Saaemg: Sistema Nacional de Educação (SNE), meia vitória, mas vitória!

Por José Geraldo de Santana Oliveira*

Finalmente, após decorridos nada menos que noventa e três anos, desde que foi preconizado pelo Manifesto dos pioneiros da educação de 1932, o Sistema Nacional de Educação (SNE) veio à luz com a publicação da Lei complementar N. 220, de 31 de outubro de 2025.

Em uma palavra, pode-se dizer dessa lei o que disse o mestre Anízio Teixeira – um dos signatários do referenciado Manifesto- sobre a Lei N. 4024/1961- Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB)-: “Meia vitória, mas vitória”.

Mesmo longe de atender aos anseios sociais, aos comandos constitucionais- Arts. 205 a 214-, aos intensos debates que tiveram lugar sobre tão caro tema, por anos a fio, a nova lei do SNE, com certeza, tem de ser considerada vitória, ainda que parcial, por, metaforicamente falando, abrir picadas à densa e tormentosa floresta da educação, como direito da sociedade e dever do Estado, consoante o Art. 205 da CF; garantindo em regime de colaboração entre a União, estados, municípios e Distrito Federal, conforme fora preconizado pelo Manifesto de 1932 e determinado pelo Art. 211 da CF. O que, até seu advento, não existia sob o farol de lei específica.

Nos termos do Art. 2º, da LC 220, “O SNE consiste no conjunto de relações que promovem a articulação dos sistemas de ensino da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e a integração de suas ações relativas às políticas educacionais, em regime de colaboração, de acordo com as normas de cooperação de que tratam esta Lei Complementar, o Plano Nacional de Educação (PNE) e as demais normas da legislação educacional, respeitada a organização federativa da educação nacional”.

Não obstante a relevância social, política e educacional do SNE, que deve ser ressaltada por todos quantos visam à elevação da educação à condição de primeira – no sentido de prioritária – política pública, como estabelecido no Art. 6º da CF. Não se pode passar ao largo de suas propositais lacunas, sendo a mais gritante a que passa ao largo do ensino privado, como se ele não se fizesse presente e não se obrigasse a cumprir as normas gerais da educação, como determina de modo mandatório o Art. 209, I, da CF; como se não detivesse mais de 9,5 milhões de matrículas no ensino básico e não dominasse nada menos que 80% das matrículas no ensino superior, como revela o último censo desse nível.

E mais: como se ele não fosse incumbido de responder por 3,5% do PIB, em “investimentos”, pelo Substitutivo do deputado federal Moses Rodrigues (União Brasil-CE), relator do PL 2614/2024, que estabelece o plano nacional de educação (PNE) para a próxima década.

Em seus 64 (sessenta e quatro) artigos, que se desdobram em dezenas de parágrafos e incisos, a LC do SNE faz ínfimas dez referências ao ensino privado e todas como acessórias; não havendo uma só que seja como cabeça de artigo.

As referências ao ensino privado, contidas na LC do SNE concentram-se no Art. 5º, VI, 38, 50, I e II, 52, II e III e 54, I, II e V.

“Art. 5º No âmbito do SNE, compete à União:

VI – promover a articulação das políticas de desenvolvimento da educação superior das redes pública e privada;

Art. 38. Os padrões de qualidade da pós-graduação stricto sensu são referenciais para o reconhecimento, por meio da avaliação de entrada, e a renovação do reconhecimento, por meio da avaliação de permanência, dos programas de pós-graduação stricto sensu de instituições públicas e privadas, estabelecendo as condições mínimas a serem observadas pelas instituições para oferta desses programas.

Art. 50. São objetivos da Avaliação Nacional da Educação Básica:

I – aferir a qualidade da educação básica com base no nível de desempenho e na equidade dos sistemas de ensino e de suas instituições públicas e privadas de ensino;

II – avaliar as instituições de educação básica, públicas e privadas, contemplando a análise global e integrada das dimensões de gestão, de infraestrutura, de recursos e de resultados de aprendizagem;

Art. 52. São objetivos da Avaliação Nacional da Educação Profissional e Tecnológica:

[.]

II – avaliar os cursos ofertados pelas instituições de educação profissional e tecnológica, públicas e privadas, com respeito à qualidade e à adequação entre a educação profissional e tecnológica ofertada e o mundo do trabalho;

III – avaliar o desempenho acadêmico dos estudantes como forma de aferir a efetividade acadêmica, técnica e social das instituições de educação profissional e tecnológica, públicas e privadas;

IV – prover à sociedade dados e informações sobre a qualidade das instituições de educação profissional e tecnológica, públicas e privadas, e dos cursos e dos programas por elas ofertados.

Art. 54. São objetivos da Avaliação Nacional da Educação Superior em Nível de Graduação:

I – avaliar as instituições de ensino superior, públicas e privadas, contemplando a análise global e integrada das dimensões da pesquisa, da extensão e da qualidade do ensino;

II – avaliar os cursos ofertados pelas instituições de ensino superior, públicas e privadas, interna e externamente, com respeito à identidade e à diversidade de instituições e de cursos;

[..]

