PT vota contra a proposta de homeschooling e defende a escola pública para o aprendizado e socialização das crianças
O plenário da Câmara aprovou, nesta quarta-feira (18), o texto-base do projeto de lei (PL 2401/19), que regulamenta a prática da educação domiciliar (homeschooling) no Brasil. Ao encaminhar o voto contrário do PT, a deputada Professora Rosa Neide (PT-MT) enfatizou que a educação brasileira, conforme a Constituição, é dever do Estado e da família, em colaboração com a sociedade. “Onde a sociedade e o Estado brasileiro estarão se a criança ou o adolescente tiver a educação escolar dentro de sua casa? Como é que vamos aceitar uma situação dessas?”, indagou.
Pelo texto-base, para usufruir da educação domiciliar o estudante deve estar regularmente matriculado em instituição de ensino, que deverá acompanhar a evolução do aprendizado. As emendas apresentadas e que podem modificar o texto serão apreciadas nesta quinta-feira (19).
Rosa Neide, que tem experiência de 30 anos em sala de aula, criticou a proposta de homeschooling, alertando que o texto já faz a transição do modelo escolar sem exigir que os pais tenham ensino superior nas diversas áreas do conhecimento, como a Lei de Diretrizes e Base (LDB) da educação nacional preconiza. “Nesse sentido, se eu vou dar aula de geografia, eu tenho que ser licenciada; seu eu vou dar aula de história, tem que ser licenciado, e por aí vai. Então, eu não posso permitir que os nossos estudantes, sejam filhos de qualquer família, recebam educação monitorada pelo Estado sem o que a lei preconiza”, afirmou.
A deputada destacou ainda que o projeto de lei deixa evidente quem vai pagar os custos, que a escola pública brasileira que tiver um estudante tem que ter uma equipe de avaliação, de fiscalização. “E a educação que tem todas as dificuldades, agora vai financiar a vontade individual sem pensar na questão coletiva da educação?”, questionou.
Rosa Neide alertou ainda que, com o projeto, está se abrindo uma porta para que daqui a pouco qualquer pessoa, “como há uma emenda para colocar pais com ensino médio, receba algum apoiamento do Estado para ficar com o seu filho, com sua filha, em casa.
Socialização
A deputada argumentou ainda que a criança brasileira na escola está no processo de socialização, de integração, de convivência com os diferentes, de participação na diversidade. “Mas na escola domiciliar ela não tendo essa opção, ela vai ficar à mercê apenas da família e do seu entorno, dos seus amigos, dos seus familiares. E os pais não são impedidos dessa educação domiciliar. A criança vai à escola normalmente e no outro tempo, no tempo da família, a família instrui, acompanha da melhor forma”, frisou.
“Eu quero dizer que eu fiquei 30 anos em sala de aula. Eu sei o que significa a relação dos estudantes com os profissionais, dos estudantes entre eles, dos estudantes com a comunidade”, completou Rosa Neide.
Direito das Crianças
A deputada Erika Kokay (PT-DF) afirmou que era preciso discutir a proposta a partir do que está na Constituição, nossa legislação: o direito maior da criança. “A criança é prioridade absoluta, a única prioridade absoluta, na nossa Constituição. O direito da criança a uma socialização, a um espaço onde ela possa lidar com o outro, onde ela possa lidar com as diferenças, é absolutamente fundamental. O direito dos pais não pode sobrepassar ou suplantar o direito das crianças”, reiterou.
Erika explicou que ser humano tem inteligência cognitiva e também tem inteligência emocional. “E é com o outro, coletivamente, que vamos construindo as condições para que essas inteligências sejam potencializadas. Tirar da criança o direito de estar coletivamente lidando com as diferenças é tirar dela o direito de aprender a perder e também de aprender a vencer. Isolar a criança do convívio com outras crianças impacta inclusive no desenvolvimento cognitivo, porque é a partir do questionamento que há dentro de uma escola, do estranhamento das ideias que se constroem conhecimentos”, ponderou.
