Pedido de ingresso do Brasil na OCDE é oportunismo de Bolsonaro
Para lideranças da CUT, pedido só fará mal ao país. Segundo eles, a OCDE é reconhecida por defender um Estado mínimo e uma cartilha macroeconômica para os ricos e prejudiciais aos países em desenvolvimento
O presidente nacional da CUT, Sérgio Nobre, e o secretário de Relações Internacionais da central sindical, Antonio Lisboa, afirmam em artigo exclusivo ao Brasil 247, que o ingresso do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), como que Jair Bolsonaro, prejudica o Brasil.
Os sindicalistas lembram que a organização é reconhecida por defender um Estado mínimo e uma cartilha macroeconômica que preza pela liberalização do fluxo de capitais, bons para os ricos — mas extremamente prejudiciais aos países em desenvolvimento.
Veja a íntegra do artigo:
- Em 25 de janeiro de 2022,o Conselho da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) deliberou abertura de discussões com seis candidatos a integrar a organização: Brasil, Argentina, Bulgária, Croácia, Peru e Romênia. De acordo com a OCDE, serão preparados roteiros individuais para um processo de avaliação detalhado e os países candidatos terão que aderir aos valores, visões e prioridades refletidas na Declaração de Visão do 60º Aniversário da organização e também na Declaração do Conselho Ministerial adotada em 2021.
- Calendários de adesão de outros países no passado nos mostram que tais processos levam, em média, de dois a cinco anos para serem concluídos e somente com todas as exigências cumpridas pelos candidatos é que a adesão é consumada. No entanto, o processo de avaliação está em aberto, os procedimentos estão em andamento e, no caso brasileiro, a sociedade, especialmente os trabalhadores, devem ficar alertas e participar ativamente das discussões e, assim, evitar prejuízos irreparáveis no futuro para eles e para a população brasileira.
- A Declaração de Visão do 60º Aniversário da OCDE afirma que está entre seus valores “a democracia, o estado de direito e a proteção de direitos”. Importante ressaltar que o pedido de adesão à OCDE foi feito em 2017 pelo então ilegítimo presidente Michel Temer que violou o estado de direito e atacou a democracia ao orquestrar um golpe de estado junto a outros atores nacionais e internacionais.
- Já em2017 a CUT (Central Única dos Trabalhadores) enviou documento à organização, declarando sua oposição ao pedido feito pelo governo brasileiro, demonstrando que o pleito apresentado pelo Brasil era inconveniente e oportunista. O único objetivo do pedido de adesão era demonstrar o compromisso daquele governo golpista com os ajustes macroeconômicos demandados pelo setor privado e, assim, tentar atrair investimentos externos diretos. Porém, a atração de investimentos externos e o retorno de seus resultados devem ocorrer a partir da sua participação no desenvolvimento econômico nacional e não da forma predadora, por meio do rebaixamento das condições laborais, ambientais e fiscais.
- Desde 2017, a situação brasileira só piorou e são constantes as violações de direitos humanos, além de graves reformas que foram impostas, sem diálogo com a sociedade e a organização sindical, como as reformas da previdência e a trabalhista. Esta última foi objeto de denúncia, por mais de uma vez, na Comissão de Aplicação de Normas da Organização Internacional do Trabalho – OIT, por violar explicitamente as convenções 98 e 154 que tratam sobre o direito de sindicalização e de negociação coletiva. Ou seja, ao violar as convenções 98 e 154 da OIT, o Brasil violou os valores relativos à “proteção de direitos”previstos na Declaração do 60º aniversário da organização. Outros instrumentos da OIT são violados como é o caso das convenções 169 e 151.
- O governo do presidente Jair Bolsonaro, eleito em 2018, não só desrespeita o diálogo social ou nenhuma instância tripartite, como viola sistematicamente convenções internacionais sobre direitos humanos, laborais e ambientais. O lastro de destruição ambiental na sua gestão é internacionalmente reconhecido. Além de catastróficos dados já expostos em diversas mídias sobre o desmatamento e outros crimes ambientais, o governo é considerado cúmplice seja pela ausência de fiscalização, pelo desmonte de órgãos públicos ou mesmo pelas falas antiambientais do presidente e de sua equipe, além do total descompromisso com o Acordo de Paris.
- Como bem disse deputado democrata norte-americano, Hank Johnson, não é possível abrir um precedente para um país cujo presidente é acusado de possíveis crimes contra a humanidade no Tribunal Penal Internacional.
- É importante ressaltar que o país já participa há vários anos de diversos comitês e comissões específicas de seu interesse como a Comissão do Aço e as Diretrizes para Empresas Multinacionais. Mas nem mesmo as Diretrizes para Empresas Multinacionais foram respeitadas ou implementadas pelos governos de Temer e de Bolsonaro. Pelo contrário, o PCN (Ponto de Contato Nacional), que é o órgão essencial para a promoção e implementação das diretrizes, está inoperante e limitado por uma cegueira ideológica do governo, que insiste em atacar sindicatos, ONGs e movimentos sociais. Inclusive isolando esses setores do processo de revisão das diretrizes em curso, uma clara violação das regras da OCDE.