V – prover à sociedade dados e informações sobre a qualidade das instituições de ensino superior, públicas e privadas, e dos cursos e dos programas por elas ofertados”.

O vazio da LC do SNE, quanto ao ensino privado, pode ser aquilatado pela singela análise do inciso II, do Art. 50, que específica os meios e modos para a avaliação das instituições básicas de ensino, nelas incluídas as privadas; contemplando, neste mister, “a análise global e integrada das dimensões de gestão, de infraestrutura, de recursos e de resultados de aprendizagem”.

Como a comentada LC não diz uma palavra sequer sobre carreira, condições de trabalho e remuneração dos docentes que se ativam no ensino privado no nível básico, há de se perguntar: ante esse sepulcral silêncio quanto aos recursos humanos, com que parâmetros e critérios se efetivará a avaliação do padrão de qualidade dessas instituições? Se tanto, serão avaliados os recursos técnicos, deixando à margem os recursos humanos.

Para que se tenha a dimensão do que o ensino privado representa no contexto da educação brasileira, destacam-se, aqui, alguns indicadores colhidos dos censos escolares de 2023, da educação básica e superior.

É bem de ver-se que as instituições privadas de ensino, segundo os censos escolares abrigavam, em 2023, 566.858 dos 2.354.194 do ensino básico e 150.367 dos 327.996, do ensino superior. Sendo imperioso registrar que o número de professores de ensino superior, em 2013, totalizava 181.302, dos 321.700 que nela se ativavam. Constata-se, portanto, que, enquanto o número de matrículas, em IES privadas, cresceu 45,86%, o de professores, caiu 20,62%.

Mostra-se bem elucidativo ao entendimento desse surreal decréscimo número de docentes no ensino superior, em rota de colisão com o número de matrícula no ensino privado, que, no mesmo período, cresceu mais de 45%, o cotejo do que dispõe o Art. 22 do Decreto N. 12456/2025- que regulamenta a EaD-, com recente edital de seleção de professores de graduação pela FGV.

O citado Art. 22 dispõe: “Todos os professores do corpo docente e todos os mediadores pedagógicos deverão ser informados no Censo da Educação Superior e nos cadastros obrigatórios do Ministério da Educação”.

Enquanto isso, o “EDITAL PARA SELEÇÃO DE PROFESSORES EXTRA CARREIRA. A Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV EESP0 abre inscrições para a seleção de professores extra carreira para ministrar aulas no primeiro e no segundo semestres de 2026, do Curso de Graduação em Ciências Econômicas conforme cronograma do deste Edital. [..] 2 Remuneração Aulas – O pagamento será feito no valor de R$ 320,00 por hora/aula, na modalidade Pessoa Jurídica. A disciplina é identificada por créditos (1 crédito = 15 horas/aula. O valor será dividido entre os meses nos quais a disciplina for ofertada, conforme respectivo trimestre de oferta em 2026”.

Aqui, cabe perguntar: em casos que tais, patentes em IEs tão acreditada como a FGV, que representam a pequena amostra do que corre pelo ensino superior privado, como será cumprida a exigência do Art. 22 do Decreto 12456/2025? Os professores não serão registrados? Ou o serão como pessoas jurídicas? Como isso será possível, o exercício da função de professor é ato personalíssimo?

Ante essas breves anotações sobre o recém-criado SNE, que traz a marca das apontadas e outras lacunas, impõe-se às entidades como a Contee e CNTE e as demais caminham na mesma trilha, a um só tempo, envidar esforços para que a LC que o criou não seja mera folha de papel, mas sim fundamental ferramenta de transformação da educação e, com igual força e combate, para que nela se promovam as alterações necessária à efetiva e concreta inclusão do ensino privado no SNE, bem como das demais reivindicações que não foram contempladas; que bem podem ser sintetizadas nas emendas que a Contee apresentou ao PL 235/2019, durante sua tramitação na Câmara Federal, por intermédio da deputada Alice Portugal e que não encontram eco naquela casa legislativa nem no Senado; e que são:

“1 O Sistema Nacional de Educação é constituído pela integração do sistema federal, dos sistemas estaduais, do sistema distrital e dos sistemas municipais de ensino, tanto na esfera pública como na esfera privada.

2 Implementar um sistema nacional de avaliação de educação pública e privada com um conselho federal, estadual e municipal com a participação de estudantes, professores, instituições públicas e privadas.

3 Desenvolver o sistema nacional de avaliação subordinada ao conselho, que inclui o SINEAB e o SINAES em substituição ao IDEB, de modo a superar a centralidade conferida a avaliação como medida de resultado e instrumento de controle, ranqueamento, concorrência e competitividade no campo educacional”.

*José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee

Fonte: Contee

Fonte
Saaemg

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