Relator da reforma trabalhista acha que tribunais ‘extrapolam’ e quer ‘Justiça mínima’
São Paulo – “É o relatório que precisávamos”, comentou o deputado ruralista Valdir Colatto (PMDB-SC) sobre o parecer ao Projeto de Lei 6.787, de reforma trabalhista, lido ontem (12) pelo relator na comissão especial da Câmara, Rogério Marinho (PSDB-RN). Com 132 páginas, o texto amplia para 16 as situações em que acordos coletivos poderão prevalecer sobre a legislação, ratifica a terceirização irrestrita, busca restringir o campo de ação da Justiça de Trabalho e propõe o fim da contribuição sindical, a não ser que o trabalhador, individualmente, se manifeste a favor do desconto. “Vamos combater até o fim a aprovação do que considero um rebaixamento das mínimas condições de trabalho”, reagiu Wadih Damous (PT-RJ). A comissão deve votar o relatório na semana que vem.
As centrais sindicais preparam atividades para resistir ao projeto. Na semana que vem, a CUT orienta os sindicatos filiados a promover ações em seus estados alertando para os problemas do relatório. A central defende ainda o “corpo a corpo” com parlamentares em suas bases eleitorais e nos aeroportos. E no dia 19, data prevista para votação do PL 6.787 na Câmara, prevê que a principais categorias enviem delegações a Brasília.
Segundo o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), foram apresentadas 850 emendas, número recorde, sendo 842 válidas. Do total, 80% foram de partidos da base de governo e de parlamentares ligados a setores empresariais. O principal tema, objeto de 155 emendas, foi a prevalência do negociado sobre o legislado.
“Não resta dúvida quanto à importância das súmulas no balizamento das decisões proferidas na Justiça do Trabalho e como objeto de economia processual, diante da sua finalidade de agilizar o andamento dos processos e dar segurança jurídica às decisões dos Juízes do Trabalho em todo o País”, diz o relator, que fala em “ativismo” judicial. “Ocorre, porém, que temos visto com frequência os tribunais trabalhistas extrapolarem sua função de interpretar a lei por intermédio de súmulas, para, indo além, decidirem contra a lei.”
A análise vai em consonância com o pensamento do empresariado, que costuma apontar o Judiciário trabalhista como “empecilho” para o crescimento econômico. O deputado cita o exemplo da chamada ultratividade da norma coletiva, princípio segundo o qual as cláusulas de um acordo continuam válidas até a renovação do contrato. Há uma ação sobre o tema no Supremo Tribunal Federal, e o ministro Gilmar Mendes, relator, teve decisão favorável, suspendendo decisões judiciais sobre ultratividade e pondo em aberto as convenções coletivas. Mendes é crítico frequente da Justiça do Trabalho.
“Portanto a modernização das leis trabalhistas também será importante para conter o avanço dessa excessiva busca pelo Judiciário para solução dos conflitos entre as partes, pautando não só o desestímulo ao ativismo judicial, mas criando mecanismos que estimulem a solução desses conflitos antes que seja necessário submetê-los ao Poder Judiciário”, afirma Marinho em seu parecer. “E aqui não estamos falando em se impedir o acesso ao Judiciário, direito garantido plenamente pela Constituição Federal, mas em se privilegiar as soluções extrajudiciais na composição dos conflitos.” Segundo o parlamentar, a Justiça do Trabalho “balizará sua atuação pelo princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva”.
Ele propõe que o trabalhador possa usufruir das férias em até três períodos – um dos quais não pode ser menor que 14 dias corridos e os demais devem ter ao menos cinco dias. Hoje, as férias podem ser divididas em duas, com uma de no mínimo 10 dias.
O deputado disse considerar a contribuição sindical um “contrassenso” ao princípio da liberdade sindical. “Nesse contexto, estamos propondo que a contribuição sindical deixe de ser obrigatória, assumindo um caráter optativo, ou seja, a partir da sanção desta lei, caso ela venha a ser aprovada, a contribuição somente será devida mediante prévia adesão do trabalhador ou do empregador”, afirma.
Ele avalia que uma “contrariedade à forma de atuar dos sindicatos” explica em grande parte o que chama de “inexpressiva” taxa de sindicalização no país. Não comenta práticas antissindicais de empresas contrárias a que seus funcionários se associem e possam se organizar de modo a ter condições de negociar por meio de uma representação fortalecida.
Para o relator, o ideal seria restringir a contribuição sindical a sindicalizados. “Como um passo inicial, mantivemos a possibilidade de qualquer trabalhador ou empresa de optar pelo pagamento da contribuição, com a ressalva de que o trabalhador interessado deverá manifestar-se prévia e expressamente a favor de seu desconto pelo empregador. Por outro lado, não estamos alterando aspectos relativos à estrutura sindical, como a unicidade sindical, por exemplo, pois esse assunto deve ser tratado em nível constitucional.”
Em relação à prevalência do negociado sobre o legislado, o relator aumentou para 16 o número de itens que podem ser objetos de acordo (confira ao final deste texto). O PL 6.787 falava originalmente em 13 pontos. Outros 29, segundo o parecer, não poderão ser reduzidos ou suprimidos por negociação, casos do Fundo de Garantia e do descanso semanal remunerado.
Em nova crítica à Justiça do Trabalho, Marinho repete argumentos usados pelo governo e por empresários, que costumam tachar de “insegurança jurídica” leis que asseguram um mínimo de garantia aos trabalhadores quando em situações de maior fragilidade para negociar ou se defender, sobretudo em momentos de crise. “A insegurança jurídica da representação patronal, que não tem certeza se o que for negociado será preservado pela Justiça do Trabalho, é um grande empecilho à celebração de novas condições de trabalho mais benéficas aos trabalhadores e, em última instância, um entrave à contratação de mão de obra.”
No substitutivo, o tucano também se preocupou em eliminar dúvidas sobre o projeto recentemente sancionado por Michel Temer sobre terceirização. “Melhoramos o conceito”, afirmou, confirmando o caráter amplo, geral e irrestrito da prática: “Considera-se prestação de serviços a terceiros a transferência feita pela contratante da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal, à empresa prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução”.
Confira os 16 pontos em que os acordos podem prevalecer sobre a legislação:
I – pacto quanto à jornada de trabalho, observados os limites constitucionais
II – banco de horas individual
III – intervalo intrajornada, respeitado o limite mínimo de trinta minutos para jornadas superiores a seis horas
IV – adesão ao Programa Seguro-Emprego, de que trata a Lei nº 13.189, de 19 de novembro de 2015
V – plano de cargos, salários e funções compatíveis com a condição pessoal do empregado, bem como identificação dos cargos que se enquadram como funções de confiança
VI – regulamento empresarial
VII – representante dos trabalhadores no local de trabalho
VIII – teletrabalho, regime de sobreaviso, e trabalho intermitente
IX – remuneração por produtividade, incluídas as gorjetas percebidas pelo empregado, e remuneração por desempenho individual
X – modalidade de registro de jornada de trabalho
XI – troca do dia de feriado
XII – identificação dos cargos que demandam a fixação da cota de aprendiz
XIII – enquadramento do grau de insalubridade
XIV – prorrogação de jornada em ambientes insalubres, sem licença prévia das autoridades competentes do Ministério do Trabalho
XV – prêmios de incentivo em bens ou serviços, eventualmente concedidos em programas de incentivo
XVI – participação nos lucros ou resultados da empresa