Relatora da ONU critica postura da comunidade internacional de não pedir o fim dos crimes de guerra em Gaza
A italiana Francesca Albaneses considera os ataques do Hamas “crimes hediondos e injustificáveis”. Mas diz que a resposta israelense “vai muito além do que é razoável”. Por isso critica a própria ONU e os países por não pedirem o cessar-fogo imediato
A relatora especial da ONU para os territórios palestinos ocupados, a italiana Francesca Albanese, chamou de “repugnante” a reação da comunidade internacional à guerra na Faixa de Gaza. “A reação de Israel aos crimes horrendos cometidos pelo Hamas vai muito além do que é razoável e proporcional. Está se tornando uma operação militar interminável. Israel gerou uma catástrofe dentro da catástrofe. E a resposta da comunidade internacional é repugnante. A situação saiu do controle, e, se não for interrompida, veremos o terceiro e maior deslocamento forçado de palestinos de suas terras”, disse em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo.
Em entrevista publicada nessa segunda-feira (16), ela lamentou que o Conselho de Segurança da ONU, responsável por medidas para manter a paz e segurança no mundo, está falhando em sua missão. “Devemos pedir um cessar-fogo imediato. Sabemos que o conselho está paralisado, mas espero sinceramente que, com o Brasil na presidência rotativa, isso ajude a mudar a situação”, afirmou.
Nesse domingo (15), ao canal Al Jazeera, do Catar, a relatora especial afirmou desconhecer a intenção de pedido de cessar-fogo na organização em que trabalha. “Não tenho qualquer indicação de que esteja sendo considerado, nem ao nível do secretário-geral (António Guterres)”. E lamentou a situação.
“Isso me preocupa porque há autoridades israelenses que querem eliminar o movimento islâmico Hamas. O que vemos na realidade é que milhares de pessoas, incluindo crianças, estão sendo mortas ou feridas”, disse a relatora da ONU.
Relatora da ONU alertou para risco de limpeza étnica em Gaza
No sábado, Albanese já havia alertado que os palestinos correm um sério risco de serem vítimas de uma nova “limpeza étnica em massa”. E lembrou a catástrofe de Nakba, na qual, em 1948, com a criação do Estado de Israel, obrigou quase 700 mil palestinos a deixarem suas casas, indo para a Cisjordânia, a Faixa de Gaza e outros países da região, como a Síria.
Albanese defende que a situação seja enfrentada de uma vez por todas, respeitando o direito internacional. Conforme lembrou, a grave situação na região não teve início em 7 de outubro. Mas que ocorre há décadas, embora tenha se agravado a partir do ataque “sem precedentes do Hamas que o povo israelense sofreu”, disse.
Para a relatora, é necessário um cessar-fogo imediato e o fim do que chama de “crimes de guerra” cometidos por Israel e pelo grupo armado Hamas, que governa a Faixa de Gaza. Isso porque ao manter o bloqueio sobre a Faixa de Gaza sob pretexto de erradicar o Hamas, como faz Israel há 16 anos, o grupo sairá fortalecido. “Opressão gera resistência. O Hamas tem uma espécie de filosofia que não é diferente da de Israel: não distingue entre civis e militares. Nesse sentido, para mim, são iguais. Mesmo que todos os membros do Hamas sejam mortos, manter uma população inteira oprimida e privada de seus direitos gera resistência.”
Para a relatora especial da ONU, ao considerar a morte de mais de 600 crianças palestinas e mais de 423 mil pessoas deslocadas devido aos ataques israelenses, tanto o Hamas como as forças de ocupação de Israel cometem “crimes internacionais”.
Atrocidades de ambos os lados no Oriente Médio
Há ainda em comum entre os dois grupos a atrocidade contra civis — “um crime de guerra hediondo”, segundo acredita. Por isso pede também a libertação de civis feitos reféns. “Civis não podem ser feitos reféns. Alvos militares são legítimos. Quando soldados são capturados, eles são prisioneiros de guerra. Mas civis não são prisioneiros de guerra. Precisam ser libertados imediatamente”.
No entanto, chamou de “movimento colonizador” a trajetória israelense de ocupação dos territórios palestinos, que segundo ela agride os dois povos. “Israel manteve por 56 anos uma ocupação militar que tem sido, de fato, um modelo colonizador. E os palestinos estão completamente indefesos. A colonização de povoamento aprisiona tanto os palestinos quanto os israelenses. Claro, com responsabilidades diferentes”.
Redação: Cida de Oliveira, com FSP e Al Jazeera