Se os sinos dobram por nós, vamos fazê-los retumbar
Há dias que são profundamente tristes. Ontem, 4 de maio de 2021, foi um deles. Um jovem de 18 anos que invadiu uma creche no estado de Santa Catarina e matou a facadas uma professora e três bebês. Um ex-ministro da Saúde que, à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga a omissão das autoridades no enfrentamento à pandemia da Covid-19, confessou a deliberada inação do governo federal, mesmo diante dos sucessivos alertas, e a tentativa criminosa de alteração da bula de um medicamento para atribuir-lhe uma suposta eficácia que não existe nem nunca existiu. Um artista nacionalmente admirado que morreu, mesmo com todos os recursos hospitalares disponíveis, de uma doença para a qual já há vacina. Mais de 3 mil Paulos, Gustavos, Josés e Marias que morreram da mesma doença, no mesmo dia — embora muitos sem os mesmos recursos hospitalares, impedidos pelos cortes em investimentos no Sistema Único de Saúde (SUS) —, porque, a despeito de a vacina existir, o presidente do país não a comprou.
Há meses que são profundamente tristes. Anos também. Têm sido assim os últimos quatro meses, em que a Covid-19, com a conivência de um governo federal genocida, fez mais vítimas em várias cidades brasileiras do que em todo o ano passado. Tem sido assim o último ano inteiro, durante o qual a pandemia e o descaso assassinaram mais de 412 mil pessoas no Brasil. Têm sido assim os últimos dois anos, quatro meses e quatro dias, desde que Jair Bolsonaro assumiu a Presidência no país. Têm sido assim os últimos cinco anos, desde que um golpe jurídico-midiático-parlamentar derrubou a presidenta Dilma Rousseff e impôs um ciclo de decrescimento, de ataques a direitos trabalhistas, de desmanche de políticas públicas, de ameaças à educação.
Tem sido assim.
Como escreveu John Donne, citado na carta cobrando providências enviada pela Contee no último dia 29 de março aos presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, e do Senado Federal, Rodrigo Pacheco, “Nenhum homem é uma ilha, isolado em si mesmo; todos são parte do continente, uma parte de um todo. Se um torrão de terra for levado pelas águas até o mar, a Europa ficará diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse o solar de teus amigos ou o teu próprio; a morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti”.
Os sinos, neste dias, meses e anos tristes, dobram por nós. No entanto, até para que os sinos dobrem, numa sonora denúncia de tantas mortes, é preciso braços fortes para puxar-lhes a corda. Mesmo na tristeza, precisamos tocar os sinos, acionar os alarmes, erguer o volume de nossas vozes, bradar os gritos. Porque há muito nos dias por vir pelo que nos desdobrarmos. Para impedir que obriguem o retorno às aulas presenciais em pleno descontrole da pandemia e transformem nossas escolas em epicentro de contágio e de sepulcro. Para defender o respeito aos trabalhadores e trabalhadoras e às entidades sindicais que os representam. Para reivindicar um auxílio emergencial justo neste país em que tantos voltaram a não ter o que comer. Para cobrar vacinação em massa. Para exigir que a CPI, e também a Justiça, puna os negacionistas, os covardes e os culpados pelo genocídio em curso no Brasil. Para exigir o impeachment daquele que jamais poderia ter sido eleito presidente. Agora! Já!
Por Táscia Souza