Restaurar o FNE para devolver democracia à educação
O desmanche do Fórum Nacional de Educação em 2017, com a destituição da Contee de outras entidades, visou que ele servisse aos interesses do projeto tanto privatista quanto antidemocrático de educação, levado a cabo por Temer e Bolsonaro
Gilson Reis*
Nos últimos anos, desde o golpe parlamentar-jurídico-midiático de 2016, as lutas pela democracia e pela educação se confundiram, se fundiram, se imbricaram, se tornaram tantas, em tantas frentes, e se tornaram uma. Ambas estão na recente vitória da Contee (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino) no STF (Supremo Tribunal Federal) contra a lei de Rondônia que proibia o uso da linguagem neutra nas escolas. Ambas estiveram em outra vitória da Contee, conquistada em 2017, contra a lei da mordaça de Alagoas, assegurando a liberdade de concepções pedagógicas e o direito de aprender e ensinar. E ambas estão no compromisso assumido na última semana pelo ministro Camilo Santana (PT), por meio da Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino (Sase), de reconstituir o FNE (Fórum Nacional de Educação) golpeado, também em 2017, pelo governo golpista de Michel Temer (MDB).
O FNE, fruto de deliberação da 1ª Conae (Conferência Nacional de Educação), realizada em 2010, nasceu como espaço de interlocução entre a sociedade civil e o Estado. Era uma reivindicação histórica e foi uma conquista da comunidade educacional brasileira assegurada, definitivamente, com a sanção da Lei 13.005, de 25 de junho de 2014, que instituiu o PNE (Plano Nacional de Educação).
Contudo, no dia 28 de abril de 2017, com a Portaria 577, o MEC (Ministério da Educação) anulou as normas anteriores referentes ao FNE e dissolveu o colegiado ao expulsar dele entidades como a Contee, a Fasubra (Federação de Sindicatos de Trabalhadores Técnico-administrativos em Instituições de Ensino Superior Públicas do Brasil) e o Proifes-Federação (Federação de Sindicatos de Professores e Professoras de Instituições Federais de Ensino Superior e de Ensino Técnico e Tecnológico). Tratou-se de afronta simultânea às entidades destituídas, à Conae/2010, ao PNE e à própria Constituição, atingindo o princípio que garante a educação como dever do Estado e direito de cada cidadão e cidadã.
A alteração da composição do FNE, como se comprovou nos anos seguintes ao seu desmanche, visou que ele servisse aos interesses do projeto tanto privatista quanto antidemocrático de educação, levado a cabo por Temer e, depois, por Jair Bolsonaro (PL). Esses interesses evidenciaram-se em cada uma das medidas tomadas a partir do golpe, passando pela excludente contrarreforma do ensino médio, pelo congelamento de investimentos em educação por 20 anos, pelo desmonte de programas de inclusão social e educacional, pelo apoio descarado à censura e à perseguição contra educadores, pelo ataque aos mecanismos de defesa do respeito à diversidade nas escolas, pela implementação de escolas cívico-militares, pelo cortes de verbas, pela descontinuidade de quaisquer políticas públicas que visassem à garantia do fortalecimento da educação pública, gratuita, laica e de qualidade socialmente referenciada.
Não foi por acaso que a Contee, entidade que agrega quase uma centena de sindicatos e federações de professores e técnicos administrativos do setor privado de ensino, da educação infantil à superior, representando mais de 1 milhão de trabalhadores brasileiros, tenha sido uma das excluídas do FNE há cerca de seis anos. Porque é a entidade nacional que, como lembrado há pouco, se mobilizou judicialmente, por meio de ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade), contra o movimento Escola Sem Partido e seus protótipos de leis para amordaçar professores. Porque é a entidade que já se posicionava, como continua se posicionando (haja vista a recente vitória no STF) por uma educação pautada no respeito à diversidade de gênero e de orientação sexual. Porque é a entidade que há mais de 15 anos denuncia os processos de mercantilização, financeirização e oligopolização da educação. Porque é a única entidade nacional representante dos trabalhadores do setor privado de ensino. Porque é uma entidade que sempre articulou a luta política e sindical com a luta por um projeto educacional integrado a um projeto de desenvolvimento nacional soberano e democrático.
Seis anos atrás, quando da destituição do FNE, a reação em defesa da educação e da democracia foi robusta. Outras entidades, como a CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação), se retiraram do fórum em protesto contra a arbitrariedade do governo e em solidariedade às demais. A partir daí, constituiu-se o FNPE (Fórum Nacional Popular de Educação) e organizaram-se duas Conapes (Conferências Nacionais Populares de Educação), em 2018 e 2022. Agora, a revogação das medidas posteriores e a reconstituição do FNE tal como era antes da Portaria 577/17 — compromisso esse assumido pela nova gestão do MEC — é o primeiro e imprescindível passo do governo atual para fazer uma reparação história e devolver a essa essa instância tão importante seu caráter democrático.
*Gilson Reis é coordenador-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino — Contee