O que a disparada das violências contra a mulher espera de nós
Anuário Brasileiro de Segurança Pública piora em todos os indicadores de violência contra a mulher em 2022 – que podem ser ainda maiores, pela subnotificação
Enquanto eu escrevo estas palavras, muitas mulheres, em diferentes partes do Brasil, estão sofrendo algum tipo de violência. Não é exagero: diariamente, mais de 600 de nós são vitimadas pela violência doméstica e por lesões corporais motivadas por misoginia; são ainda mais de 1,6 mil registros diários de ameaças; e um saldo de quatro brasileiras assassinadas por dia, por serem mulheres.
As informações trazidas acima foram extraídas do 17º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado em julho. O documento revelou uma piora em todos os indicadores de violência contra a mulher em 2022 – que podem ser ainda maiores, pela subnotificação dos casos.
De tudo o que traz o Anuário, o que mais assusta é saber que a maioria dos casos é de ordem familiar. Diferente do que se pensa, a maioria dos estupros, por exemplo, não acontece em um beco, numa rua escura, cometido por um desconhecido. A grande parte dos casos de abuso contra a dignidade sexual das mulheres vem de companheiros, ex-companheiros e familiares outros.
Quando se fala em feminicídio, especificamente, a sociedade choca-se com a crueldade, mas parece ignorar o fato de que, até chegar a esse ponto, outros tipos de violências aconteceram. O feminicídio é apenas o desfecho da agressão verbal, da depreciação, das chantagens, das violências psicológica e patrimonial, das manipulações, do murro no box do banheiro durante uma discussão.
Muitas mulheres não conseguem entender que foram/são vítimas de violência, pois, historicamente, esses ataques foram naturalizados, legitimados por uma cultura que incorpora a mulher ao patrimônio masculino, devendo esta proteger a imagem do seu “dono”. As que se dão conta das agressões, muitas vezes, enfrentam um processo de revitimização, porque logo são invalidadas, desaconselhadas a denunciar, culpabilizadas e o pior: obrigadas a conviver com os seus próprios agressores.
Diante de um panorama tão deprimente, é urgente retomar uma agenda de lutas contra a violência de gênero e construir um amplo trabalho de conscientização. Precisamos debater de forma ostensiva sobre esse mal pelo qual nós, mulheres, somos acometidas em todos os espaços e elaborar uma intensa agenda política junto às organizações, entidades, partidos, sindicatos, academia e etc.
A teia que envolve as mulheres num ambiente tóxico de violências e controle é perversa. Em todas as áreas da vida, nos deparamos com situações e comportamentos que reforçam o machismo e a misoginia. Existe um ambiente sempre propício de acolhimento e, muitas vezes, premiação para os homens, especialmente brancos. Por isso, superar o patriarcado exige de nós muita organização, sororidade, sensibilidade, acolhimento e luta.