Por que temos tanto medo da escola pública?

Muitos de nós falamos sobre defender a educação pública, mas será que essa defesa é legítima se não a utilizamos?

Quando se fala de escola pública, a classe média tem medo. Medo de quê? Medo de que seus filhos percam contatos? De que percam conteúdo? Somos ensinados a acreditar que nossos filhos não terão sucesso na vida se não deixarmos alguma herança tangível para eles, por exemplo, uma propriedade. Mas por que acreditamos que herdar o conhecimento, especialmente o da vida – de como são as coisas e as pessoas – é menos válido?

Nos últimos anos, tenho acompanhado uma migração de famílias de classe média das escolas particulares para as públicas – eu mesma fiz este movimento enquanto meu filho ainda estava na educação infantil. O principal motivo apontado é o alto custo das mensalidades e a possibilidade de cotas no ensino superior público. Mas será que não há uma razão mais profunda?

Após a intensa polarização social dos últimos anos, muitas famílias estão percebendo o valor de expor seus filhos ao “mundo real”. E o que significa esse “mundo real”? É esse ambiente diverso, onde pessoas de diferentes origens, culturas e pensamentos convivem. É o lugar onde se aprende a respeitar quem pensa e age de forma diferente. Esse mundo se reflete na escola pública, que, por ser um espaço democrático e inclusivo, nos permite sair da bolha e lidar com essa pluralidade.

Mas, então, por que não confiamos nesses espaços para nossas crianças? Será que temos medo de que elas não consigam prosperar sozinhas na vida? De que temos realmente medo? De que nossos filhos aprendam menos?

Entretanto, quanto desses medos é classismo ou racismo velado? Será mesmo que a educação pública oferece menos qualidade? Ou será que temos medo de que fiquem “pobres” por frequentarem espaços que o status quo diz serem “de pobre”?

E a questão da violência, que tanto é associada a essas escolas, por que é tão falada? A escola pública é um ambiente plural, onde os problemas são visíveis porque existe diálogo aberto e espaços de escuta. Nas escolas particulares, os problemas muitas vezes são encobertos, e crianças com comportamentos “problemáticos” são gentilmente afastadas, afinal, ali são clientes e a instituição depende tanto de manter a imagem quanto da receita das matrículas.

Muitos de nós falamos sobre defender a educação pública, mas será que essa defesa é legítima se não a utilizamos? Como podemos lutar por algo cujo valor real desconhecemos? É claro que podemos defender causas sem sermos diretamente afetados por elas, mas, no caso da educação, essa relação parece diferente porque não existe impedimento algum para não frequentar a escola pública.

A escola pública deve ser vista como um espaço de aprendizado para além do conteúdo curricular. Nela, aprendemos não só matemática, ciências e literatura, mas também democracia, gestão de projetos, solidariedade e responsabilidade social.

Há o Grêmio Estudantil, o Conselho de Escola, a Associação de Pais e Mestres (APM), todos órgãos com legislação própria que ensinam famílias e estudantes a se envolverem ativamente na comunidade escolar e a desenvolverem habilidades que serão úteis em suas vidas.

Se queremos preparar nossos filhos para o futuro, se queremos deixar uma herança realmente valiosa para eles, precisamos repensar o que valorizamos na educação. A escola pública, com seu caráter inclusivo e plural, é um terreno fértil para o desenvolvimento de cidadãos conscientes e preparados para lidar com as complexidades do mundo real.

Ao invés de focarmos apenas nas heranças materiais, devemos considerar o valor de uma herança de vivências, de diversidade, de empatia e de aprendizado democrático. Essas são as verdadeiras riquezas que nossos filhos e filhas vão carregar para a vida.

*Andrea Carabantes Soto é imigrante, mãe de estudante de escola pública em São Paulo e cofundadora da Equipe de Base Warmis – Convergência das Culturas, coletivo integrante do Movimento Humanista, que desde 2013 luta em prol da melhoria de vida das mulheres imigrantes no Brasil.

**Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

Edição: Martina Medina

Do Brasil de Fato

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