- A questão não é participar de comitês ou comissões para defender interesses nacionais quando for o caso. Não somos contra Brasil participar desses espaços para debater temas específicos. A CUT participa desde 2012, como convidada, do Comitê Sindical (TUAC), espaço onde se encontram as organizações sindicais dos países-membros e têm contribuído para a defesa de boas práticas nas relações laborais no bloco.
- Destacamos que se a OCDE demanda de seus membros o cumprimento das normais internacionais do trabalho e também relacionadas ao meio ambiente, não é claro o quanto seus próprios membros assim o fazem, vide casos de países-membros que seguem violando constantemente essas normas. Se é verdade que a OCDE exige, em tese, o cumprimento de certas normas – o que seria benéfico ao Brasil – também é verdade que não há nenhuma exigência de cumprimento nem aplicação de penalidade. Recomendar que seus membros sigam normas e boas práticas internacionais em direitos humanos, relações de trabalho ou meio ambiente não transforma a OCDE em “selo de qualidade” em que os países devam procurar adquirir.
- Outro elemento a ser considerado é a desigualdade estrutural dos membros da OCDE. Países com enormes diferenças entre seus graus de desenvolvimento são tratados como se fossem iguais. Por exemplo, um tema que temos denunciado nos espaços internacionais é o caso do acesso a vacinas e medicamentos contra Covid-19. A distribuição extremamente desigual das vacinas para combater a pandemia é a prova do quanto o multilateralismo existente hoje ainda é débil, com inúmeras falhas em consolidar uma cooperação internacional que garanta desenvolvimento mais justo, igualitário e solidário.
- Se de um lado a OCDE cumpriu papel importante na sua origem – a cooperação para a recuperação europeia no pós II guerra, quando ainda era OECE (Organização Europeia de Cooperação Econômica), já a partir dos anos 1960 passou a ser uma espécie de “clube dos ricos”, como é conhecida atualmente. Acontece que a expansão da organização para países nem tão ricos tem servido para garantir mais riquezas para os ricos de fato, especialmente suas empresas transnacionais, às custas de ajustes fiscais que apenas pioram as condições de vida das populações de seus novos sócios.
- Hoje, a OCDE é reconhecida por defender um estado mínimo e uma cartilha macroeconômica que preza pela liberalização do fluxo de capitais. Tais estratégias muito boas para alguns – os ricos – mas extremamente prejudiciais para os países em desenvolvimento, onde o estado tem que exercer seu poder regulador e ter capacidade de investimento público nos serviços básicos de atendimento à população. Países da região que aderiram recentemente não tiveram nenhum benefício para seu povo. A adesão à organização é extremamente perigosa para países em desenvolvimento, especialmente em temas mais sensíveis como propriedade intelectual, compras governamentais, novas tecnologias, saúde e educação públicas, entre outros. Afinal, após a adesão, o país passará a ter que seguir as regras da OCDE, limitando a autonomia e independência estatal em temas estratégicos diretamente relacionados ao desenvolvimento do país.
- No caso do Brasil, estudo da OCDE afirma que o país dedicou cerca de 10% do seu orçamento público para a saúde, já a maioria dos países da organização gasta em média 15%. Mas como poderia o Brasil investir mais na saúde pública (e em outras áreas essenciais) com um teto de gastos (Emenda Constitucional 95) que vigora limitando qualquer investimento público por um período de 20 anos? O mesmo poderia ser dito para outras áreas como de transformação digital e educação.
- A questão da soberania é fundamental neste momento. Se a questão central para o governo brasileiro é o de atrair novos investimentos internacionais, resta saber de que forma estes novos investimentos guiarão o país rumo a um desenvolvimento sustentável e inclusivo ou se servirão apenas aos interesses do grande capital nacional e internacional. Neste momento, o Brasil enfrenta uma de suas piores crises econômicas e sociais e não é com uma abertura comercial desenfreada com moldes neoliberais que o país voltará a proporcionar condições dignas de trabalho e de vida a sua população. Por isso, reafirmamos que o pedido de adesão à OCDE, seja de Temer ou de Bolsonaro, é oportunista e da forma como vem sendo feita não trará, a nosso ver, melhoras na geração de empregos decentes e no respeito aos direitos e ao meio ambiente. Ao contrário, fará com que o Brasil siga em uma posição subalterna com graves limitações que impedirão escolhas desenvolvimentistas até mesmo para futuros governos.
- Por fim, existe uma série de análises da OCDE sobre diferentes temas relacionados ao Brasil, porém o atual governo (e o anterior) não compartilha nenhuma informação com a sociedade. Caberá ao Estado brasileiro tomar medidas de adequação para seguir os pressupostos de uma organização que é conhecida por utilizar o receituário neoliberal. Para o Brasil tomar essa decisão, é necessário promover um diálogo profundo, transparente e legítimo com a sociedade brasileira. São escolhas que perdurarão décadas e não podem ser definidas sem um amplo diálogo nacional.