Relatório: anistia não se aplica a quem cometeu crimes contra a humanidade
São Paulo – Agentes do Estado envolvidos em crimes contra a humanidade não podem se beneficiar da anistia prevista pela Lei 6.683, de 1979, afirma a Comissão Nacional da Verdade (CNV) no capítulo reservado às recomendações. Foi o único item com posição divergente, de José Paulo Cavalcanti Filho, entre os seis integrantes do colegiado. O posicionamento da CNV também se choca com o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), que em 2010 rejeitou essa tese ao julgar ação apresentada pela Ordem dos Advogados do Brasil.
“A CNV considerou que a extensão da anistia a agentes públicos que deram causa a detenções ilegais e arbitrárias, tortura, execuções, desaparecimentos forçados e ocultação de cadáveres é incompatível com o direito brasileiro e a ordem jurídica internacional, pois tais ilícitos, dada a escala e a sistematicidade com que foram cometidos, constituem crimes contra a humanidade, imprescritíveis e não passíveis de anistia”, afirma a comissão em seu relatório final, divulgado hoje (10).
Para sustentar a sua posição, a CNV cita a “crescente internacionalização dos direitos humanos”, a partir de meados do século passado, em consequência da investigação e do julgamento de crimes cometidos durante a Segunda Guerra Mundial. “A jurisprudência e a doutrina internacionalistas são unânimes em reconhecer que os crimes contra a humanidade constituem violação ao costume internacional e mesmo de tratados sobre direitos humanos”, argumenta. “A elevada relevância do bem jurídico protegido – nas hipóteses de crimes contra a humanidade, a abranger as práticas de detenções ilegais e arbitrárias, tortura, execuções, desaparecimentos forçados e ocultação de cadáveres – requer dos Estados o cumprimento da obrigação jurídica de prevenir, investigar, processar, punir e reparar graves violações a direitos.”
O relatório faz referência à condenação do Estado brasileiro, em 2010, pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, no caso Araguaia. “Considerada definitiva e inapelável, a sentença da Corte IDH é autoaplicável no Brasil, mas tem encontrado obstáculos para o seu integral cumprimento.”
Além do ministro Eros Grau, o relator da ação da OAB que pedia no STF a revisão da lei, posicionaram-se em contrário as ministras Cármen Lúcia e Ellen Gracie e os ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Cezar Peluso.
Defenderam um a revisão da lei, alegando que a anistia não teve “caráter amplo, geral e irrestrito”, os ministros Ricardo Lewandowski e Ayres Britto. Para eles, certos crimes são, pela sua natureza, absolutamente incompatíveis com qualquer ideia de criminalidade política pura ou por conexão.
O ministro Dias Toffoli não participou do julgamento porque estava à frente da Advocacia Geral da União à época em que a ação foi ajuizada e chegou a anexar informações ao processo. O ministro Joaquim Barbosa estava de licença médica.
A CNV reitera que o Estado tem dever jurídico de “prevenir, processar, punir e reparar os crimes contra a humanidade, de modo a assegurar o direito à justiça e à prestação jurisdicional efetiva”. E lembra, no relatório, que a Corte Interamericana já decidiu que as disposições da Lei da Anistia são “manifestamente incompatíveis” com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos e, portanto, “não podem seguir representando um obstáculo para a investigação de graves violações de direitos humanos, nem para a identificação e punição dos responsáveis”.
Da Rede Brasil Atual