Revista científica ‘Nature’ faz balanço do governo Bolsonaro: ‘Danos serão duradouros’

Uma das mais importantes revistas científicas do mundo apresenta um panorâma das destruições de Bolsonaro nas áreas de meio ambiente, Ciência e Saúde

São Paulo – Em reportagem divulgada ontem (27), a revista Nature, uma das mais importantes publicações científicas do mundo, faz um balanço do impacto do governo de Jair Bolsonaro sobre o setor. A matéria – intitulada “O legado conturbado de Bolsonaro para a Ciência, Saúde e Meio Ambiente” – aborda o negacionismo científico do atual governante desde sua campanha eleitoral nas eleições de 2018, quando muitas de suas declarações antecipavam o que se veria já nos primeiros dias de seu mandato.

“Há quatro anos, cientistas de todo o Brasil temiam o pior quando Jair Bolsonaro foi eleito presidente do país”, começa a reportagem. “Bolsonaro havia prometido, por exemplo, retirar o Brasil do acordo climático de Paris, desmantelar o Ministério do Meio Ambiente e reduzir a extensão de áreas protegidas se vencesse”, completa. Algumas destas ameaças não se concretizaram. Contudo, o cenário real foi construído de forma desastrosa, confirmando expectativas pessimistas dos cientistas.

Nature sentencia que os danos do governo Bolsonaro nos setores abordados serão duradouros. “O presidente entrou em confronto com a comunidade científica brasileira repetidamente (…) Ele, por exemplo, demitiu funcionários do governo que discordavam dele em questões como taxas crescentes de desmatamento e medidas de saúde para conter a pandemia de covid-19, que até agora matou quase 700.000 pessoas no país.”

Bolsonaro e o meio ambiente

Às vésperas do primeiro turno das eleições, a matéria da Nature serve como um alerta aos eleitores. Na questão ambiental, o presidente promoveu devastação crescente de biomas naturais do país. Os ataques contra o ambiente começaram antes do início do mandato, e foram acelerados logo nos primeiros meses de governo. “Mesmo antes de assumir o cargo, Bolsonaro deixou claros seus objetivos ao prometer acabar com o que chamou de ‘uma indústria’ de multas ambientais no país (…) A tendência começou no início do governo Bolsonaro. Em meados de 2019, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) informou que o desmatamento havia subido acentuadamente. Sem provas, o presidente acusou a agência de forjar os dados de desmatamento e disse que estava tentando prejudicar o governo. O físico Ricardo Galvão, então chefe do INPE, defendeu os dados da agência e Bolsonaro o demitiu logo em seguida”, lembra o texto.

Programa de destruição

O texto traz uma entrevista com Suely Araújo, ex-presidenta do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). A especialista afirmou que Bolsonaro executou um plano para “desmantelar o Ministério do Meio Ambiente por dentro”. O presidente cumpriu suas promessas de campanha. Em janeiro de 2020, ele chegou a comemorar uma redução de 80% nas multas aplicadas pelo órgão a criminosos ambientais.

“O resultado é uma explosão nas taxas de desmatamento, mineração descontrolada e invasão de terras públicas, seguidas de grande conflito social”, argumenta Suely, que hoje trabalha para o Observatório do Clima.

Os retrocessos ambientais também resultaram em um aumento drástico nos incêndios que afetam biomas sensíveis, como Amazônia e Pantanal. O presidente chegou a acusar ambientalistas e indígenas de provocarem os incêndios. Algo distante da realidade, como argumentam cientistas. Conforme aponta a reportagem da Nature, estas queimadas são resultado de atividades estimuladas pelas políticas permissivas de Bolsonaro. “Críticos do governo Bolsonaro dizem que a aplicação negligente das leis ambientais também levou a um grande aumento de incêndios florestais, muitas vezes provocados por pessoas que desmatam terras para a agricultura.”

Descaso na Ciência

Outro setor dos mais atingidos pelo governo Bolsonaro foi o da Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I). O mais recente dos ataques foi o decreto da Medida Provisória (MP 1136), que limita repasses de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico (FNDC) às entidades de ciência e pesquisa. Na prática, a ação congela recursos até 2026 e sufoca a produção da pesquisa nacional. Entretanto, não foi apenas isso, como recorda a revista.

“O governo também fez cortes substanciais na pesquisa científica. Em 2021, o orçamento total aprovado para ciência e tecnologia no Ministério da Ciência foi efetivamente o menor em pelo menos duas décadas, segundo números compilados pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Em 2020 e 2021, o financiamento combinado de bolsas para CNPq e CAPES foi de cerca de 3,5 bilhões de reais (US$ 680 milhões) por ano – os valores mais baixos desde 2009. As duas agências perderam 45% de seu orçamento para bolsas durante o governo Bolsonaro (2019–22), em comparação com 2015-18.”

O presidente da SBPC, Renato Janine Ribeiro, também falou à Nature sobre o cenário do setor sob oa tual governo. “Além dos cortes orçamentários, há uma campanha em andamento para tentar minar o moral do ensino superior público, da cultura e da saúde pública (…) Bolsonaro tem criticado as universidades brasileiras e propagado mentiras de que universidades públicas são lugares de sexo, desordem e confusão”, disse.

Tragédia histórica

Talvez a maior das tragédias do governo Bolsonaro tenha sido o descaso com a pandemia de covid-19, destaca a publicação. O presidente chamou a maior crise sanitária mundial desde a Gripe Espanhola (1918) de “gripezinha”. Questionado sobre os mortos, quando estes ainda estavam na casa dos cinco mil, respondeu grosseiramente “E daí, quer que eu faça o quê? Não sou coveiro”. Ele chegou a dizer que quem se protege com máscaras é “maricas” e a imitar de forma jocosa a impossibilidade de respirar que ataca os doentes de covid e leva as pessoas à morte por falta de ar.

Exemplos de ações nefastas de Bolsonaro durante a pandemia não faltam, como aponta a Nature. “Ele promoveu a imunidade de rebanho por infecção natural e divulgou o uso de tratamentos que se mostraram ineficazes contra a covid-19, como hidroxicloroquina e ivermectina. Ele também ignorou conselhos científicos de pesquisadores e autoridades de saúde pública e demitiu o ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta em abril de 2020, porque defendia medidas como o distanciamento social para conter a propagação do vírus”.

Rede Brasil Atual

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