pilares da contrarreforma que jogou por terra a CLT.
Sabemos que a figura caricata da negociação da “raposa com o galinheiro” está batida, mas não há ilustração ou metáfora melhor para caracterizar essa “negociação” entre as partes que a contrarreforma legalizou e estimula.
É sob essa lógica perversa que se encontram as relações de trabalho sob a contrarreforma trabalhista, que entrou em vigor em novembro de 2017, e quase 4 anos depois não produziu nenhum, mas nenhum mesmo, efeito positivo para os trabalhadores e o mercado de trabalho.
Para evitar que mais gente sofra as consequências dessa contrarreforma é preciso que lutemos para que a lei seja revogada ou no mínimo, que seja profundamente alterada. Isto é, alterada na essência do conteúdo do texto legal, como por exemplo, não permitir que haja negociação direta entre o trabalhador e o patrão, sem a mediação do sindicato, pois não há negociação sob essa falsa premissa, num país onde milhões de trabalhadores estão desempregados e precarizados.
Os sindicatos são essenciais na e para a democracia. Os sindicatos são invenção e construção contemporâneas da modernidade e nunca estiveram tão atuais diante desse quadro de desmonte de direitos dos trabalhadores, como no caso de Moïse.
Precarização e empobrecimento do povo
A partir do 2º mandato da ex-presidente Dilma Rousseff (2015), a situação do povo brasileiro começou a deteriorar-se. No governo Temer (2016-2018), com a aprovação das contrarreformas, em particular a Trabalhista, esse quadro deteriorou-se de vez.
Nos 3 anos de governo Bolsonaro, esse quadro já bastante erodido, agravou-se profundamente. E a pandemia turbinou e expôs os níveis de profundas desigualdades econômicas e sociais ao extremo.
A morte, portanto, do jovem congolês, e muitas outras, talvez nessas mesmas condições, mas que não ganharam a visibilidade que àquela ganhou, expressam esse quadro de radicalização dessas desigualdades econômicas e sociais.
Ajudar a alterar essa triste realidade é uma das tarefas do movimento sindical nas eleições de 2 de outubro para que outros jovens Moïses, congoleses ou brasileiros, não feneçam sob a profunda indignidade que a maioria de nosso vive hoje.
Moïse não foi animalescamente espancado até a morte porque era negro e imigrante. Ele morreu sob essa desumana condição porque era trabalhador precarizado e pobre. Não teve ajuda dos guardas municipais que fingiram não ter visto as cenas de desumanidade porque também era mais um corpo negro arrebatado sob a violência de um Brasil estruturalmente injusto, desigual e desiquilibrado.
*Gilson Reis é coordenador-geral da Contee