Presidente do BC chantageia governo para manter estagnação e desemprego em alta
Criar empregos, aumentar a renda e melhorar a vida das pessoas poderá, segundo Campos Neto, causar grandes transtornos. Seu objetivo é manter a “estabilidade” dos ganhos bilionários na especulação financeira
O presidente do BC (Banco Central), Roberto Campos Neto, começou a fazer carga junto a Fernando Haddad e Aloizio Mercadante em defesa da manutenção da ciranda financeira. Ele fez um alerta nesta quinta-feira (15) sobre os perigos do crédito para a produção. Os “alertas” foram lançados durante a apresentação do último Relatório Trimestral de Inflação do ano. Roberto Campos disse que uma “massa grande” de crédito pode atrapalhar o combate à inflação.
INVESTIR É PERIGOSO
Ou seja, aumentar a produção e o consumo dos brasileiros, segundo o banqueirista, é “muito perigoso”. Criar empregos, aumentar a renda e melhorar a vida das pessoas poderá causar grandes transtornos. Seguro mesmo, na opinião do “guardião dos bancos”, é seguir transferindo grande parte dos recursos do país para a atividade parasitária de rolagem de títulos.
Neste sentido, em 2021 o governo federal gastou R$ 1,96 trilhão com juros e amortizações da dívida pública, um aumento de 42% em relação ao ano anterior, que, por sua vez, já tinha sido 31% maior que 2019. Apesar de todos esses pagamentos, a dívida pública federal aumentou R$ 708 bilhões, indo de R$ 6,935 trilhões para R$ 7,643 trilhões. Do orçamento federal executado em 2021, de R$ 3,861 trilhões, R$1,96 trilhão, 50,78%, foram para juros e amortizações, segundo dados oficiais.
A segunda maior despesa da União é com a Previdência Social, que consome 19,58% do orçamento. Todo o restante, Saúde, Educação, Ciência e Tecnologia, Segurança, etc, junto com a Previdência não chega nem à metade dos gastos gerais do Tesouro. Ou seja, o filé mignon dos recursos da sociedade vai para os bancos. Desde que assumiu, Campos Neto vem elevando a taxa de juros, que em 2020 era de 2%, para 13,75%. Só nos últimos doze meses, por conta desta elevação nas taxas de juros, o Brasil já gastou R$ 586,4 bilhões a mais só com despesas financeiras. Esses gastos astronômicos e crescentes não incomodam nem um pouco o presidente do BC.
DESINDUSTRIALIZAÇÃO
O fato do país estar perdendo sua indústria, que já foi 34% do PIB, e hoje não passa de 11%, trazendo como consequência o empobrecimento e o desemprego para cerca de 10 milhões de brasileiros, e de estar convivendo com o drama de 33 milhões de pessoas passando fome, não também importa ao presidente do Banco Central. Para ele, isso sim é que é estabilidade. Onde já se viu desviar recursos da ciranda financeira, da compra e venda de títulos muito bem remunerados, para financiamentos subsidiados a projetos que criem empregos e façam o país voltar a crescer.
Ele alertou Mercadante que isso é um grande perigo. Investir na produção e aumentar o crédito causará inflação e provocará mais juros altos. Campos Neto falou explicitamente que investimentos podem levar à piora nas contas públicas e que este aumento de gastos afetarão as expectativas da inflação e levarão o BC a subir novamente os juros. Ou seja, chantagem pura. Hoje, a taxa básica, a Selic, está em 13,75% ao ano. Ele ameaçou o novo governo, dizendo que pode aumentar ainda mais os juros caso o governo retome os investimentos.
Para reduzir os investimentos e levar o país ao caos em que se encontra o governo Bolsonaro já vinha estrangulando o BNDES. Ele retirou do banco de fomento mais de R$ 400 bilhões e transferiu tudo para o Tesouro, com o objetivo de usar esses recursos para pagamentos de juros da dívida. Os recursos faziam parte de um total de cerca de R$ 440 bilhões, em valores correntes, do aporte feito pelo Tesouro Nacional no BNDES entre 2008 e 2014 e que poderiam ser pagos até 2060, mas que foram antecipados exatamente para o pagamento de juros.
O próprio presidente Lula defendeu a retomada dos investimentos, durante a campanha. Ele falou sobre a importância de recuperar o BNDES. “O mercado de capitais, apesar de seu crescimento, não está substituindo o BNDES, pois não cumpre as funções que este desempenhava. Ele é inacessível às pequenas e médias empresas, que precisam recorrer ao crédito bancário, que está mais caro e escasso, entre outros motivos pela redução da participação dos bancos públicos. Os prazos dos títulos no mercado privado, ainda que estivessem aumentando, são bem menores e com juros mais altos que os praticados pelo BNDES historicamente”, afirmou Lula, em outubro deste ano.
INFLAÇAO NÃO É DE DEMANDA
E é bastante ampla a compreensão de que nada adianta reduzir o base monetária e a massa de recursos para o crédito como pretexto para o combate à inflação. Essas medidas só vão agravar a crise. Qualquer estudante de economia sabe que a inflação que voltou a infernizar o Brasil nos últimos tempos não tem nenhuma relação com excesso de demanda.
A inflação foi causada pela dolarização da economia pelo choque externo nos preços de energia e a elevação dos preços das commodities, um desequilíbrio provocado pela pandemia, que desorganizou a cadeia global de suprimentos, pelas sanções que os EUA impuseram aos produtos originários da Rússia e pela destruição da política de abastecimento, que foi levada a efeito nos quatro anos de Bolsonaro e Guedes. Elevar juros e reduzir o crédito, nestas circunstâncias, como quer Campos Neto, não passa de uma grande estupidez.
E o pior é tentar impor essa restrição absurda nos financiamentos subsidiados no momento em que as taxas de investimento do país estão nos níveis mais baixos da história. O investimento previsto no orçamento aprovado para este ano foi de quarenta e quatro bilhões de reais (R$ 44 bilhões), o menor da história. “É uma situação dramática. Não estamos sequer repondo a depreciação dos nossos ativos. Temos de potencializar o investimento privado, mas é difícil que o privado dê conta de tudo”, afirmou o diretor de Planejamento e Economia da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), Igor Rocha.
A taxa de investimento prevista para o Brasil em 2022 é de 18,4% do PIB, contra 19,2% em 2021 – nível de investimentos abaixo do patamar de 2013 (20,9%) e longe do pico de 26,9% registrado em 1989. Já a taxa de investimento médio no mundo no ano é projetada em 27,3% para uma lista de 170 países.
A previsão de investimentos no Brasil está a léguas de distância da taxa de investimento prevista para China (42,5%), Coreia (33,5%), Índia (32,11%) e Turquia (31,7%). Mas também fica atrás da Argentina (19,6%), Angola (21,0%), México (21,9%), EUA (22,1%), Peru (25,1%), por exemplo. É num quadro como este que Campos Neto, e os porta-vozes do falido neoliberalismo, tentam impor a manutenção da camisa de força no BNDES para impedir qualquer expansão dos investimentos públicos no país.
ECONOMISTAS DEFENDEM RETOMADA DOS INVESTIMENTOS
Economistas como André Lara Resende e outros defendem a expansão dos investimentos públicos. “O gasto de investimento do Estado tem de ter retorno em termos de produtividade, o que garantirá a convergência da relação dívida/PIB. Se o investimento tiver retorno superior ao custo da dívida pública, por definição, você vai ter convergência na relação entre PIB e dívida pública, mesmo que, num primeiro momento ela aumente, ao expandir o crédito para investimento na capacidade instalada da economia”, disse ele.
“Se o investimento tiver retorno superior ao custo da dívida pública, por definição, você vai ter convergência na relação entre PIB e dívida pública, mesmo que, num primeiro momento ela aumente, ao expandir o crédito para investimento na capacidade instalada da economia”, acrescentou.
O economista e professor da Universidade de Brasília (UNB) José Luis Oreiro defende a retomada dos investimentos públicos e apontou que a irracionalidade na discussão fiscal começou em 2014, com a narrativa falsa de que o Brasil tinha uma trajetória insustentável nas contas públicas.
“Essa narrativa [do desequilíbrio fiscal estrutural] venceu como interpretação da causa das crises de 2014 a 2016”, que foi até o presente momento, até o ano de 2020, a maior recessão da economia brasileira desde o início da década de 80. Nós tivemos a mais lenta recuperação cíclica da história brasileira desde 1980”, disse.
“O que explica isto? Basicamente o que explica é o esmagamento do investimento. O investimento público tem um papel muito importante no crescimento de longo prazo”, destacou José Oreiro, acrescentando que o investimento público, “que teve uma redução em 2015, continuou caindo ao longo de 2016, 2017, 2018 e 2019 e, com uma consequência absolutamente previsível, culminou nessa estagnação econômica”.
“Nós temos que nos assegurar que o investimento público seja de qualidade, mas que é absolutamente necessário fazer investimento público, é. Não só como instrumento de política anticíclica, mas também como política de desenvolvimento econômico e de recuperação da infraestrutura brasileira, que se deteriorou muito nos últimos anos”, ressaltou o professor da UnB.