Portaria 17.593: Entenda as mudanças no registro sindical
Por José Geraldo de Santana Oliveira*
A Constituição Federal (CF) exige o registro de entidades sindicais no órgão competente, nos termos do seu Art. 8º, inciso I: “a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical”.
Como esse órgão nunca foi legalmente definido, o Supremo Tribunal Federal (STF) baixou a Súmula 677, determinando que ele seria o extinto Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), até que lei o definisse: “Até que lei venha a dispor a respeito, incumbe ao Ministério do Trabalho proceder ao registro das entidades sindicais e zelar pela observância do princípio da unicidade”.
Conforme bem define o STF, a finalidade do registro no MTE tem como única finalidade zelar pela observância do princípio da unicidade sindical, determinada pelo Art. 8º, inciso II, da CF: “é vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um município”.
Todavia, em todos os governos, o MTE tem abusado dessa competência, conferida pelo STF, baixando sucessivas portarias, que exercem verdadeiro controle sobre a vida sindical, como era antes da CF de 1988, e interferindo em tudo, menos fazendo o que efetivamente deveria fazer, que é zelar pela unicidade sindical, que, por isso, cotidianamente é violada.
A última portaria com essa finalidade é a de N. 17.593, de 24 de julho de 2020, baixada pelo secretário especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, que passou a exercer esse controle após a extinção do MTE.
Essa portaria, como as anteriores, interfere em tudo: registro sindical, alteração estatutária (quando há alteração de base territorial e/ou de categoria representada), fusão e incorporação sindical, suspensão e cancelamento de registro sindical e atualização de dados perenes (permanentes).
Ao fim e ao cabo, a portaria sob comentários faz aquilo que o Art. 8º, inciso I, veda ao Poder Público, que é a interferência direta na organização sindical. Isso se evidencia na maioria de seus comandos: fomenta o conflito sindical; exige que as impugnações sejam resolvidas por autocomposição, mediação ou arbitragem; viola o princípio multimilenar da irretroatividade da lei, consagrado no Art. 5º, inciso XL, da CF.
Nos termos do Art. 15, qualquer entidade de mesmo grau que já possua ao menos a primeira publicação de pedido de registro, não importando se se acha sob impugnação, poderá impugnar aquela que tiver seu pedido de registro publicado, no prazo de 30 dias.
O Art. 17 exige que as impugnações sejam resolvidas entre as partes em conflitos, por meio de autocomposição, mediação ou arbitragem, no prazo de 90 dias, contados da notificação da entidade impugnada; caso não o sejam, as impugnações simplesmente serão arquivadas, ainda que pertinentes, mantendo-se o conflito sem solução.
Como se não bastasse, não admite como solução de conflito eventual acordo de alteração que amplie a categoria e/ou a base territorial requerida.
Isso, a toda evidência, remeterá ao judiciário a quase totalidade das impugnações.
Enquanto o prazo para recurso contra decisões administrativas é de dez dias — excluindo-se o dia do começo e incluindo o do vencimento —, o prazo para a sua análise e a de outras solicitações é de até um ano, de acordo com a ordem cronológica.
O Art. 47 determina que os procedimentos dispostos nessa Portaria alcançam os processos administrativos em trâmite, ferindo o princípio de garantia da irretroatividade da norma, salvo para beneficiar.
Por essa Portaria, todos os relacionados com a organização sindical são deslocados do Ministério da Justiça para o da Economia.
Todos os procedimentos, inclusive o de pedido de registro sindical, devem ser feitos pelo portal eletrônico www.gov.br.
A criação de sindicato exige a publicação de edital de convocação de assembleia geral com essa finalidade, no Diário Oficial da União e em jornal de circulação em toda base territorial pretendida, com antecedência mínima de 20 dias, se a base for municipal ou estadual, e de 45 dias, se for interestadual ou nacional.
A criação de federação exige a participação de pelo menos cinco sindicatos (Art. 534 da CLT), que devem convocar assembleia para esse fim com antecedência mínima de 30 dias, publicando o edital no DOU e em jornal de circulação nas bases territoriais de todos os sindicatos que participarão da criação.
Caso já exista federação legalmente criada, a nova só será reconhecida se se comprovar que a sua criação não inviabilize a existência da anterior, ou seja, que essa não fique com menos de cinco sindicatos.
Os sindicatos que participarem da criação de federação obrigatoriamente têm de estar com cadastro atualizado no CNES.
O pedido de registro de sindicato sujeita-se à impugnação no prazo de 30 dias, contados da data de publicação do pedido. Caso haja dois requerimentos de registro sindical para igual base territorial e igual categoria, ambos com documentação completa, será publicado aquele que foi protocolado primeiro, ou seja, será observada a ordem cronológica dos pedidos.
A impugnação de sindicato por desmembramento de outro já existente só será cabível se o novo abranger a sede do antigo; caso contrário, não.
Como já dito, no âmbito administrativo, as impugnações podem ser resolvidas por acordo direto entre as entidades em conflito, por mediação ou por arbitragem; não se resolvendo a questão por nenhum desses meios, a solução será judicial.
As mesmas exigências são válidas para confederações, exceto quanto ao número e a natureza das entidades que pretendam cria-lá, que são três federações (Art. 535 da CLT).
As federações que ficarem com menos de cinco sindicatos e as confederações com menos de três federações terão os seus registros sindicais suspensos.
As alterações estatutárias de sindicatos que importem mudança de base territorial e/ou de categoria representada, para adquirirem validade, terão de ser registradas na Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, sujeitando-se a impugnações.
Essas exigências se aplicam também às federações e confederações.
A fusão sindical, que é a reunião de dois ou mais sindicatos em uma nova entidade, exige a convocação conjunta dos sindicatos que serão fundidos para a assembleia geral com essa finalidade. O prazo para a convocação é de 20 dias, se forem municipais ou estaduais, e de 45, se a base for interestadual ou nacional. A publicação tem de ser feita na DOU e em jornal de circulação na base dos sindicatos que serão fundidos.
Havendo fusão, os dois registros sindicais serão cancelados e emitido novo para a entidade que dela nascer.
A incorporação, que se dá quando um sindicato deixa de existir, passando a integrar outro já existente, sujeita-se às mesmas regras da fusão.
A incorporação implicará o cancelamento dos registros sindicais anteriores e a emissão de novo para a entidade que remanescer, com a incorporação da que deixou de existir.
As regras de fusão e incorporação são válidas para federações e confederações.
Como se trata de norma marcada por incontáveis exigências burocráticas e por alto teor de ingerência na vida sindical, as entidades sindicais (sindicatos, federações e confederações) que pretenderem promover quaisquer alterações em suas respectivas representações, categoria e base territorial, por precaução e para que se evitem arquivamento de seus pedidos, devem, antes, realizar aprofundado estudo jurídico quanto aos meios e modos para tal finalidade.
Quem se interessar por estudo mais circunstanciado dessa Portaria, recomenda-se o percuciente parecer assinado pelo Advogado Hélio Stefani Gerardi, da Gerardi & Viveiros Advocacia, disponível na página do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).
*José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee