Prefeitos combatem discurso de Bolsonaro para chegar a bons resultados contra a covid

Políticos municipais tomam medidas autônomas para vencer o vírus, a ausência de um protocolo nacional e o negacionismo

Prefeitos e prefeitas com trabalhos eficazes no combate à covid-19 relatam que tiveram de remar contra a maré agitada pelos discursos de Jair Bolsonaro (sem partido) para conter o contágio nos municípios.

A retenção do vírus, afirmam, passou fundamentalmente por medidas locais autônomas, já que, após mais de cinco meses de pandemia, o Ministério da Saúde ainda não publicou um protocolo com orientações claras aos municípios.

O documento com diretrizes aos poderes municipais foi prometido ainda na gestão de Luiz Henrique Mandetta, o primeiro dos três ministros incumbidos de conter a epidemia no país; sob o segundo, Nelson Teich, as diretrizes ganharam até data para publicação, mas não saíram da promessa; por fim, figuraram como carro-chefe no discurso de posse do atual chefe da Saúde, o interino Eduardo Pazuello, de novo restando só como bravata.

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O secretário-executivo da Frente Nacional de Prefeitos (FNP), Gilberto Perre, ressalta que os mandatários municipais fizeram dezenas de reuniões com os ministros da Saúde, em especial com Pazuello, para cobrar o protocolo. De resposta, até agora, só o silêncio da ausência, diz ele.

“Logo quando o ministro Pazuello assumiu, os prefeitos tiveram uma reunião, em que ele sinalizou que esse protocolo seria publicado em poucos dias. Esse protocolo não existe, até o momento. Parece-me que cada vez mais ele perde a relevância, dada à dinâmica como a pandemia já se encontra no país. Daqui a pouco, vai ser extemporâneo”, afirma.

O resultado da omissão do ministério, segundo Perre, é um “abre e fecha” interminável das atividades nas cidades, em virtude de disputas de entendimento sobre o vírus entre administração municipal e Justiça.

“Em muitos municípios, os prefeitos tomam decisão em uma direção, o Judiciário contesta, depois a prefeitura derruba. O comerciante, o empresário, fica nessa gangorra interminável de abre e fecha, o que, obviamente, é pior para a atividade econômica”, constata o secretário.

Em São Bento do Una, município de aproximadamente 60 mil habitantes, no semiárido pernambucano, a prefeitura Débora Almeida (PSB) viu-se obrigada a fazer pronunciamentos ao povo todas as segundas-feiras, para combater o negacionismo que ecoa do Palácio do Alvorada.

Ela diz ter “sofrido muito” para convencer os munícipes de que a doença era séria. A desinformação foi tanta que acabou por vitimar uma pessoa próxima.

“Nós perdemos até uma pessoa da família, esta semana. Era uma pessoa que não acreditava na gravidade da doença, achava que era besteira. A gente sentiu muito isso na compreensão da população, porque a gente falava uma coisa, orientava de uma forma e o presidente ia para rede nacional e falava outra coisa. Chocava muito a informação na cabeça das pessoas”, lamenta.

Sob a gestão de Débora, o município pernambucano apostou em transparência de informações, na criação de barreiras sanitárias rígidas e em ações que incentivassem o isolamento em casa, como a criação de grupos no WhatsApp para conectar comerciantes a clientes.

“A gente não teve um custo, porque a gente já tinha WhatsApp. A gente fez a organização, a divulgação entre as pessoas e as pessoas foram utilizando. Foi muito importante, principalmente porque, logo quando fechou, as pessoas não estavam preparadas para apresentar o serviço delas”, comenta a prefeita.

Edinho Silva (PT), prefeito de Araraquara (236 mil habitantes), no interior paulista, foi mais um que, ao tentar combater a disseminação do vírus, precisou avançar também sobre as falas proferidas por Bolsonaro na tevê aberta.

Paralelamente a decretos de restrições sociais, ele precisou se proteger da ira de parte dos moradores que reproduziam o discurso presidencial. “O presidente tem base social em todos os municípios. Eu tive, aqui, passeata contra mim, carreata contra mim, ato público contra mim, pelas medidas de isolamento. Tivemos pessoas afrontando as medidas de isolamento, enfrentando guarda municipal”.

Araraquara tem, até esta quinta-feira (6), 2.173 casos confirmados e 20 mortes registradas. Os bons números, garante o prefeito, se devem a iniciativas como o isolamento de casos suspeitos, a centralização de atendimento em uma única unidade de saúde e parceria com universidades da região para testagem em massa – o que gerou, inclusive, a inauguração de uma máquina que reduz o tempo de espera dos resultados da covid para 2 horas.

Para Edinho, um protocolo nacional para os municípios fortaleceria o que o Brasil tem de melhor para evitar mais vítimas pelo coronavírus: o Sistema Único de Saúde.

“Não tem um vilarejo no Brasil que não tem algum braço do SUS. Se nós tivéssemos o Ministério da Saúde unificando as ações, unificando o Brasil no combate ao coronavírus, nós estaríamos em uma situação bem melhor”, sugere.

Brasil de Fato

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