PP, PSC, PSDB e MDB, os partidos da ‘Escola sem Partido’

Em 2017, PP e PSC, seguidos de perto por PSDB e MDB, foram os partidos que mais apresentaram PLs do ‘Escola sem Partido’ e contra ‘ideologia de gênero’ pelo país; para pesquisadora, gênero foi incluído na pauta ‘para provocar pânico moral’: ‘É o medo que as famílias têm de seus filhos se transformarem em gays e lésbicas’

O número de projetos de lei vinculados às ideias do Escola Sem Partido ou focados apenas no combate à dita “ideologia de gênero” explodiu em 2017 nas casas legislativas dos municípios e Estados brasileiros. Desde 2014, quando foi apresentado o primeiro projeto de lei, de autoria de Flávio Bolsonaro, na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, a média por ano ficava em torno de 20. No ano passado, no entanto, esse número chegou a 91, de acordo com levantamento da Gênero e Número a partir de estudo do grupo Professores Contra o Escola Sem Partido.

Os partidos que mais apresentaram projetos do tipo em câmaras municipais e estaduais pelo país em 2017 foram PP (Partido Progressista) e PSC (Partido Social Cristão), seguidos de perto por PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira) e MDB (Movimento Democrático do Brasil, ex-PMDB).

O PSC, inclusive, é pioneiro na apresentação de PLs “Escola sem Partido” e contra a “ideologia de gênero” em âmbito federal, com três projetos apresentados na Câmara dos Deputados em 2014, e outros dois em 2015 e 2016. Em nota à Gênero e Número, o PSC afirmou que seus parlamentares “têm autonomia para apresentar projetos que julguem importantes para a sociedade”. Sobre a posição do partido sobre os projetos de lei apresentados, o PSC disse que defende os valores cristãos, da família e o ser humano em primeiro lugar”.

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A data chave

Para a historiadora Fernanda Moura, cuja dissertação de mestrado da UFRJ deu origem a esse mapeamento, o dia 15 de agosto de 2017 é chave para compreender o motivo dessa explosão no ano passado. Foi nesta data que o MBL (Movimento Brasil Livre) promoveu a Marcha Nacional pelo Escola Sem Partido.

“A partir desse momento, o número de projetos apresentados nos municípios aumentou muito. O MBL ia às casas legislativas e se encontrava com o vereador ou com o deputado estadual que tivesse um perfil conservador, religioso. E, em seguida, esse legislador apresentava o projeto do Escola Sem Partido”, afirma a autora da dissertação “Escola sem partido: Relações entre Estado, Educação e Religião e os impactos no Ensino de História“, defendida em dezembro de 2016.

Após a apresentação do trabalho, Moura deu continuidade a esse levantamento junto ao grupo Professores Contra o Escola Sem Partido e o mantém constantemente atualizado. A coleta de informações sobre os projetos é feita “a partir de matérias de jornal, alertas do Google, informações recebidas de pessoas das localidades, partidos, representantes políticos ou funcionários das casas legislativas”, explica. “Como atuamos desde 2015 e sempre divulgamos levantamentos de projetos, as pessoas já sabem que podem contar conosco para divulgação.”

Fernanda ressalta que o anteprojeto criado pelo Escola Sem Partido, inicialmente centrado apenas na polarização esquerda x direita, passa a se focar no combate à dita “ideologia de gênero” para ganhar popularidade. No artigo segundo do anteprojeto municipal do ESP, consta: “O Poder Público não se imiscuirá no processo de amadurecimento sexual dos alunos nem permitirá qualquer forma de dogmatismo ou proselitismo na abordagem das questões de gênero”. Há também outros projetos de lei apresentados nas câmaras municipais pelo país que não copiaram o conteúdo do ESP e versam exclusivamente sobre a pauta de gênero. O levantamento identificou sete desses projetos em 2015, e em 2017 foram pelo menos 28.

“A pauta inicial do ESP é, às vezes, muito distante das pessoas. Elas nem sabem direito o que é esquerda e direita. Então, inclui-se a pauta do combate à ideologia de gênero para provocar um pânico moral. É o medo que as famílias têm de seus filhos se transformarem em gays e lésbicas. Essa é uma pauta mais palpável para a maioria das pessoas. Com isso, o projeto ganha uma capilaridade muito grande”, aponta.

Fernando Penna, professor da Faculdade de Educação da UFF (Universidade Federal Fluminense) e membro da rede Professores Contra o Escola Sem Partido, acrescenta que a bandeira do combate à ideologia de gênero passou a ser adotada como trampolim político para muitos vereadores. “Grande parte da discussão em torno dessas pautas se centra no uso político do medo. Eles usam a discussão de gênero como espantalho porque é um tema que gera comoção e faz com que vereadores ganhem popularidade.“

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 Ofensiva conservadora em SP, PR e RJ

Ainda segundo o levantamento, os três Estados em que houve apresentação do maior número de projetos de lei vinculados ao Escola Sem Partido ou ao combate à dita “ideologia de gênero” desde 2014 são, respectivamente, São Paulo (24), Paraná (21) e Rio de Janeiro (14) – os dois primeiros governados nos últimos três anos pelo PSDB e o Rio pelo MDB.

De acordo com Penna, o fato de esses três Estados estarem na ponta dessa lista é resultado de uma reação dos movimentos conservadores justamente nos locais em que ocorreram as maiores mobilizações de professores e alunos nos últimos anos, seja por meio de greves promovidas pelos corpos docentes desde 2013 ou das ocupações de escolas encabeçadas por estudantes secundaristas em 2015 e 2016.

“Eles dizem que a escola não deve ser um espaço para tratar questões de política nacional. Então, esse movimento é uma tentativa de silenciamento e de resistência à politização de estudantes e de professores organizados em mobilizações”, analisa.

Fernanda recorda as greves unificadas de professores das redes municipal e estadual do Rio em 2013 e 2014. Segundo ela, essas mobilizações renderam duras críticas aos irmãos Bolsonaro em suas respectivas casas legislativas: Carlos, na Câmara Municipal, e Flávio, na Assembleia Legislativa, ambos filiados desde janeiro de 2018 ao PSL (Partido Social Liberal).

“O ESP é um movimento reacionário em todos os sentidos. A gente não desvincula a apresentação dos projetos de lei da luta dos docentes. Tivemos greves fortíssimas em 2013 e 2014. Isso tudo influenciou a reação. O ESP já existia, mas o anteprojeto de lei foi criado em 2014 a partir de um pedido de Flávio Bolsonaro ao advogado Miguel Nagib [um dos fundadores do movimento]”, afirma.

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No mesmo ano, Flávio apresentou o projeto de lei na Alerj. Em seguida, foi a vez de seu irmão Carlos propor um texto idêntico na Câmara. Desde então, a família Bolsonaro vem sendo uma das principais difusoras do ESP. Um de seus maiores aliados, Carlos Jordy, foi um dos vereadores que conseguiu se eleger empunhando a bandeira do movimento. No ano passado, apresentou o PL na Câmara de Niterói.

Cabe ao terceiro irmão do clã Bolsonaro, Eduardo, a tarefa de disseminar o projeto para além das fronteiras do Rio. Somente em 2017, o deputado federal pelo PSL viajou a pelo menos quatro estados diferentes (Mato Grosso, Ceará, Santa Catarina e Bahia) para defender o projeto em audiência públicas. “Escola sem partido é um tema mais importante do que economia”, escreveu o parlamentar nas redes sociais no ano passado.

Em São Paulo, a reação do ESP ao movimento de professores é similar. No Estado que lidera a lista, os projetos de lei inspirados no Escola Sem Partido ou outros que impedem a discussão de gênero já foram aprovados em pelo menos quatro municípios: Santos, Jundiaí, Pedreira e Ocauçu.

Na cidade litorânea, a lei 3.397, que  entrou em vigor em novembro de 2017, institui no sistema municipal de ensino a proteção às crianças de “conteúdo pornográfico”, classificado como qualquer material que “descreva ou contenha palavrões, imagem erótica ou de órgãos genitais, de relação sexual ou de ato libidinoso”. “Incluímos esse PL no levantamento porque entendemos que adotar o combate à pornografia é mera estratégia discursiva para provocar pânico moral e conseguir adesão de pais e responsáveis. Todos os professores estão cientes de que não podem falar de pornografia. Isso já está no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) e em toda a legislação educacional”, explica Moura.

Já em Lorena, a lei foi aprovada em setembro. Após três meses, o prefeito Fábio Marcondes a vetou. Logo em seguida, a Câmara manteve o veto.

Em Pedreira e Ocauçu, as leis foram sancionadas também no ano passado, mas podem ser barradas caso sejam julgadas pelo Supremo Tribunal Federal. No ano passado, a corte manifestou-se pela inconstitucionalidade do projeto do ESP aprovado na Assembleia Legislativa de Alagoas. No caso dos textos aprovados pelos municípios paulistas, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão já repassou uma representação à Procuradoria Geral da República questionando sua constitucionalidade.

“São Paulo é o principal Estado do país. Quanto mais projetos aprovados aqui, mais força e visibilidade o movimento deles ganha. Seria uma vitrine para eles avançarem em nível nacional e conseguirem a aprovação no Congresso e no Senado uma vez que está suspenso pelo fato de o STF ter julgado o projeto inconstitucional”, afirma Silvia Ferraro, professora de história do Ensino Fundamental e integrante do movimento que tenta barrar o PL na capital paulista.

