PL endossa golpismo de Bolsonaro e usa relatório sem provas para pedir invalidação de votos

Para analisar caso, Moraes pede inclusão de 1º turno, quando PL elegeu maior bancada; entidades citam fragilidades em ação do partido

O PL endossou nesta terça-feira (22) o discurso golpista do presidente Jair Bolsonaro e decidiu pedir ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral), mesmo sem apresentar provas de fraude, a invalidação de votos depositados em urnas por “mau funcionamento”.

De acordo com o partido, mais de 279,3 mil urnas eletrônicas utilizadas no segundo turno do pleito “apresentaram problemas crônicos de desconformidade irreparável no seu funcionamento”. Para as atuais eleições, a Justiça Eleitoral disponibilizou cerca de 577 mil equipamentos.

As urnas questionadas também foram utilizadas no primeiro turno, quando o PL elegeu a maior bancada de deputados federais da próxima legislatura —terá 99 cadeiras na Câmara.

Em entrevista coletiva em Brasília, o presidente do partido, Valdemar Costa Neto, afirmou que o próprio TSE deu aos partidos políticos a “incumbência” de fiscalizar o sistema eletrônico de votação, o que está sendo concretizado por meio de um relatório enviado à corte eleitoral. A representação foi protocolada na corte eleitoral às 15h56.

“Este relatório não expressa a opinião do Partido Liberal. Mas é o resultado de estudos elaborados por especialistas graduados em uma das universidades mais respeitadas do mundo e que, no nosso entendimento, deve ser analisado pelos especialistas do TSE”, disse Valdemar.

O político afirmou que a análise é necessária para “que seja assegurada e resguardada a integridade do processo eleitoral, com um único intuito: fortalecer a democracia para fortalecer o Brasil”.

Valdemar anunciou a iniciativa ao lado do presidente do Instituto Voto Legal, Carlos Rocha. A entidade foi contratada pelo PL para fazer estudos sobre o funcionamento das urnas. Também estava presente o advogado Marcelo Bessa, responsável pelo pedido enviado ao TSE. O presidente do PL não quis responder a perguntas.

Aliados do presidente acompanharam a entrevista, entre eles o senador eleito Magno Malta (ES) e o líder do governo no Senado, Carlos Portinho (PL-RJ).

Muitos dos apoiadores que participam de atos pró-golpe em frente ao QG do Exército foram ao local, mas não tiveram acesso à sala reservada para o anúncio feito por Valdemar.

Na representação, a coligação aponta um suposto problema em parte dos modelos de urnas eletrônicas utilizados no pleito. Isso impediria a auditoria dos votos nelas depositados, tese que é refutada pelo TSE e por especialistas que participaram da validação do pleito.

O PL diz que nos equipamentos sem a alegada inconsistência Bolsonaro teria tido 51,05% dos votos válidos, contra 48,95% do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT). No resultado final, o petista teve 50,9% dos votos, e o presidente teve 49,1%.

Senador eleito e integrante da transição de governo, Flávio Dino (PC do B-MA) defendeu que o PL seja punido por causa da ação apresentada ao TSE.

“Achamos deplorável é que um partido político pratique litigância de má-fé. Procedimento de modo temerário, alterando a verdade dos fatos, inclusive deve ser punido”, disse Dino, que coordena o grupo de justiça e segurança pública do governo de transição.

“A gravidade disso é que não é gratuito, isso alimenta um espírito antidemocrático, golpista, de violência, de morte, e é por isso que a gente vai reagir”, afirmou.

Os atos antidemocráticos contrários à vitória eleitoral de Lula entraram na pauta de reunião da transição com secretários estaduais de segurança pública.

“Em razão desta irresponsabilidade, estados estão tirando viaturas policiais do patrulhamento dos bairros para atender a esses atos golpistas e antidemocráticos que foram hoje alimentados”, disse o senador eleito.

Em nota, a Transparência Eleitoral Brasil, que acompanhou todo o processo eleitoral, disse não ser possível questionar apenas uma parte das urnas utilizadas e somente no segundo turno.

