“O sindicato não tem uma vida própria, quem dá vida ao sindicato é a categoria”, disse o presidente Ricardo Martinez

Na sexta edição do Bate-Papo com as filiadas, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee) conversou com o presidente da Federação Interestadual dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino dos Estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul (FITRAE-MTMS), Ricardo Martinez.

O presidente destacou que os retrocessos emplacados nos governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro trouxeram prejuízos enormes ao sindicalismo. As recorrentes práticas antissindicais desses governos neoliberais continuam gerando desgastes e desestímulos à sindicalização. O número de filiações vem diminuindo consideravelmente.

Mesmo diante das evidências, ele relatou que por predominar o agronegócio na região, o bolsonarismo permanece forte, ainda tem 75% de aprovação.

Além desse panorama, Martinez contou sobre as negociações coletivas 2024, os enfrentamentos feitos para viabilizar o reajuste salarial. Informou que não houve avanços expressivos nas cláusulas sociais e que as conquistas foram mantidas.

A Contee segue priorizando o diálogo permanente por acreditar que as ações articuladas em conjunto ajudam a despertar a consciência de classe e são mais efetivas para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

Confira os pontos impactantes da entrevista com Ricardo Martinez:

SOBRE A FITRAE-MTMS

A FITRAE-MTMS existe há 20 anos e representa profissionais e auxiliares e técnicos administrativos dos Estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Inicialmente a FITEE (Federação Interestadual dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino), com sede em Minas Gerais, era quem negociava com os patronais em nome dos trabalhadores do setor privado de Mato Grosso do Sul, porque éramos uma base ainda não organizada. Em 1988, transformamos a associação dos professores em sindicato – SINTRAE/MS – e surgiu a necessidade de criarmos nossa federação. Assim, unimos as entidades de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul para fundarmos a FITRAE-MTMS e lá se vão 20 anos, com papel relevante de intermediação, de levantamento de questões trabalhistas, orientações nas negociações salariais, de discussão acerca do ambiente de trabalho e melhorias para os profissionais do setor privado de ensino.

REPRESENTATIVIDADE

Aqui temos duas bases: o Sindicato dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino da Região Sul do Mato Grosso do Sul – SINTRAE/SUL, que representa professores e auxiliares de administração escolar de Mato Grosso do Sul, e o Sindicato dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino do Estado de Mato Grosso do Sul – SINTRAE/MT, que representa os interesses dos trabalhadores em estabelecimentos de ensino privado de todos os níveis em Mato Grosso. Temos 34 municípios e Dourados deve ter por volta 45 municípios.

A DURA REALIDADE ATUAL

Há um passado bonito com um presente meio descambante. Chegamos a ter em torno de 3.500 filiados na época, antes do governo Temer. Com a vinda do Bolsonaro e com a queda da contribuição sindical, estamos perdendo cada vez mais filiados. Hoje temos em média 500 filiados. Estamos atravessando uma dificuldade enorme aqui no Estado. Ainda hoje Bolsonaro tem 75% de aprovação. Além disso, o nosso estado é totalmente agrário. Há por aqui um pessoal que criou uma aversão enorme ao sindicato. Para você ter ideia, nós temos um clube bonito, grande e bem estruturado que não é frequentado mais. Domingo pode ser o maior sol que tiver não vem ninguém. Antigamente vinham famílias, professores, ficavam em quiosques, utilizavam a piscina e tal. E de lá para cá, nós temos pouquíssima participação das pessoas. É lamentável o que está acontecendo.

NUANCES DAS NEGOCIAÇÕES

A nossa data-base é primeiro de março. Conseguimos fechar em março mesmo, quando chegou. Quando entramos em abril já estávamos com o índice salarial. Falamos ao patronal das insatisfações. Colocamos que o nosso salário está muito baixo e que a categoria precisava de um fôlego, precisava melhorar o salário da educação infantil, que se encontra muito indigno.

Aqui no município, no estado, 40 horas, o professor chega a dez mil reais e nós chegamos a quatro mil. Essa situação acaba resultando na debandada dos professores a buscarem até o contrato. Não o concurso, mas sim o contrato, porque o contrato também está pagando mais no estado. Não paga os dez, mas paga seis, sete, oito mil.

Houve uma grande migração dos professores para a rede estadual, mas lá também não vai comportar todos, então a gente precisa dar uma sobrevida aqui. Conseguimos fechar com um percentual acima da inflação este ano. A inflação nossa no período que antecede o período de revisão dos 12 meses, o nosso índice era para fechar em 3,86%, conseguimos viabilizar em 4,86%, 1% a mais do índice profissional periódico.

