Repressão a bailes funk em São Paulo tem tiro no olho e 1.275 presos só neste ano

A ação da Polícia Militar de São Paulo na favela de Paraisópolis que terminou com nove jovens mortos no dia 1º seguiu o mesmo modus operandi de uma série de iniciativas do contingente para reprimir bailes funk nas periferias do Estado. Batizadas de Operação Pancadão, foram realizadas mais de 7.500 ações do tipo entre janeiro e dezembro deste ano, com um saldo de “1.275 pessoas presas e mais de 1,7 tonelada de drogas apreendidas”, segundo a Secretaria de Segurança Pública. Questionada, a pasta não informou o balanço de mortos e feridos destes procedimentos. O método utilizado inclui o uso de armamentos menos letais, como balas de borracha e bombas de gás, disparados por vezes em locais apertados ―como os becos e vielas onde os jovens de Paraisópolis morreram― com a finalidade de dispersar o público. Para especialistas, é a receita para a tragédia.

Não foi a primeira vez que uma ação da PM é apontada como responsável por mortes em um baile funk. Em 17 de novembro de 2018 três jovens morreram pisoteados em um baile funk em Guarulhos, no bairro dos Pimentas. Mikaely Maria de Lima Lira, 27, Marcelo do Nascimento Maria, 34 e Ricardo Pereira da Silva, 21, foram esmagados após um tumulto provocado pelo uso bombas pela PM para dispersar a festa. Em novembro uma jovem de 16 anos, Gabriella Talhaferro, perdeu o olho esquerdo após ser atingida por disparo de bala de borracha durante a dispersão de um baile em Guaianazes, na zona leste da capital.

Agora, diante de mais um massacre do tipo, os holofotes se voltam para o governador do Estado, João Doria, que fecha seu primeiro ano no cargo jogando para ser um nome de peso nas municipais de 2020 e para tentar entrar no páreo pela presidência em 2022. O tucano, que vê sua imagem positiva cair ao menos desde julho até bater apenas 15,4% no começo de novembro, segundo a pesquisa da consultoria Atlas Político, desde a campanha eleitoral vem surfando na onda bolsonarista com um discurso de endurecimento contra o crime. Para atrair o público que disputa não só com Jair Bolsonaro como com o governador fluminense, Wilson Witzel, ambos defensores do atira primeiro e pergunta depois, o tucano colecionou frases com incentivo à violência policial desde que foi eleito para o Bandeirantes. “[À partir de 1º de janeiro, dia de sua posse] a polícia atira. E atira para matar”, afirmou após a confirmação de sua vitória no segundo turno em 2018. A declaração contraria até mesmo o método Giraldi de tiro defensivo, adotado pela PM de São Paulo e segundo o qual a força deve ser usada de forma gradual ―os agentes são instruídos a disparar em regiões não vitais para preservar o suspeito, e matar apenas quando necessário.

Em setembro, o tucano afirmou que a redução da letalidade policial não era um objetivo de sua gestão. Para ele, é algo que “pode acontecer, mas não é obrigatoriedade”. Os números corroboraram seu desejo: no Estado houve um aumento de 1,6% no número de mortos pela polícia nos primeiros nove meses do ano, comparando 2018 e 2019 ―isso enquanto o número total de mortes cai. No total 609 pessoas foram mortas pela polícia este ano, ante 599 no mesmo período de 2018. Na capital, o crescimento foi ligeiramente maior, de 1,8%, de 277 vítimas fatais para 282.

Agora, com a comoção pelo ocorrido em Paraisópolis, Doria tenta se equilibrar, mas não fala em qualquer revisão do protocolo policial. Ele lamentou as mortes, mas se adiantou às investigações em curso e inocentou a PM de culpa no ocorrido. “A letalidade não foi provocada pela PM, e sim por bandidos que invadiram a área onde estava acontecendo baile funk. É preciso ter muito cuidado para não inverter o processo”, disse nesta segunda-feira. Aos correspondentes estrangeiros, disse nesta terça-feira que nos bailes “violam a lei do silêncio, se distribuem drogas, vendem álcool ilegalmente, oferecem prostituição infantil e juvenil”. Disse ainda que a maioria “é promovida por criminosos”. Quando um vídeo que mostrava um PM agredindo jovens encurralados com um cano de aço veio à tona na Internet revelado pela Ponte Jornalismo, e ganhou enorme repercussão, o governador foi ao Twitter dizer que exigiu punição “exemplar”. “Ao tomar conhecimento do novo vídeo que mostra um policial agredindo jovens em uma esquina de Paraisópolis, exigi punição exemplar ao agressor, já afastado de suas funções. Práticas como essa não condizem com o procedimento da Polícia de SP e serão veementemente condenadas”, escreveu. A polícia disse, depois, que o vídeo é de outubro, o que só incrementa a lista de desvios da ação da polícia nos pancadões.

Os seis PMs que participaram da ação no baile foram colocados em serviços administrativos e ainda é cedo para dizer se o ocorrido no baile de Paraisópolis, apelidado de Dz7, fez parte de uma Operação Pancadão, que visa, de acordo com as autoridades, coibir o barulho nas ruas e evitar o tráfico de drogas. Isso porque, apesar do uso do mesmo tipo de munição (bombas de gás e balas de borracha), a ação teria sido um desdobramento de uma perseguição.

A PM afirma que estava atrás de ladrões em uma moto, que dispararam contra a viatura e se esconderam no baile. Em seguida, ainda segundo depoimento dos policiais, frequentadores teriam arremessado garrafas contra eles. Uma unidade da força-tática teria sido chamada para resgatá-los, e neste momento foi feito uso de munição menos letal para dispersar o público que estava no local, estimado em 5.000 pessoas. Além dos PMs, não existe segundo o jornal A Folha de S.Paulo testemunha alguma da perseguição à moto que está na origem no caso.

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Encurralados

A ação de Paraisópolis seguiu o mesmo padrão de excessos do caso de Guarulhos, que deixou três mortos. “Na nossa avaliação, o uso daquele armamento menos letal [bombas de gás e balas de borracha] e táticas de contenção de distúrbios civis só poderiam ser empregadas de forma emergencial, se ficasse comprovado que era uma ação pontual para repelir agressão contra a tropa e remover os policiais acuados”, explica Bruno Langeani, coordenador do Instituto Sou da Paz. Fora deste contexto, afirma, “os próprios manuais da PM dizem que a avaliação de rota de fuga é pré-requisito para fazer ações de contenção”. Isso porque, como ocorreu em Paraisópolis e Guarulhos, a explosão de bombas gera medo na multidão, o que pode provocar correria e deixar feridos ou mortos. Segundo testemunhas, os policiais bloquearam os dois lados da avenida principal onde ocorria a festa, restando para os frequentadores apenas vielas estreitas e ruas menores para a dispersão.

Uma alternativa menos perigosa para os frequentadores do baile e policiais seria a tropa ocupar a via do baile antes mesmo de seu início. Esta opção também tem defeitos e limitações, uma vez que cerceia o uso do espaço público por parte da população. “O baile funk não é apenas caso de polícia. Existe uma série de variáveis envolvidas. Não é proibido fazer festa na rua, então a intervenção policial deve ocorrer de forma preventiva, evitando confronto”, diz Langeani.

Colaborou Naiara Galarraga, de São Paulo.

Do El País

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Um Comentário

  1. O governo deve continuar com a política de combate ao crime organizado sim. O RJ por exemplo, estava entregue aos bandidos por anos, a população vive com medo de andar nas ruas. Essa é a única forma de termos um pouco de paz futuramente, temos que seguir firmes.

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