“As urnas passaram pelos mesmos procedimentos de auditoria e foram utilizadas nos dois turnos”, afirmou Ana Claudia Santano, coordenadora nacional da entidade.

Para Luiz Fernando Pereira, coordenador da Academia Brasileiro de Direito Eleitoral e Político, a falta de identificação da urna alegada pelo PL é facilmente rebatida, por intermédio “do registro de inseminação da urna, que é impresso e permite fazer o controle disso urna a urna; e depois da votação pelo boletim de urna, que também é impresso e único e identifica a urna em cada seção”.

“Este suposto problema que o PL indica, ainda que exista na dimensão que estão mencionando, é um dado neutro, pois a urna tem três elementos distintos para ser identificada e dois deles remanescem”, disse Pereira.

Os questionamentos feitos pelo PL têm como base uma análise feita pelo Instituto Voto Legal.

O engenheiro eletrônico Carlos Rocha afirmou que seu trabalho tratou se houve mau funcionamento de equipamento, e não dos votos para as eleições presidenciais. “Eu não falei de votos”, disse ele ao UOL.

Rocha afirmou que não tratou dos votos porque isso não caberia a ele. “A minha análise é técnica”, afirmou depois de evento do PL. “A urna funcionou bem? Era o objetivo. Ou tem indício de mau funcionamento? Tem indício de mau funcionamento. Tá?”

No final de setembro, o instituto produziu um relatório apontando supostos problemas de segurança das urnas eletrônicas. Na ocasião, o TSE disse que as afirmações do IVL eram falsas, mentirosas, fraudulentas e visavam tumultuar as eleições.

O parecer apresenta fragilidades e se utiliza da ausência de um código identificador em um dos arquivos gerado pelas urnas de modelos anteriores a 2020 para pedir a invalidação das mesmas. O documento alega que, sem esse código, não seria possível vincular o arquivo gerado pela urna (o log da urna) à sua urna física correspondente.

Em despacho logo após o recebimento do pedido, o presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, determinou que os autores aditem o documento para que ele possa abranger ambos os turnos das eleições. O PL, partido de Bolsonaro, foi o partido que elegeu a maior bancada de deputados à Câmara no primeiro turno.

“As urnas eletrônicas apontadas na petição inicial foram utilizadas tanto no primeiro turno, quanto no segundo turno das eleições de 2022. Assim, sob pena de indeferimento da inicial, deve a autora aditar a petição inicial para que o pedido abranja ambos os turnos das eleições, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas”, decidiu.

Questionado sobre a representação do PL na noite desta terça, após sessão no TSE, Moraes respondeu: “Amanhã analisaremos, após as 24 horas”.

Aliados de Bolsonaro e o próprio mandatário encampam a tese de fraude, já refutada pelo TSE, por entidades como a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e por observadores internacionais.

A Folha mostrou que a PGR (Procuradoria-Geral da República), comandada por Augusto Aras, entende que não há no relatório do Ministério da Defesa sobre a fiscalização das eleições fato concreto que justifique a abertura de uma apuração sobre as urnas eletrônicas.

Para a cúpula da instituição, as observações levantadas pelos militares devem ser consideradas apenas para eventuais aperfeiçoamentos futuros do sistema eletrônico de votação.

Portanto, para a Procuradoria, o documento não serve como argumento a ensejar revisão do processo eleitoral encerrado no dia 30 de outubro, quando Lula derrotou Bolsonaro.

No início do mês o Ministério da Defesa entregou ao TSE seu relatório sobre a fiscalização do processo eleitoral sem ter apontado nenhum indício de fraude.

Em nota, a corte presidida pelo ministro Alexandre de Moraes afirmou ter recebido com “satisfação” o documento e que, assim como instâncias fiscalizadoras, a pasta não apontou a existência de fraude ou inconsistência nas urnas eletrônicas e no processo eleitoral de 2022.

“As sugestões encaminhadas para aperfeiçoamento do sistema serão oportunamente analisadas”, afirmou o tribunal, frisando que as urnas são motivo de orgulho e que as eleições de 2022 “comprovam a eficácia, a lisura e a total transparência da apuração e da totalização dos votos”.

Folha de SP

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