CONQUISTAS

Nas cláusulas sociais, renovamos as que estão garantidas na convenção coletiva. A questão da hora extra é de 60%, emplacamos lá atrás e manteve-se. As férias que eles querem partilhar, fracionar férias, conseguimos dar um período só de dezembro a janeiro aos professores. E, os administrativos, eles concedem de acordo com a própria rotina da empresa. Quanto ao recesso escolar de julho, conseguimos garantir as duas semanas.

CONTROLE INEFICIENTE DO BANCO DE HORAS

Um dos aspectos negativos que nós temos na nossa convenção coletiva é o banco de horas ou a compensação. Porque ela, na verdade, o que acontece com o banco de horas e a compensação existindo na convenção coletiva? Nenhum patrão paga hora extra. Porque tudo ele joga para o banco de horas e tudo ele joga para a compensação, mas eles queriam ampliar isso, mas se manteve já o que tem lá atrás. O Banco de Horas não é muito positivo pelo fato de que nós não temos um controle absoluto sobre o que realmente o trabalhador pratica de horas a compensar e o que vai ser inserido de fato no banco de horas. Esse controle é que nos preocupa. Não há uma forma de computar isso de uma maneira 100% positiva. Essa preocupação vem sendo discutida em todas as negociações, mas ainda não encontramos o caminho mais viável. Segue o questionamento: como que nós vamos controlar? Uns dizem pelo ponto eletrônico, outros afirmam anotando, no entanto você sabe como é que funciona na prática isso.

BOLSA DE ESTUDO

Seguimos pela regulamentação da Bolsa de Estudo para o trabalhador do ensino privado. Até já temos uma cláusula nesse sentido, mas ela é aberta, diz apenas que a bolsa será concedida de acordo com o mérito. Só que o mérito é algo muito subjetivo e o patrão define ao seu bel prazer. O mérito não é pelo trabalho, não é pela capacidade do trabalhador. Se fosse, seria ideal. Queremos o nosso direito de colocar o nosso Filho dentro da escola particular que trabalhamos assegurado. A luta histórica continua.

EQUIPARAÇÃO SALARIAL

Outra reivindicação que temos é o aumento salarial, tentando uma equiparação com o poder público, porque nós somos professores igualmente ao pessoal que está na rede pública e ganhamos muito menos. Sei que isso vem lá de trás. Há 30 anos que a nossa luta é isso. Essa é uma questão muito difícil de negociar. A resistência do patrão é imensa.

PLANO DE SAÚDE

Queremos também viabilizar o Plano de saúde que os trabalhadores da educação pública já dispõem. Tipo como a Acrópole fez aqui, um plano Unimed para seus trabalhadores num preço bem acessível porque ela tem centenas de trabalhadores vinculados a ela e a Unimed trabalha com esse número de vidas para poder baixar o valor do plano. Quanto maior o número de pessoas, mas barata fica a mensalidade.

PRÓXIMOS PASSOS

Entre os meses de setembro e outubro, a gente começa a pensar nas negociações coletivas do ano que vem. Como a nossa data-base é em março, nós aprovamos a pauta em dezembro, antes de iniciar as férias. Nessa pauta vai conter as reivindicações históricas, como o plano de saúde e a bolsa de estudo, tem também a insalubridade dos auxiliares administrativos que trabalham com agentes químicos. Nós temos pessoas que trabalham no laboratório, nas escolas de odontologia, nas escolas de veterinária. Nós temos gente, por exemplo, que trabalha com serpente, veneno de cobra. Há uma dificuldade enorme de se estabelecer isso na convenção coletiva, bem como a questão da periculosidade. Enfim, termina que a cada ano a pauta renasce, porque acaba sendo meio que uma guerra para conseguir as coisas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O nosso grande anseio é descobrir um caminho que nos leve realmente a interagir com o trabalhador e fazer com que ele tome consciência que o sindicato não tem uma vida própria. Quem dá vida ao sindicato é a categoria. A categoria que tem que dar esse impulso ao sindicato.

Lamentavelmente, na atualidade há uma grande rejeição ao sindicato. Temos que buscar um caminho para romper essa barreira. E esse caminho até o momento eu não consegui visualizar. Mas o que a gente tem tentado buscar é sempre um contato com as pessoas, dizendo: vamos fortalecer o sindicato, vamos construir um sindicato forte. Precisamos das manifestações de vocês, seja por email, seja por rede social, para que a gente possa fazer um sindicato melhor e mais representativo, capaz de promover os avanços que tanto a categoria necessita.

Edição: Romênia Mariani

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