PNE aprovado passa ao largo do ensino privado
José Geraldo Santana Oliveira*
A Comissão Especial da Câmara Federal aprovou, à unanimidade, ao dia 10 de dezembro corrente, o projeto de lei (PL) N. 2614/2024, que contém o Plano Nacional de Educação (PNE)- para o período de 2024 a 2034- que, em conformidade com o Art. 214 da CF, é a política de Estado que articula o sistema nacional de educação em regime de colaboração e define as diretrizes, objetivos, metas e estratégias de implementação, para a manutenção e desenvolvimento do ensino, em seus diversos níveis, etapas e modalidades, por meio de ações integradas entre todos os entes federados.
Todos quantos pugnam e lutam pela educação formadora, em consonância com os objetivos ditados pelo Art. 205 da CF-“ A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”- avaliam como vitória social o texto aprovado.
O que de fato o é, em grande medida; sobretudo diante das ameaças que pairavam sobre a penúltima versão do PL sob referência, com redução do percentual do PIB destinado à educação, para 7,5%, e o contrabando legislativo do ensino domiciliar-homeschooling-, rejeitado pelo STF, no recurso extraordinário (RE) 888815, em 2018, e no 149951, em 2025, com a seguinte Tese com repercussão geral, Tema 822 “Não existe direito público subjetivo do aluno ou de sua família ao ensino domiciliar, inexistente na legislação brasileira”.
Porém, se comparado ao PNE anterior, que vigeu sem se realizar até 2024, a avaliação do novo PNE deve ser de meia vitória, mas vitória- parafraseando o saudoso mestre Anízio Teixeira, ao avaliar a LDB de 1961- Lei N. 4024; especialmente quanto às metas 16 e 18, se comparadas com a 17 e 20, do PNE aprovado pela Lei N. 13005/2014.
O PNE, ainda na Câmara Federal, aguardando eventual destaque ao plenário, estabelece, na Meta 16.b: “Valorizar os profissionais do magistério de nível superior das redes públicas de educação básica, com vistas a equiparar seu rendimento médio ao dos trabalhadores das demais ocupações com requisito de escolaridade equivalente”.
Como a Meta em questão não estabelece prazo intermediário, para se alcançar a equiparação do rendimento do magistério público de educação básica ao dos “dos trabalhadores das demais ocupações com requisito de escolaridade equivalente”, é de se concluir que o horizonte é o ano de 2034, último de vigência do PNE.
Essa meta, quando comparada com a 17, do PNE anterior, representa colossal retrocesso, pois que este estabelecia o ano de 2019, sexto ano do referido PNE, para se alcançar esse objetivo. O que efetivamente não se concretizou.
“META 17 Valorizar os (as) profissionais do magistério das redes públicas de educação básica de forma a equiparar seu rendimento médio ao dos (as) demais profissionais com escolaridade equivalente, até o final do sexto ano de vigência deste PNE”.
Lamentavelmente, o PNE de agora, além de se limitar a repetir a Meta não realizada, ainda prorroga o prazo, para que ela seja alcançada, para o ano de 2034. Ou seja, o que deveria se concretizar em 2019, foi adiado para o ano de 2034, sem o quê nem porquê.
Igual marcha à ré se patenteia quanto ao financiamento da educação pública. Sua Meta 18.a, estipula: “Ampliar o investimento público em educação, de modo a atingir o equivalente a 7% (sete por cento) do Produto Interno Bruto – PIB até o sexto ano de vigência deste PNE, e 10% (dez por cento) do PIB até o final do decênio, em consonância com o que estabelece o art. 214, caput, inciso VI, da Constituição”.
O PNE de 2001- Lei N. 10172-, que foi o primeiro como plano de Estado, estabelecia o percentual de 7% do PIB, a esse título, até o final da década, encerrada em 2010. Porém, essa Meta foi vetada por Fernando Henrique.
“Item 11.3, subitem 1:
- Elevação, na década, através de esforço conjunto da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, do percentual de gastos públicos em relação ao PIB, aplicados em educação, para atingir o mínimo de 7%. Para tanto, os recursos devem ser ampliados, anualmente, à razão de 0,5% do PIB, nos quatro primeiros anos do Plano e de 0,6% no quinto ano.”
O PNE de 2014 estabelecia, em sua META 20: “Ampliar o investimento público em educação pública de forma a atingir, no mínimo, o patamar de 7% (sete por cento) do Produto Interno Bruto – PIB do País no 5o (quinto) ano de vigência desta Lei e, no mínimo, o equivalente a 10% (dez por cento) do PIB ao final do decênio”.
O PNE anterior estipulava o ano de 2018 como limite para se alcançar o percentual de 7% do PIB, como investimento na educação. O que não foi cumprido.
O PNE de agora adia, para o ano de 2029- na verdade, 2031, pois que a vigência dele terá início em 2026-, o que deveria ter sido cumprido em 2018. Com o devido respeito, falta seriedade ao Congresso Nacional e ao Poder Executivo, quando o assunto é financiamento da educação.
Como se não bastassem os anotados retrocessos, o PNE em discussão, simplesmente, passa ao largo do ensino privado. Age como se ele não fosse constitucionalmente autorizado e não compusesse, obrigatoriamente, o sistema nacional de educação, por força do que dispõe o Art. 209 da CF.
Quem não conhece a realidade da educação brasileira, se procurar se inteirar dela, por meio do PNE em discussão, forçosamente, concluirá que ela, ou não existe, ou não é relevante.
No entanto, como a vida concreta não se curva à fantasia nem se submete às vãs propositais omissões legais, os indicadores educacionais reais, constantes do Anuário Brasileiro da Educação Básica 2025 e o Censo da Educação Superior, divulgado em setembro próximo passado, gritam contra o maléfico silencio de todos os PNEs, até aqui aprovados, repetido no de agora.
O ensino privado de educação básica é ofertado em mais 42 mil escolas, das 179.286, desse nível, e abocanha 9.517.832 matrículas das 47.088. 922; e emprega 578.088 professores.
O ensino superior privado, por sua vez, é ofertado em 2264 instituições de ensino superior (IES), detendo 8.161.044 matrículas, das 10.226.873 computadas, nesse nível de ensino, em 2025; empregando 150.387 professores.
Aos 728.475 professores, dos níveis básico e superior, somam-se mais de 400 mil técnicos administrativos, conforme dados das mesmas fontes.
Importa dizer: mais de 700 mil professores e mais de 400 mil técnicos administrativos, que se ativam em escolas privadas, são tratados pelo PNE, ainda em discussão na Câmara Federal, como inexistentes, ou, o que é pior: sem nenhuma relevância.
Esse proposital sepulcral silêncio, quanto às instituições de ensino privado, de nível básico e superior, e aos profissionais da educação escolar, desenganadamente, desemboca em uma triste e danosa conclusão: o ensino privado, aos olhos do Congresso Nacional e do Poder Executivo, é apenas uma mercadoria, sem regra e sem parâmetro.
*José Geraldo Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee





