O que está em jogo na atual crise ucraniana: a ameaça nazista
Por Maria Clotilde Lemos Petta*
A deposição do presidente Victor Yanukovich da Ucrânia está sendo alardeada pela mídia internacional como uma vitória da democracia. Já o posicionamento da Rússia na crise e a decisão do Parlamento da Crimeia, região autônoma no sul da Ucrânia,com maioria russa, pela secessão com o objetivo de integrar a Rússia, é considerada um atentado à soberania nacional.
No entanto, o fato é que EUA e União Europeia jogaram um papel central na criação da crise na Ucrânia. O que está em jogo é a divisão do mundo em esferas de influências pelas grandes potências. Neste caso, o envolvimento dos EUA, União Europeia e Rússia na definição dos rumos políticos da Ucrânia são mais uma demonstração de rivalidade interimperialista, resultante da defesa dos interesses das classes dominantes dos países envolvidos.
Atrás da retórica de defesa da democracia e soberania nacional da Ucrânia, o que ocorre é a disputa da hegemonia militar, política e econômica dos países envolvidos, na região próspera da Ásia, estrategicamente importante e de muitas riquezas naturais – além do que, na Crimeia, está a única grande base naval de água quente da Rússia.
Os recentes acontecimentos também revelam a atual tendência imperialista de promover manifestações com objetivo de desestabilização de países cujos governos ousam contrariar seus interesses. No caso da Ucrânia, ficou evidente o decisivo apoio dos EUA e da União Europeia aos protestos de rua, através de ajuda logística e auxílio financeiro aos manifestantes. Segundo as agências, antes do golpe, Washington investiu 5 bilhões de dólares para “desenvolver habilidades e instituições democráticas” na Ucrânia, sem revelar o destino dos recursos. Na última terça-feira (4), os Estados Unidos ofereceram US$ 1 bilhão à Ucrânia como “um empréstimo internacional”.
Nesse contexto, fatos extremamente graves estão sendo destacados por diversos analistas de política internacional. Foram evidentes nos protestos as demonstrações de extremistas fascistas e neonazistas. Estes, embora representassem cerca de um terço dos manifestantes , destacaram-se nos confrontos violentos com a polícia. Em artigo publicado pelo Outras Palavras, o analista de políticas internacionais Max Blumenthal informa que banners dos partidários da “supremacia branca” e bandeiras dos confederados norte-americanos [escravocratas] foram fixados dentro da prefeitura de Kiev ocupada. Manifestantes içaram bandeiras da SS nazista e símbolos do poder branco sobre a estátua tombada de Lênin, entre outras manifestações de apologia ao nazismo. Blumenthau informa ainda que, entre os partidos que lideraram os protestos, destaca-se o Right Sector. Esta organização constitui “um grupo nebuloso”, que se autointitula “nacionalista autônomo”. Seus membros são identificados pelo jeito skinhead de trajar, estilo de vida ascético e fascínio pela violência nas ruas. Armado com escudos e porretes, o grupo ocupou as linhas de frente das batalhas nas manifestações”.
Segundo Seumas Milne, articulista do diário britânico Guardiam, em texto publicado na última quarta-feira (5), é a primeira vez que neonazistas participam de governo na Europa, desde 1945. Milne informa ainda que o partido de extrema direita, o Svoboda [ex-Partido Nacional Socialista], cujo líder denunciou “atividades criminosas” do “judaísmo organizado” e foi condenado pelo Parlamento europeu por sua visão “racista e antissemita”, tem cinco postos ministeriais no novo governo, inclusive o vice-primeiro-ministro e o procurador geral. “O líder do ainda mais extremo Right Sector, que esteve no coração da violência nas ruas, agora é vice-chefe de segurança nacional da Ucrânia”.
Os analistas também têm destacado um relacionamento muito próximo entre autoridades norte-americanas e líderes da Svoboda. Segundo Blumenthal, cabe considerar que muitos sobreviventes da Organização dos Nacionalistas Ucranianos (OUN-B), pró-fascista, fugiram para Europa Ocidental e para os EUA – por vezes, com ajuda da CIA –, onde forjaram silenciosamente alianças políticas com elementos da direita. Em Washington, a OUN-B reconstitui-se sob a bandeira do Comitê do Congresso Ucraniano para os EUA [Ukrainian Congresso Comitê of America (UCCA)], uma organização composta por “frentes 100% OUN-B”, que ajudou a organizar comícios em todas as cidades dos EUA, em apoio aos manifestantes ucranianos.
Reagindo ao desenvolvimento da crise política na Ucrânia, organizações sindicais dos trabalhadores têm manifestado repúdio ao novo governo, formado por forças políticas neoliberais e neonazistas. A Federação Sindical Mundial (FSM) emitiu uma nota, na terça-feira (4), em repúdio ao novo governo daquele país, “formado por forças políticas reacionárias e opostas aos trabalhadores”, considerando os perigos, principalmente para a classe trabalhadora, da presença de forças neonazistas na atual crise ucraniana. O movimento classista internacional manifesta sua solidariedade internacionalista aos trabalhadores que vivem na Ucrânia, apoiando “o direito dos trabalhadores que vivem na Ucrânia de lutar contra a barbárie capitalista e contra os perigos gerados pelas rivalidades entre os Estados Unidos, a União Europeia e Rússia”. (Declaração da Federação Sindical Mundial sobre a Ucrânia)
Neste momento, apesar de permanecer o perigo de uma escalada de intervenção estrangeira, ganha força a defesa de um acordo negociado na Ucrânia, já que a intervenção da Rússia significa um limite aos poderes dos EUA e da União Europeia. A saída da crise, segundo o analista Seumas Milne, seria “o estabelecimento de um governo de coalizão em Kiev que não tenha fascistas; uma constituição federal que garanta autonomia regional; apoio econômico que não pauperize a maioria; e uma oportunidade para que o povo da Crimeia escolha seu próprio futuro. Qualquer outra solução pode espalhar o conflito”.
Por fim, é importante destacar que esta crise representa uma oportunidade para que os trabalhadores ucranianos, com apoio do movimento classista sindical internacional, conquistem o papel protagonista na luta por medidas políticas de enfrentamento da lógica imperialista das grandes potências e que sejam de interesse dos trabalhadores.
*Maria Clotilde Lemos Petta é coordenadora da Secretaria de Políticas Internacionais da Contee