Redução da jornada pode ser o maior legado do terceiro governo Lula
Na visão da OIT, a jornada semanal de 40 horas deve ser a referência para a classe trabalhadora. Na Europa, alguns países têm carga horária abaixo de 35 h por semana
por Márcio Ayer
Os trabalhadores do Brasil conquistaram dois grandes marcos legais no século 20: a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), de 1943, e a “Constituição Cidadã”, de 1988. Nos dois casos, houve redução da jornada de trabalho – e não se trata de coincidência. A regulamentação dos direitos dos trabalhadores passa, necessariamente, por uma reflexão sobre o tempo dedicado ao serviço.
Esta é uma das razões pelas quais dizemos que a Lei Áurea promoveu uma “abolição incompleta”. O fim da escravidão, em 1888, alterou o modo de produção no Brasil, mas sem regulamentar a relação entre trabalho e capital. Nas décadas seguintes, jornadas longas e extenuantes eram comuns, sobretudo nas fábricas.
Em resposta aos abusos, o movimento sindical passou a organizar manifestações e greves, reivindicando um limite de carga horária para os trabalhadores. O Sindicato dos Comerciários do Rio de Janeiro (SEC) foi um dos pioneiros nessa luta. Na década de 1910, sobravam relatos de trabalhadores que passavam até 16 horas por dia na ativa – e, de tão exaustos, chegavam a dormir no trabalho. Assim, o SEC liderou a mobilização pela jornada de 12 horas diárias no comércio, o que virou lei em 1922.
O primeiro presidente do Brasil a acolher essas bandeiras de lutas foi Getúlio Vargas, o líder da Revolução de 30. É célebre a manifestação de 29 de outubro de 1932, quando 5 mil trabalhadores do comércio iniciaram uma passeata até o Palácio do Catete, sede do governo, para reivindicar uma jornada de oito horas diárias e descanso semanal remunerado.
Outras categorias também se somaram à manifestação, o que levou Vargas a assinar o Decreto-Lei 4.042, limitando a carga de trabalho não apenas no comércio – mas em todos os setores econômicos. A histórica medida foi publicada no Diário Oficial da União no dia seguinte, 30 de outubro – data que ficou, desde então, firmada com o Dia do Comerciário.
Onze anos depois, a CLT – primeira legislação trabalhista de alcance nacional na história do Brasil – estendeu esse direito a todos os empregados formais (com carteira assinada). De quebra, a lei definiu um limite de duas horas extras diárias e garantiu 30 dias de férias.
A jornada só voltou a ser reduzida 45 anos depois, com nosso segundo marco, a Constituição de 1988, fruto da redemocratização. Desde então, o trabalho formal no Brasil está restrito a 44 horas por semana, seja no campo, seja na cidade. Foi um avanço considerável para o período. Mas agora é preciso ousar.
Na visão da OIT (Organização Internacional do Trabalho), a jornada semanal de 40 horas deve ser a referência para a classe trabalhadora. Na Europa, países como Dinamarca, Alemanha e Suíça ostentam uma carga horária média abaixo de 35 horas por semana. Outras nações começam a testar a “semana de quatro dias de trabalho”, que prevê um dia de descanso na semana em troca da manutenção da produtividade. É a fórmula 100-80-100 – ou seja, 100% do salário, por 80% do tempo trabalhado, com entrega mantida em 100%.
Durante a campanha eleitoral de 2022, o presidente Lula se comprometeu em revisar a legislação do trabalho. Os governos ultraliberais de Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL) implantaram retrocessos na tentativa de flexibilizar a jornada de 44 horas por meio de uma série de brechas legais.
Revogar a reforma trabalhista, a lei da terceirização irrestrita e outras medidas é pouco. Há várias proposições no Congresso que visam encurtar a jornada, adaptando as condições de trabalho para os dias atuais e proporcionando mais qualidade de vida para os trabalhadores.
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 221/2019 propõe uma redução gradual de 44 para 36 horas, ao longo de dez anos. Nesta terça-feira (12), a Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado aprovou o Projeto de Lei (PL) 1.105/2023, que altera a CLT para permitir a redução da jornada negociada em acordo coletivo, sem perda salarial. O texto segue, agora, para a Câmara dos Deputados.
O fato é que a redução da jornada pode ser o maior legado do terceiro governo Lula. Além do presidente da República, também o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, já manifestou apoio a essa pauta. Na Conclat 2022, as centrais sindicais defenderam, de modo unitário, “a jornada de trabalho em até 40 horas semanais, sem redução de salário e com controle das horas extras, eliminando as formas precarizantes de flexibilização da jornada”.
O Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) estima que uma jornada-limite de 40 horas pode ajudar a gerar 3 milhões de empregos. Se o teto for de 36 horas semanais, os novos postos de trabalho chegariam a 6 milhões. Da mesma maneira, o fim da escala semanal 6×1 (seis dias de trabalho e apenas um de folga) é fundamental para ampliar o mercado de trabalho e liberar mais tempo livre para os trabalhadores. Lula, estabeleça um novo marco civilizacional: redução da jornada já.