Na maior cidade do país, aliás, o embate tem sido mais acirrado. O projeto aguarda apreciação no plenário da Câmara e deve ser votado em breve. De um lado, posicionam-se o MBL, o movimento Direita SP e os tucanos – o autor do texto é o vereador do PSDB Eduardo Tuma e o prefeito João Doria já demonstrou simpatia pela causa. Do outro, um movimento potente de professores que se mantém mobilizado e conseguiu em meados de março fazer frente a uma manifestação convocada pelo MBL. Ao fim, os liberais não apareceram e, no lugar onde seria feito um protesto, foi conduzida uma aula pública contra o ESP ministrada por uma professora da USP.

“O fato de a rede municipal estar em greve ajuda muito a manter os professores mobilizados contra o Escola Sem Partido. Além disso, temos uma tradição pedagógica que se contrapõe completamente à proposta deles. Há um histórico aqui na capital de educação baseada no Paulo Freire desde a época da gestão da Luiza Erundina, uma concepção de que não existe escola supostamente neutra como prega o ESP. Na verdade, eles não querem a neutralidade ideológica. Eles querem promover uma educação de direita”, afirma Ferraro.

Dificuldade de mobilização em cidades menores

No Paraná, há resistência similar. O Estado foi o que teve o maior número de escolas ocupadas no Brasil em 2016: 850 unidades, segundo o movimento Ocupa Paraná. Um ano antes, presenciou uma greve estadual de professores que ficou conhecida nacionalmente pela brutalidade com que a multidão foi reprimida pela Polícia Militar do governador Beto Richa (PSDB).

Luci Ribeiro, pesquisadora do Laboratório de Ensino e Pesquisa em Ciências Sociais da UEL e integrante do movimento Escola Cidadã, concorda que o ESP ganhou força no Paraná como forma de reação à politização promovida durante o período das greves e das ocupação nas escolas, mas faz uma ressalva. “Em Londrina e Curitiba, há uma organização maior por parte dos professores para barrar os projetos do ESP, mas isso muda um pouco quando você vai para as cidades menores. Os demais municípios têm dificuldade de articulação e quando os professores percebem, o projeto já foi aprovado. Isso foi o que aconteceu em Arapongas. O que resta aos professores que se opõem é entrar com uma ação no Ministério Público para que este possa derrubar a lei com base em sua inconstitucionalidade.”

Em Londrina, a rede de professores, junto a outros movimentos sociais, criou em abril de 2017 o projeto Escola Cidadã para tentar evitar, por meio da mobilização, que o projeto de lei do ESP apresentado pelo vereador Filipe Barros (PRB)  prosperasse. “O que nos mobilizou foi o fato de sabermos que a grande maioria dos vereadores da Câmara Municipal tem uma orientação conservadora e se não fizéssemos pressão, o projeto passaria com facilidade”, afirma a socióloga.

Articularam-se de modo a promover conversas individuais com cada um dos vereadores da Câmara Municipal. Em novembro do ano passado, conquistaram uma vitória parcial com a suspensão do trâmite do projeto. “Ele [Felipe Barros] não conseguiu obter a maioria e teve que suspender. O problema é que logo depois [em dezembro] o vereador conseguiu articular com outros sete colegas um novo projeto direcionado única e exclusivamente para proibir a abordagem em sala de aula de qualquer tema relacionado à discussão de gênero”, conta a pesquisadora.

O novo texto é uma proposta de emenda à Lei Orgânica municipal que tem por objetivo acrescentar o seguinte artigo: ” (…) ficam veladas em todas as dependências das instituições da rede municipal de ensino a adoção, divulgação, realização ou organização de políticas de ensino, currículo escolar, disciplina obrigatória, complementar ou facultativa, ou ainda atividades culturais que tendam a aplicar a ideologia de gênero”.

Em sua justificativa para acrescentar tal artigo, o vereador, recém filiado ao PSL, a mesma sigla que abriga Jair Bolsonaro, afirma que “não cabe à escola doutrinar sexualmente a criança, muitas vezes imatura para compreender assuntos tão complexos, e mais, ignorando totalmente o direito de escolha dos pais dos pais em relação à metodologia de ensino desejada”.

Além de Londrina, outras 40 cidades no país apresentaram projetos focados somente no combate à dita “ideologia de gênero” desde 2015, segundo o levantamento feito pelo grupo Professores contra o Escola Sem Partido.

“Eles batem nessa tecla de que os professores doutrinam os alunos politicamente, mas isso não tem um apelo tão forte quanto o combate à ideologia de gênero. Esse discurso serve de trampolim para eles porque os mantêm na mídia o tempo todo e assim, podem pleitear um novo mandato no Estado. Percebemos isso pelo nosso vereador, que já pretende na próxima eleição ir para a Assembleia Legislativa”, conclui Ribeiro.

Gênero e Número tentou fazer contato ao longo de uma semana com o movimento Escola Sem Partido, mas não obteve resposta. As direções nacionais de PP, PSDB e MDB também foram procuradas, mas não responderam até o fechamento da reportagem.

*Mariana Bastos é jornalista e colaboradora da Gênero e Número. Reportagem adicional de Carolina de Assis.

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