Prédio de moradia estudantil no Tocantins recebe prêmio internacional de arquitetura

Um edifício de moradia para estudantes de 13 a 18 anos na zona rural de Formoso do Araguaia, em Tocantins, acaba de receber um prestigiado prêmio de arquitetura internacional, o Riba International Prize.

As 540 crianças e adolescentes que moram no prédio estudam em uma escola próxima, mantida pela Fundação Bradesco, a Escola da Fazenda Canuanã – um projeto social, com ensino gratuito. A moradia é parte da proposta educacional, no modelo de internato.

A combinação entre escola e moradia tem o objetivo de facilitar o acesso à educação, já que, na região, “as distâncias que os estudantes têm que percorrer entre a casa e a escola são bastante extensas”, explica o arquiteto Gustavo Utrabo, do escritório Aleph Zero, um dos responsáveis pelo projeto.

“O objetivo principal era melhorar a qualidade de vida das crianças. E, como consequência, aperfeiçoar seu desempenho educacional. É um esforço muito grande para as crianças e para os pais ficarem separados. Então, é um esforço que precisa valer a pena”, diz Utrabo.

A obra tem uma grande cobertura metálica, que gera uma sombra generosa. Abaixo dela, há um andar todo vazado, sem paredes e sem vidros, com divisórias de madeira à meia altura, permitindo uma grande ventilação.

“O projeto tem como ponto alto a criação da sombra, uma grande varanda, que permite que a criança ocupe esse lugar com uma série de brincadeiras”, fala o arquiteto.

Já os dormitórios, no térreo, combinam técnicas de construção tradicional com tecnologia mais moderna. Um exemplo é uma parede mais grossa, que leva mais tempo para trocar de temperatura com o exterior, construída com um tipo de tijolo aprimorado a partir do adobe,

Essas escolhas arquitetônicas amenizam o forte calor da região, que beira os 40˚C nos dias mais quentes. O prédio chega a ficar até 7˚C mais fresco, sem necessidade de uso de ar condicionado. Uma consequência inusitada foi que a escola teve que comprar cobertores para os alunos.

Outra inovação foi a construção do projeto em conjunto com a comunidade. Foram as próprias crianças que definiram, em uma atividade de dinâmica corporal, qual era o tamanho de cada quarto de alojamento.

O reconhecimento é oferecido pelo Royal Institute of British Architects (Riba) para projetos de arquitetura arrojada e impacto social significativo. É considerado um dos prêmios de arquitetura mais rigorosos do mundo, já que especialistas internacionais visitam e avaliam as obras in loco.

Segundo o presidente do Riba, Ben Derbyshire, a moradia estudantil de Tocantins “oferece um ambiente excepcional, destinado a melhorar a vida e o bem-estar das crianças da escola, e ilustra o valor imensurável do design educacional bem feito”.

Esse não é o primeiro reconhecimento que a moradia estudantil recebe. Também foi agraciada com o prêmio de Melhor Edifício de Arquitetura Educacional do mundo, da premiação Building Of The Year, em 2018, e o American Architecture Prize 2017 na categoria habitação social.

Moradia dos estudantes foi concebida em conjunto com a comunidade

Antes de o prédio ser erguido, já havia um alojamento estudantil no local, mas os estudantes não consideravam que aquela era sua “casa”.

“Quando a gente chegou ali, vimos que crianças não reconheciam o local como sua própria casa. Falavam que viviam na escola”, lembra o designer Marcelo Rosenbaum, que coordenou a empreitada. O objetivo então foi construir um local que as crianças pudessem perceber como sua própria casa.

Para isso, o engajamento com a comunidade local na criação do novo edifício foi fundamental.

A equipe do projeto organizou uma espécie de festival com a participação da comunidade, ao longo de cerca de 15 dias. Durante esse tempo, foram realizadas diversas atividades com pais e filhos para perceber o que seria importante para eles em uma moradia estudantil e que pudesse gerar uma sensação de “casa”.

“A arquitetura é parte de uma ciência. Então, o nosso trabalho é quebrar esse olhar acadêmico. A gente chega para trocar com a comunidade, não para impor algo”, diz Rosenbaum. O designer criou uma metodologia de trabalho voltada justamente a estabelecer esse tipo de troca com as comunidades.

Assim, arquitetos e comunidade escolar definiram que o tamanho dos quartos iria diminuir. De 40 crianças em 20 beliches, o dormitório passaria a ter 6 crianças em 3 beliches. Além disso, foram criadas salas de TV, áreas de estudo, espaços livres, muito jardim.

Uma outra estratégia para criar a noção de casa foi muito simples: construir o prédio um pouco afastado da escola, para que as crianças tivessem um trajeto para percorrer ao sair dali, como se fosse o caminho até chegar em casa.

Poder público teria como fazer um projeto como esse?

O custo da obra, pago pela Fundação Bradesco, não foi divulgado. No entanto, a equipe responsável defende que projetos como esse também podem ser feitos pelo poder público.

“É um projeto muito simples: cobertura metálica, madeira pré-fabricada, piso de cimento e o tijolo feito no local. Isso tornou a execução da obra mais barata e rápida – a construção levou somente 14 meses. Então, eu acho que seria totalmente possível que o poder público fizesse uma edificação como essa, não vejo porque não”, defende Utrabo.

Assim, a dificuldade não é técnica e orçamentária, acredita Utrabo, mas política. “São poucos os casos em que o setor público tem um comprometimento com a arquitetura em benefício da população. Eles pensam (os políticos) que é mais importante resolver o problema logo, do que resolver bem o problema”, conclui.

O arquiteto também afirma que um projeto bem pensado pode gerar benefícios de segunda ordem, como redução de custos (não ter que pagar a conta do ar condicionado, por exemplo), preservação ambiental (com projetos mais sustentáveis) e maior durabilidade.

A estrutura de madeira usada na obra tem garantia de 20 anos. Na França, por lei, todos os jardins de infância devem ser feitos em estrutura de madeira, porque é a mais segura que existe. Resiste ao fogo por mais tempo que qualquer outra”, explica Utrabo.

Além da obra em si, o poder público poderia se valer da metodologia de trabalho que foi aplicada, que envolve a troca com a comunidade. “Isso é absolutamente replicável e escalável”, afirma Marcelo Rosenbaum.

“Na maioria das vezes, a arquitetura é desconectada do ser humano. É feita a partir do saber técnico e científico, de cima para baixo, dizendo o que é que as pessoas precisam. É algo padronizado: em qualquer região do país, rural ou urbana”, diz o arquiteto. “Precisamos mudar isso.”

“O espaço urbano é feito por ser humano. Se não está conectado com o que as pessoas daquele lugar querem e precisam, as construções ficam fadadas ao abandono, ao não cuidado, ao não pertencimento”, fala o designer.

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