Para economistas, ajuste fiscal de Temer cairá na conta dos programas sociais

São Paulo – Os impactos da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241 para os programas sociais no país serão nefastos nos próximos anos. Se o Congresso Nacional aprovar essa proposição do governo do vice-presidente em exercício Michel Temer, os gastos de todas as esferas públicas serão a cada ano corrigidos apenas pela inflação do ano anterior, e não poderá haver mais aumentos reais de orçamento por um período de 20 anos, o que quer dizer que o governo não poderá ampliar a cobertura de programas sociais, para continuar combatendo as desigualdades.

Esses impactos estiveram no alvo dos economistas que participaram ontem (6) de seminário promovido pela Plataforma Política Social e pelo Le Monde Diplomatique Brasil. Enquanto o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, defende que a PEC do teto, como também é chamada, vai instaurar um novo regime fiscal e passar confiança aos investidores privados, o que na visão dele é fundamental para a retomada do crescimento, os economistas reunidos no seminário foram unânimes em concordar que limitar os gastos do Estado só vai trazer mais recessão, perda de arrecadação, desemprego e arrocho salarial, colocando a conta do ajuste fiscal sobre as costas dos trabalhadores e dos segmentos beneficiados por programas sociais.

Como um plano de austeridade, ao sabor do que a Europa tem tentado nos últimos anos e produzindo imensa insatisfação social, a PEC 241 vai “fazer o sistema social sucumbir à realização de superávits primários”, afirmou o assessor técnico da Câmara dos Deputados, especialista em orçamentos e políticas públicas, Flávio Tonelli Vaz. “Com a PEC, o país volta ao modelo da exclusão de cobertura previdenciária. A universalidade da saúde vai cair em termos reais porque vai ter de trocar população (atendida) por correção (pela inflação)”, afirmou.

Um dos números que mostram o impacto da PEC 241 é o dos gastos do governo em relação ao Produto Interno Bruto (PIB). Esse dado, que hoje é de 20%, cai para 16% em dez anos e para 13% em vinte anos, que é o tempo de vigência pretendido pelo projeto, segundo uma projeção apresentada pelo professor de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Pedro Rossi. Ele identificou uma “estupidez no plano político e econômico”. “Austeridade é uma palavra que sintetiza tudo de ruim no plano econômico. Na Grécia, na Europa, a luta contra a austeridade virou uma bandeira. Temos de discutir isso desde já, e ver quais as questões estão envolvidas”, defendeu o professor, que vê no ataque neoliberal à economia e, politicamente, no autoritarismo do governo Temer a troca de um país solidário por um país que fomenta o individualismo.

Segundo Rossi, por definição, austeridade “é uma política de redução do Estado e dos salários”. “E no Brasil está em vigência desde 2015”, acrescentou. “É o remédio da direita em tempos de crise. Mas na verdade é um instrumento ideológico para um modelo de sociedade que não é compatível com a nossa Constituição. E o pior: a austeridade como remédio nunca funcionou do ponto de vista histórico. Mas persiste como instrumento há mais de um século, não obstante hoje o FMI seja cético sobre o tema que no Brasil está na ordem do dia.” Ele também comentou a ideia do ajuste fiscal construída ideologicamente, como, por exemplo, com o mito de que o Brasil viveu excessos de gastos nos últimos anos, e que agora é preciso fazer sacrifícios.

Estado mínimo ou nem isso

“O que se pretende é colocar uma visão de Estado e de sociedade. Limitar os gastos do governo pela variação de preços ao consumidor não tem nada a ver, mas foi inventada uma regra para limitar os gastos. É um vale-tudo na saúde, na educação, não vai mais existir Estado se a proposta de fato for implementada”, defendeu o economista João Sicsú, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Em uma projeção do impacto do teto de gastos pretendido pela PEC, o economista compara as despesas da Previdência entre 2006 e 2015, considerando os exercícios realizados por Lula e Dilma, e o que aconteceria se a PEC de Temer e Meirelles estivesse entrado em vigor em 2006. “Hoje, o valor do benefício médio seria quase 40% menor”, afirma o economista.

“Temos de combater a ideia de que gasto público é ruim. Tem que gastar, gasto de custeio é pagar professor, financiar a pesquisa, tem de deixar de demonizar o gasto de custeio”, disse Sicsú, depois de sustentar que é “uma balela” que o modelo de inclusão do ex-presidente Luiz Inácio Lula das Silva se esgotou. “Lula foi um governo de investimentos públicos e privados, sobretudo de 2007 a 2010. Foi uma era de investimentos, e não só de consumo. O Brasil ainda tem muita gente para incorporar ao consumo”, defendeu.

Crítico dos governos Lula e Dilma pela falta de um projeto de Estado, Sicsú falou também da necessidade de enfrentamento dos privilégios das elites. “O enfrentamento é importante, mas também a construção de um projeto de Estado e sociedade. Não podemos errar de novo e por isso precisamos ter um projeto”, disse.

Melhor não fazer nada

O professor de Economia da Universidade de São Paulo (USP) Fernando Rugitsky classificou como “austericídio” o impacto da PEC: “você corta despesa, que derruba a economia, que derruba a arrecadação, e aí precisa cortar mais despesas…” Rugitsky não vê como a PEC vai produzir emprego e renda, como tem dito o ministro Meirelles. Para o professor, a PEC representa uma ofensiva de políticas contra a distribuição de renda. Indagado por alternativas à política de Temer, o professor defendeu a reforma tributária que mudasse o caráter regressivo dos impostos no país – que pesa mais sobre quem ganha menos e promove injustiça fiscal por meio dos impostos indiretos, sobre o consumo. “Não fazer nada é melhor do que esse governo”, chegou a dizer o professor.

Da Rede Brasil Atual

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