Pastoral Carcerária aciona TSE contra Bolsonaro: aptos a votar é “parcela diminuta do eleitorado”
Segundo dados do CNJ, até dia 30 de setembro, havia 909.061 pessoas presas no Brasil. Desse total, 404.452 (44,5%) são presas e presos provisórios, dos quais apenas 12.963 (3,20%) puderam exercer o direito pleno ao voto nestas eleições
O presidente da República Jair Bolsonaro (PL) é um mentiroso contumaz. E, por servir como “inequívoca ferramenta de desinformação, além de atacar o direito constitucional das pessoas privadas de liberdade”, propaganda eleitoral de TV do candidato foi alvo de representação no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) apresentada pela Pastoral Carcerária Nacional, ligada à Igreja Católica.
A ação foi protocolada, na última sexta-feira (14), e é contra Bolsonaro e a coligação Pelo Bem do Brasil, composta por PL (Partido Liberal), PP (Progressistas) e Republicanos. A Pastoral é vinculada à CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), e o pedido foi distribuído à ministra Maria Claudia Bucchianeri, na Corte Eleitoral.
Objetivamente, presos com processos judiciais transitados em julgado perdem os direitos políticos; portanto, não podem votar.
Bolsonaro e a coligação dele foram citados por WhatsApp, na própria sexta-feira, para que ofereçam resposta à representação no prazo de dois dias. Conforme certidão do TSE, às 16h41 houve a confirmação de entrega da citação no aplicativo de mensagens, que já estava cadastrado na corte.
Mentira na propaganda eleitoral
Apoiadores de Bolsonaro, há dias, vinham tentando emplacar a ideia de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva seria o candidato favorito dos presos.
Na última quinta-feira (11), a campanha oficial de Bolsonaro na TV afirmou que o candidato da Federação Brasil da Esperança foi o mais votado entre os detentos do país e, claro, o assunto foi parar nas redes sociais.
Segundo a Folha, a campanha de Bolsonaro usou dados de sites regionais e relatórios de urnas de presídios, mas não apresentou relatório consolidado dos votos de todas as cadeias do Brasil.
“Mentiras, fake news e desinformação”
Segundo a Pastoral Carcerária, ao associar os votos de criminosos, no primeiro turno das eleições, a Lula, a propaganda de Bolsonaro reproduziu “mentiras, fake news e desinformação”.
A peça de campanha diz que o candidato da Federação Brasil da Esperança, composta por PT, PCdoB e PV, e outros 7 partidos coligados, recebeu a grande maioria dos votos nos presídios.
“Não foi transmitida qualquer informação de que as pessoas presas aptas a votar são aquelas sem condenação criminal transitada em julgado, bem como adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de internação ou de internação provisória”, destacou a Pastoral Carcerária Nacional na peça judicial.
A Constituição Federal (artigo 15, inciso III) prevê o direito ao voto das pessoas presas provisoriamente, ou seja, aquelas sem condenação definitiva, sobre as quais, nessa condição, recai a presunção de inocência. Com dados oficiais, a Pastoral demonstrou que os presos aptos a votar integram “parcela diminuta do eleitorado brasileiro”.
Pequeno eleitorado
A Pastoral Carcerária esclarece que o BNMP (Banco Nacional de Mandados de Prisão), alimentado pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça), revela que, até dia 30 de setembro de 2022, havia 909.061 pessoas presas no Brasil.
Deste total, 404.452 (44,5%) são presas e presos provisórios, dos quais apenas 12.963 (3,20%) puderam exercer o direito pleno ao voto nestas eleições.
O número de presos provisórios efetivamente votantes consta de levantamento do TSE sobre aqueles que estão com a inscrição eleitoral regularizada, podendo exercer o direito de voto nas eleições de 2022. Esses dados, com os respectivos linques dos órgãos que os informam, constam da representação.
“Apesar da pequena quantidade de pessoas presas que votaram efetivamente — considerando o número total de pessoas presas provisoriamente —, a coligação representada veiculou a maliciosa propaganda eleitoral, atacando diretamente o direito constitucional de voto das pessoas presas”, destacou a Pastoral Carcerária.
Mentira mentirosa de Bolsonaro
“Tá [sic] explicado por que é que os bandidos gostam tanto do Lula”, diz um trecho da propaganda. Conforme a representação, associar pessoas presas provisoriamente à pecha de “bandido” é impor condenação, negando a existência do princípio da presunção de inocência, ratificado no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal.
De acordo com a representação, a população encarcerada no Brasil é majoritariamente composta por negros (pretos e pardos) e pobres, sendo violenta afronta ao direito dessa população a associação feita pelo programa eleitoral.
A propaganda também violaria o Código Eleitoral ao induzir o eleitorado a diminuir a cidadania dessas pessoas.
Aversão a pobre
“É uma manifesta reprodução do racismo e da aporofobia [aversão a pobre] incrustados no discurso partidário da coligação. Diante de tudo isso, é evidente que a propaganda política elaborada pela coligação denunciada é mentirosa, antidemocrática, excludente, racista, eugênica e violadora de direitos constitucionais”, escreveu, em conclusão, na ação a Pastoral Carcerária.
Diante das violações apontadas, a representante requereu que o procurador-geral eleitoral, Antônio Augusto Brandão de Aras, receba a representação, a fim de que seja determinado a Bolsonaro e à coligação eleitoral dele a devida retratação na propaganda eleitoral do candidato, com o reconhecimento público da desinformação veiculada no programa.
A Pastoral ainda pediu a imediata retirada de circulação do programa eleitoral denunciado de todos os meios de comunicação, bem como a aplicação de multa à coligação Pelo Bem do Brasil e que ela seja proibida de reproduzir “propaganda racista e discriminatória, especialmente quando atacado o direito ao voto das pessoas presas”.
Marcos Verlaine