‘Preço do golpe é entregar o país de mão beijada para os estrangeiros’
São Paulo – “Tivemos a ousadia de apontar para uma nova ordem mundial, de formar o bloco dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), de dizer que poderíamos ter outra moeda de lastro que não fosse o dólar. Tivemos a ousadia de investir em tecnologia nacional e, por isso, tivemos o golpe no Brasil”, afirmou o presidente da CUT, Vagner Freitas, durante mesa de discussão sobre a conjuntura nacional, parte do 15º Congresso Extraordinário e Exclusivo da CUT: 100 anos depois, a luta continua! Nenhum direito a menos.
O evento marca os 34 anos da maior central sindical da América Latina, lembrando ainda os 100 anos da Revolução Russa e da primeira greve geral do Brasil. Além do anfitrião Vagner, participaram da mesa o coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos; o líder do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, João Pedro Stédile, e a secretária de Relações Internacionais do PT, Mônica Valente. O encontro foi mediado pela vice-presidenta da CUT, Carmen Foro e também pela secretária de Relações com Movimentos Sociais da central, Janislei Albuquerque.
Para Vagner, o Brasil passa por um momento de “ataque à soberania”, e os movimentos sociais e sindicais têm no horizonte a necessidade de lutar contra essa situação. “Nós, da CUT, só existimos por conta de seus mais de 4 mil sindicatos e mais de 25 milhões de trabalhadores representados. Trabalhadores com o mesmo ideal que construíram o principal instrumento de luta e resistência (…) contra essa união da direita entreguista brasileira e o capital internacional”, disse, ao avaliar que “o preço do golpe não é só impedir o crescimento da classe trabalhadora, mas entregar o país de mão beijada para os estrangeiros”.
Tal entrega do patrimônio nacional, de acordo com Freitas, ultrapassa o interesse das elites nacionais em manter seus privilégios. “Quando nós imaginaríamos que teríamos empreiteiros presos? Que teríamos o desmonte da indústria da carne, da indústria de petróleo e gás. Em nome do golpe que querem dar, com objetivo de impedir o crescimento do país, eles entregam parte deles mesmos. Arrebentam grandes cadeias produtivas. Isso demonstra como nossa luta será árdua”, afirmou.
Como foco de resistência, o sindicalista ressaltou ser preciso desenvolver um trabalho de base com a população. “O que nos dá condições de continuar é o trabalho na fábrica, na roça, no banco, discutindo e dialogando. É enfrentar a reforma trabalhista que para nós é ilegal (…). Temos a faca e o queijo na mão para cobrar o trabalhador que representamos. Essa central avisou o que seria o golpe, dissemos que o golpe era contra o trabalhador. Temos que dizer que a alternativa de luta que apresentávamos estava correta”, disse.
“Dizemos que o trabalhador tem que participar da política, não deixando que outros façam suas histórias. Temos que dizer que temos condições de reverter esse quadro. Esse golpe foi construído no parlamento. Com as togas também, mas por solicitação do parlamento. Temos que dizer para os trabalhadores deixarem de votar em patrão. Que eles construam uma bancada representativa. Temos que lutar em todos os espaços, e o parlamento deve ser ocupado por trabalhadores e não só por classes econômicas dominantes”, completou.
O presidente da CUT anunciou ainda as próximas ações propostas para o movimento sindical e os movimentos sociais: no dia 3 de setembro, dia do aniversário da Petrobras, um dia de luta em defesa da estatal; em 14 de setembro é dia nacional de luta em defesa dos direitos e contra a reforma da previdência; e em 11 de novembro, data em que entra em vigor a nova lei Trabalhista, a CUT e as frentes Brasil Popular e Povo sem Medo estarão novamente nas ruas para protestar contra essa lei que anula direitos da CLT.
Stédile, líder do MST, engrossou o discurso de Freitas sobre a natureza do golpe e seus principais agentes. “O sentido principal foi o de aplicar um plano econômico para a elite se salvar e jogar o peso da crise sobre os trabalhadores. Não há mistério, não tem como aumentar a taxa de lucro sem aumentar a exploração. Para isso, tomaram medidas como a reforma trabalhista”, apontou. “Outro objetivo foi o assalto dos recursos públicos. Para isso aplicaram a PEC do Teto e fizeram desonerações incríveis. Agora, em abril, depois que Joesley denunciou Temer, ele gastou 15 bilhões de reais de dinheiro público com parlamentares para se manter no poder. E também gastou 108 bilhões de reais com empresários em desonerações fiscais apenas em abril. O resultado é que deu certo, ele se sustentou”, disse.
Em sua participação, Stédile apresentou o que julga ter sido outro objetivo para a aprovação do impeachment da presidenta Dilma Rousseff (PT) em 2016. “Foi para se apropriarem dos recursos da natureza. Como já ensinou Rosa de Luxemburgo, recursos naturais são formas de a burguesia se apropriar de um capital extraordinário além do capital humano. Quando levados ao mercado, esse recursos proporcionam taxas de lucro estratosféricas. Por exemplo, o pré-sal dá um retorno em lucro de 240%; a água, de 700%”, disse.
Eleições de 2018
Para os presentes, o ato final da agenda da direita contra a classe trabalhadora seria tornar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva inelegível em 2018. “O último ponto do plano maquiavélico da burguesia é impedir a candidatura de Lula. Eles não podem correr o risco de perder a hegemonia em 2018, então, fazem de tudo. Por isso, Lula se transformou no centro da resistência contra o golpe. O papel dele é se transformar no porta-voz da classe trabalhadora, na trincheira contra os golpes econômicos que a atingem”, defendeu Stédile.
Mônica Valente também discursou sobre a importância do ex-presidente no momento político do país. “Durante o governo Lula, a Petrobras voltou a ser importante (…) então, a luta parece inglória, mas tem saldos positivos para o futuro. O desafio estratégico do PT é a defesa de Lula, a garantia de sua candidatura e das condições para que ele seja eleito. Esse é o caminho para a derrota do golpe. A burguesia sabe que precisa inviabilizar sua candidatura”, disse.
Já o representante do MTST e da Frente Povo sem Medo, Guilherme Boulos, pontuou que os próximos passos da esquerda no país devem ser dados para anular as medidas tomadas por Michel Temer (PMDB) à frente do país, como a PEC do Teto e a reforma trabalhista. “Nesse momento, ganhar a presidência sem pautar a revisão dessas medidas vai nos deixar amarrados à política econômica deles”, disse.
Boulos argumentou sobre a importância de conscientização da população e da participação no processo político em razão da crise de representatividade no sistema político. “O sistema está desmoronando, existe uma crise de credibilidade. Quem acredita no Congresso? Isso gera a antipolítica, uma insatisfação difusa que tem tomado caminhos perigosos”, refletiu.
Entre os “caminhos perigosos”, Boulos destaca três projetos. “A antipolítica da toga, representada pelo comando da Lava Jato que, com suas medidas de exceção, quer estabelecer retrocessos se mostrando como salvadores da pátria, como se o Judiciário não fosse um antro de privilégios. Galvanizam com a Globo a imagem de heróis contra a corrupção”, argumentou. “Por outro lado, a antipolítica de terno, como o João Doria. É difícil encontrar alguém mais político do que ele, mas veste a camisa de gestor. Isso não é só aqui, também aconteceu na Argentina, com o Maurício Macri e com o Donald Trump nos Estados Unidos. Por fim, a antipolítica de farda, o que representa o Jair Bolsonaro (PEN-RJ). Discursos de ordem, de dureza, que capitaneiam parte do sentimento de desilusão, inclusive da juventude”.