Saudades da CLT: maioria dos “empreendedores” quer ter carteira assinada

Pesquisa da CUT e Vox Populi revela contradições do discurso empreendedor e aponta precarização do trabalho formal no país

Durante anos, ter carteira assinada simbolizava estabilidade e ascensão social. Com o avanço do chamado “empreendedorismo”, essa percepção mudou, associando autonomia à liberdade financeira — ainda que cercada de contradições. Pesquisa da Central Única dos Trabalhadores (CUT), divulgada pelo Valor Econômico, mostra que 56% dos autônomos que já trabalharam com registro formal gostariam de voltar ao regime CLT. O estudo, feito pelo Vox Populi em parceria com o Dieese, ouviu 3,85 mil pessoas em todo o país.

Contradições no mercado de trabalho

Os resultados mostram que, embora 53,4% dos entrevistados acreditem que a maioria dos brasileiros prefira empreender, o desejo de estabilidade ainda predomina. A percepção sobre os limites do chamado “negócio próprio” se torna evidente quando comparada às condições do trabalho formal, frequentemente criticadas pelos baixos salários e exigências de qualificação.

“Temos visto montadoras oferecendo dois salários mínimos e exigindo experiência e qualificação comprovada. Há motoristas de ônibus biarticulados recebendo o mesmo valor”, afirmou Sérgio Nobre, presidente nacional da CUT. “Diante dessas condições, muita gente desiste do emprego formal para se tornar motorista de aplicativo”, acrescentou.

A informalidade atinge atualmente 37,8% dos brasileiros ocupados, segundo o IBGE. Para Nobre, o avanço da precarização é o principal motivo desse crescimento. Adriana Marcolino, diretora técnica do Dieese, aponta o que leva os trabalhadores à informalidade: “é a percepção de que como assalariado a pessoa não vai conseguir pagar as contas”

“Empreendedorismo de necessidade”

O professor Nelson Marconi, pesquisador da Fundação Getulio Vargas, destacou que a chamada “pejotização” — quando trabalhadores são contratados como pessoas jurídicas — tem se tornado comum entre os menos escolarizados. “Muitas vezes é uma ilusão imaginar que esse tipo de serviço garante maior renda. Ganha-se mais porque se trabalha mais, mas a remuneração por hora é menor”, explicou.

Os sindicalistas classificam esse fenômeno como “empreendedorismo de necessidade”. Segundo Nobre, ele se espalhou pelas redes sociais, influenciando inclusive o meio acadêmico e o Judiciário. A CUT vem debatendo o tema com o governo federal e com ministros do Supremo Tribunal Federal.

A pesquisa também evidencia um empate curioso: 17,8% dos entrevistados disseram desejar “ter um bom emprego com carteira assinada”, enquanto 17,6% preferem ser autônomos. Já o sonho do concurso público foi citado por 7,6%, embora 48% dos que escolheram essa opção apontem a estabilidade como principal atrativo.

O limite da autonomia e os riscos futuros

Entre os motivos mais citados para o trabalho autônomo estão a flexibilidade de horário (35%), a possibilidade de ser o próprio patrão (25%) e o desejo de “fazer o que realmente gosta” (18%). Contudo, o avanço desse modelo entre os menos escolarizados preocupa especialistas.

“Há um crescimento evidente dos que trabalham por conta própria entre os menos escolarizados, o que reforça a necessidade de discutir mecanismos que evitem a obsolescência da CLT, que carrega uma ampla rede de proteção social”, alertou Marconi.

O pesquisador também sugeriu rever as regras para enquadramento de profissionais no regime dos microempreendedores individuais (MEIs), a fim de evitar fraudes e reduzir o risco de que empresas substituam contratações formais por modelos mais baratos. “É preciso estabelecer um limite claro para isso”, defendeu.

Marconi lembrou ainda que o grande número de informais sem contribuição previdenciária pode gerar graves impactos no futuro. “Há uma massa de trabalhadores que não vai se aposentar, o que ameaça o equilíbrio do sistema previdenciário”, afirmou.

Fonte
Brasil247

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