ONU reconhece educação como bem público e questiona política de privatização do ensino no Marrocos
Comitê da ONU reconhece impactos negativos da ampliação da participação da iniciativa privada na área, o que deve fomentar a crítica às essas políticas em diversos países
Na última quinta-feira (4/9), em Genebra, o CDC (Comitê da Organização das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança) questionou a política de privatização da educação no Marrocos e lamentou a falta de respostas satisfatórias por parte do governo. Membros do comitê apresentaram sérias preocupações sobre o impacto da privatização das escolas marroquinas sobre o direito das crianças a uma educação gratuita, de qualidade e acessível. E expressaram suas preocupações sobre aspectos como a transferência de professores de escolas públicas para escolas privadas, as desigualdades criadas pela privatização e o sistema de ensino que está sendo promovido pelo Marrocos.
Assim como outros 193 países signatários da Convenção sobre os Direitos da Criança, o Estado Marroquino assumiu o compromisso de apresentar a cada cinco anos relatório indicando os fatores e as dificuldades para assegurar os direitos previstos no documento. As discussões ocorreram durante a sessão de avaliação do comitê de peritos da ONU, órgão responsável por monitorar a implementação da Convenção sobre os Direitos da Criança, ratificada pelo Marrocos em 1993.
Recentemente, o GI-ESCR (Global Initiative for Economic, Social and Cultural Rights) publicou três relatórios que demonstram os impactos negativos da privatização no Marrocos sobre o direito à educação (disponível aqui ). As pesquisas foram realizadas em parceria com instituições marroquinas. A responsável pela articulação do GI-ESCR com a ONU, Lucy McKernan, explicou que “há 15 anos o governo tem incentivado o desenvolvimento da educação privada. Hoje, muitos marroquinos se sentem compelidos a fazer sacrifícios para enviar seus filhos para escolas particulares caras, o que gera uma grande desigualdade e divide a sociedade entre os que têm acesso às melhores escolas caras e outros que se sentem deixados para trás”.
Apesar dessas evidências, a delegação do governo marroquino, chefiada pela ministra da Solidariedade, Mulher, Família e Desenvolvimento Social, Bassima Hakkaoui, negou durante a reunião em Genebra que a privatização tenha gerado barreiras para o direito à educação. E respondeu ainda que o Marrocos “promove a livre concorrência entre as escolas” e que espera ampliar ainda mais o número de matrículas na rede privada.
Os membros do comitê de peritos do CDC lembraram que a educação é um bem público, garantido como tal desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e que o próprio rei do Marrocos reforçou recentemente as preocupações sobre o crescimento das desigualdades criadas pela privatização na educação no país.
“As respostas apresentadas pelo governo às perguntas do Comitê sobre os Direitos da Criança não respondem aos problemas estruturais básicos de discriminação do sistema de ensino do país criado pela privatização da educação”, reagiu Sylvain Aubry, pesquisador sobre direito humano à educação para a GI-ESCR.
Nessa mesma linha, o codiretor do GI-ESCR, Bret Thiele, acrescentou que espera “que as observações finais do Comitê sobre os Direitos da Criança lembrem o Marrocos de sua obrigação com relação ao direito internacional de oferecer uma educação pública de qualidade para todos, a fim de combater a desigualdade ao invés de incentivar a educação privada, que está agravando as desigualdades geográficas e socioeconômicas e a segregação social”.
Dando sequência à avaliação do Marrocos, no final de setembro o CDC publicará um conjunto de recomendações para a implementação da Convenção sobre os Direitos da Criança no país, chamado de “observações finais”. O GI-ESCR e seus parceiros acompanharão de perto a implementação destas observações pelo governo marroquino.
Caso o CDC reforce em seu relatório que a educação é um bem público e que a privatização do ensino dificulta o acesso a esse direito, essa medida abrirá precedentes para que organizações questionem os impactos dessa política em diferentes países e criem estratégias de pressão internacional para assegurar o acesso à educação pública, gratuita e de qualidade a todas as pessoas.
Como funciona o processo de revisão – Os Estados Membros da ONU e signatários da Convenção sobre os Direitos da Criança se comprometem a apresentar a cada cinco anos relatório indicando os fatores e as dificuldades para o cumprimento das obrigações decorrentes da Convenção. O relatório é avaliado pelo Comitê das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, composto por 10 peritos eleitos pelos próprios Estados, que farão recomendações para a garantia dos direitos da criança naquele país. Marrocos teve seu relatório avaliado durante a 67ª Sessão da Convenção sobre os Direitos da Criança, que acontece de 01 a 19 de setembro de 2014 na sede do Conselho de Direitos Humanos da ONU em Genebra. Os documentos apresentados na sessão estão disponíveis aqui
Discussão sobre privatização no Brasil
Em junho, representantes da sociedade civil de diferentes países participam do debate Privatisation in education, evento paralelo à 26ª reunião do Conselho de Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas), que ocorre em Genebra – Suíça, entre os dias 10 e 27 de junho. O objetivo foi discutir os impactos da privatização sobre a efetivação do do direito humano à educação. Representando o Brasil, participam do encontro Iracema Nascimento, coordenadora executiva da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, e Salomão Ximenes, coordenador do programa Ação na Justiça da Ação Educativa. Saiba mais aqui.
Da Campanha Nacional pelo Direito à Educação