Ainda segundo Erika Kokay, o espaço da escola é para lidar com outras crianças, crianças com deficiência, crianças que vêm de forma diferente, com diversidade. “A diversidade é fundamental para que possamos adquirir o desenvolvimento humano. Todos os estudos pontuam que as crianças que frequentam creches, por exemplo, crescem na socialização, crescem no respeito ao outro, crescem inclusive no questionamento, na consciência crítica, numa etapa da vida que as crianças têm, que é a da inteligência, até determinada idade, a inteligência concreta. Ela precisa do outro, ela precisa inclusive de educadores e educadoras que sejam capacitados para tanto, porque a educação não é só conteudista”, enfatizou.
“Para além disso, a educação e a escola são um dos principais instrumentos de proteção de direitos de crianças e adolescentes. É a escola que, muitas vezes, detecta quando a criança está sendo vítima de violência, e ela responde por isso. Então, é um absurdo tentar apartar as crianças e desqualificar os educadores”, protestou.
Educação é alvo de ataque do bolsonarismo
Ao se posicionar contra o projeto, o deputado Rogério Correia (PT-MG), que é professor, enfatizou que a educação tem sido o alvo predileto do ataque do bolsonarismo. Ele afirmou que desde que o governo Bolsonaro entrou, “nós recebemos ataques quase que diários no sistema educacional público brasileiro. Mas não é de se estranhar. A ultradireita sempre fez isso em qualquer parte do mundo. Hitler chegou a queimar livros — ele e seus nazistas na Alemanha — porque discordava de um ensino que pudesse ser público e queria impedir que as ideias fossem plurais e que a sociedade tivesse conhecimento delas”.
Essa ideia de homeschooling, segundo Rogério Correia, é uma contraposição, na verdade, à ideia da escola pública. Ele afirmou que o que há por trás dessa proposta é uma visão elitista, “um certo medo de que as coisas se misturem na sociedade”. E elas, enfatizou o deputado, precisam se misturar, “porque nós defendemos uma igualdade social, defendemos que todos tenham pleno direito”, argumentou.
Na avaliação do deputado, é preciso fortalecer a escola pública, fazer da escola pública um local de ensino integral para aqueles que dela precisam e ampliar o ambiente escolar. “Ter as crianças na escola, ter diversidade de cultura, ter diversidade de cor, ter diversidade de ideologia, isto ajuda a formatar um sentido de convivência e de solidariedade entre as pessoas. A escola é isto também, um local onde as ideologias se confrontam. A partir daí, o convívio passa a ser democrático. Retirar das crianças a oportunidade de estar na escola é fazer com que, em vez da diversidade, a individualidade prevaleça na sociedade”.
Professores
O deputado Pedro Uczai (PT-SC), que também é professor, rebateu o argumento dos defensores da escola domiciliar de que o ponto de partida do processo educacional é o pai, a mãe ou o responsável. “Esse conceito é falso. Nós conquistamos, no mundo contemporâneo, no mundo moderno, o direito de a criança ter o processo educacional. O que a maioria está votando aqui é dizer que os milhões de professores deste País, que fizeram faculdade, pós-graduação, mestrado e doutorado, são incompetentes para produzir o processo educacional. Estão nos chamando de incompetentes, de despreparados”, denunciou.
Absurdo dos absurdos
Contrário à escola domiciliar, o deputado Joseildo Ramos (PT-BA) alertou que o projeto se esconde em um verbete que não é na nossa língua, homeschooling. “Está escondendo alguma coisa. Educação é na escola. Nós deveríamos estar falando disso neste momento. E nós estamos renegando o nosso português, é o absurdo dos absurdos. Além disso, hoje é o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, e sabemos que 80% desses abusos ocorrem dentro das suas casas”, afirmou.
“Ora, se o Estado não tem condição de, em toda a extensão territorial deste País, produzir um ensino de qualidade, imaginem assegurar e fiscalizar poucos, cerca de 11 mil famílias, no homeschooling. Só pode ser uma brincadeira, um escárnio. Qual a urgência que tem isso?”, indagou Joseildo.
Os deputados Afonso Florence (PT-BA), Bohn Gass (PT-RS) e Zé Neto (PT-BA) também se posicionaram contrariamente ao projeto.