Precarização faz com que 14% das pessoas ocupadas estejam na pobreza
Processo que foi naturalizado e intensificado pela reforma trabalhista resultou em aumento da informalidade e da vulnerabilidade de milhões de brasileiros de baixa renda
Se é verdade que a vida da população brasileira tem melhorado com a queda no desemprego em meio a uma economia aquecida e com a volta da valorização do salário mínimo e das políticas de redução da pobreza, também é fato que o processo de precarização do trabalho nos últimos anos, especialmente a partir da reforma de 2017, continua tendo forte peso na formação da renda e nas condições de trabalho dos brasileiros.
Segundo a Síntese de Indicadores Sociais (SIS) 2024, do IBGE, entre as pessoas ocupadas, menos de 1% foram consideradas extremamente pobres em 2023, enquanto entre os desocupados essa proporção chegou a 14,6%. Por outro lado, a proporção de pessoas ocupadas pobres, de 14,2%, foi bem inferior à dos desocupados pobres 54,9%.
Cabe destacar que conforme o mesmo levantamento, de 2022 a 2023, o percentual da população do país abaixo da linha de pobreza caiu de 31,6% para 27,4%, o menor desde 2012. No mesmo período, a proporção da população na extrema pobreza recuou de 5,9% para 4,4% — da mesma forma, foi o menor índice dos últimos 12 anos e, pela primeira vez, ficou abaixo dos 5%.
Os números relativos aos trabalhadores reforçam o papel fundamental que a geração de empregos tem na redução da pobreza. Porém, revelam também que muitas das ocupações possíveis para uma fatia considerável dos brasileiros é precária e de remuneração baixa.
Na avaliação de André Simões, pesquisador que participou da elaboração do SIS, “esses indicadores mostram que há pobreza entre a população ocupada, provavelmente relacionada à vulnerabilidade social de alguns segmentos do mercado de trabalho. No entanto, a pobreza e a extrema pobreza entre os trabalhadores são menos intensas do que na população desocupada”.
O processo de precarização do trabalho — do qual resulta o aumento no número de micro-empreendedores, na “pejotização” e de trabalhadores de plataformas, como motoristas de aplicativos e entregadores — tornou uma ampla parcela da população mais vulnerável por não oferecer direitos básicos comuns às ocupações formais.
Reforma e aumento na informalidade
De acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do IBGE sobre emprego analisados pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) e divulgados em maio, desde 2012, quando teve início a série histórica do IBGE, até 2023, houve aumento de 21,3% no trabalho informal.
Além disso, a quantidade de pessoas que trabalham por conta própria registrou crescimento de 26,6%. Enquanto isso, o trabalho formal teve variação positiva de apenas 5,8%.
Na ocasião, André Gambier Campos, técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea, disse ao jornal Estado de Minas que “o que cresceu mesmo foi o assalariamento sem carteira, por um lado, e o trabalho por conta própria de outro. O fenômeno da “pejotização” é captado, na Pnad/IBGE, principalmente em meio a este último grupo de trabalhadores por conta própria”.
Conforme escreveu Erik Chiconelli Gomes, doutor e Mestre em História Econômica na USP, em artigo publicado no Le Monde Diplomatique Brasilde setembro, “a flexibilização das relações de trabalho, um dos pilares da ‘reforma trabalhista’, foi justificada como uma necessidade para a geração de empregos. Contudo, o que se observou foi um aumento significativo da informalidade e da precarização do trabalho”.
Ele lembrou que, segundo dados da FGV-Ibre, o Brasil tem cerca de 25,4 milhões de autônomos, representando uma parcela significativa da população ocupada de 100,2 milhões em março de 2024.
Outro dado levantado pelo autor diz respeito à insegurança financeira entre os trabalhadores informais. “Enquanto apenas 45% deles conseguem prever sua renda para o próximo semestre, esse percentual chega a 67,5% entre funcionários com carteira assinada”, explicou.
Além disso, pontuou, “a renda dos autônomos é muito mais volátil, com 19,8% experimentando variações de mais de 20% de um mês para o outro, em comparação com apenas 4,7% dos trabalhadores com CLT”. Processo que foi naturalizado e intensificado pela reforma trabalhista resultou em aumento da informalidade e da vulnerabilidade de milhões de brasileiros de baixa renda