Sindicalistas debatem desafios da crise econômica a trabalhadores de todo o mundo
Assunto foi tema central de seminário, que segue até sexta-feira (7), em São Paulo, com representantes de trabalhadores brasileiros e italianos
São Paulo – Para discutir os impactos da crise financeira no mercado de trabalho global representantes da CUT e da Confederação Geral Italiana do Trabalho (CGIL) reuniram-se ontem (5), em São Paulo, para os primeiros debates do seminário internacional O Impacto da Crise Econômica Sobre o Mundo do Trabalho em São Paulo e Lombardia-Milão. O evento segue até sexta-feira (7).
A primeira mesa do evento contou com a participação da técnica do Dieese Patrícia Toledo Pelatieri, do secretário-geral da CGIL Lombardia, Nino Baseotto, e do secretário adjunto de relações internacionais da CUT, Artur Henrique, para discutir as políticas industrial e de desenvolvimento socioeconômico de São Paulo e da Lombardia.
A Lombardia, cuja capital é a província de Milão, é a região mais rica e mais importante da Itália. Com menos de 10 milhões de habitantes, o que representa 16,5% do total da população italiana, mais da metade são mulheres e 10%, estrangeiros. Na região existem 826 empresas, e 45% delas têm menos de nove funcionários e perto de 31%, menos de 50 trabalhadores. Lombardia tem hoje 4,3 milhões de trabalhadores (65% setor de serviços; 33,6% indústria; 1,4% agricultura).
A crise de 2008 atingiu todos os setores, milhões de empresas fecharam e outras ainda enfrentam sérios problemas. Depois da crise, o desemprego chegou a subir para 8,7%. As empresas passaram a deslocar sua produção para outros países, e este ano, passam a levar além da produção, também a direção estratégica das empresas para outros lugares. No total, perdeu 400 mil empregos.
Para Nino Baseotto, a situação no país se agravou pela escolha de como combater o problema, com uma política de austeridade e rigor. “A Itália cortou 30% dos fundos para as escolas e universidades. Não se fez nada para tentar combater a crise e dar crescimento ao trabalho. Isso significa fazer cortes no futuro do país”, destaca Nino Basseoto. “A nossa preocupação é colocar no centro das atenções as pessoas e suas necessidades e direitos. De outra forma, a humanidade não vai aguentar”, completa.
Na Itália, foram criadas políticas para favorecer bancos e empresários, deixando o setor público de lado. “A crise atingiu todos os setores de forma pesada, mas há nichos de produção que continuaram funcionando bem, como setores industriais com presença no setor global. O setor público, em tempos de crise, foi massacrado, com campanhas que se dirigiam aos italianos como se isso fosse uma perda”, afirma Nino.
Artur Henrique faz uma comparação dessa situação com o clima vivido pela sociedade brasileira diante das privatizações aplicadas aqui na década de 1990. “Apareciam comerciais na televisão representando as estatais como elefantes, lentas e grandes. Uma empresa que gastava muito e fazia muito pouco. Portanto, os trabalhadores das empresas do serviço público eram o principal problema que precisava se resolver no Brasil, diminuindo o papel do estado na economia.”
“Essas políticas hostis nos impediram de realizar uma reforma profunda que desse importância a máquina pública”, completa Nino.
Para Patrícia Toledo Pelatieri, do Dieese, a crise afetou São Paulo de maneira diferente. A capital paulista representa 5% da população de todo o Brasil e o Estado de São Paulo, com mais de 42 milhões de habitantes, aglomera em torno de 25% de toda a população brasileira. O PIB do estado é um terço do Produto Interno Bruto (PIB) nacional.
Como efeito da crise, o formato como o emprego está se criando em São Paulo e o perfil do trabalhadores estão mudando. “Hoje, há um aumento de pessoas que trabalham de forma autônoma, o que tem tem esgotado ou reduzido muito a representatividade sindical desses trabalhadores”, afirma Patrícia. Houve uma queda de 20% do poder de compra dos trabalhadores, mesmo com todas as medidas de incentivo da economia.
Em 2010, muitas mulheres deixaram o mercado de trabalho e quando se está em um momento de crescimento econômico a possibilidade da reduzir as diferenças salariais entre homens e mulheres é maior. “Atualmente elas recebem 77% do que ganham os homens. A tendência é que essa diferença, que já é muito grande no Brasil, volte a aumentar”, afirma a técnica do Dieese.
“A taxa de desemprego vinha caindo desde 2003, com uma geração nova sendo absorvida pelo mercado de trabalho. Em 2013, o emprego começa a sentir os efeitos da crise e pode ser que quando isso acontecer a retomada para 2013 já pode estar perdida” completa Patrícia.
Representantes dos setores metalúrgico, químico, de serviços, educação, saúde e financeiro compareceram no evento, que faz parte do termo de cooperação técnica, firmado em setembro de 2012 entre a CUT e a CGIL, cujo objetivo principal é fortalecer os laços históricos de amizade entre os trabalhadores brasileiros e italianos e suas organizações sindicais.
“Essa troca de experiências entre trabalhadores de diversos setores é fundamental para fortalecermos a luta dos trabalhadores no Brasil e no mundo”, afirma o presidente da CUT paulista, Adi dos Santos Lima.
“Precisamos elevar o padrão de vida e qualidade do trabalho e direitos dos trabalhadores em todo o mundo para que não se tenha a tentativa de reduzir por baixo. Queremos igualar, pelas melhores condições, pelo teto, e não pelas piores, que é o que vem sendo feito em nome da competitividade.”, completa Artur, da CUT.
Exclusão social
Na Europa, existem cerca de 115 milhões de pessoas em risco de exclusão social. Em países como a Grécia e Espanha o desemprego entre jovens superou 50%. Aumenta o número de pessoas que desenvolvem trabalho precário – trabalhos realizados em um único dia. As afirmações são do secretário-geral da CGIL de Milão, de Graziano Gorla.
A percepção da crise nos continentes das Américas e da Europa foi tema da segunda mesa de debates do seminário, que também trouxe a participação do diretor executivo da CUT Julio Turra, para quem a política de valorização do salário mínimo defendeu até o momento o Brasil dos efeitos da crise econômica.
“É uma crise que já vem se arrastando há algum tempo, e esse é um processo mundial. Hoje o centro da crise está instalado nos chamados países industrializados, nos Estados Unidos, que está ainda está gatinhando para sair dela, e fundamentalmente nos países da União Europeia. A crise não poupou nenhuma região do planeta. Dificilmente podemos explicar os acontecimentos nos países do norte da África sem relacionar com a crise econômica estrutural. Não é uma crise modelo, mas uma crise de civilização”, afirma Turra.
Graziano Gorla acredita que a crise vai aumentar o trabalho clandestino. “Já existem empresas que contrataram um funcionário para trabalhar meio período, mas essas pessoas estão trabalhando período integral”, aponta.
“Os efeitos da crise econômica ferem nossa consciência civil, mas deve encorajar todos a sustentar o valor do trabalho. Alguns reduziram seus salários para que outros não perdessem seus empregos. Quando não há trabalho pode se distribuir o trabalho que existe, porque sem trabalho não há dignidade. Em dificuldade temos que ser solidários”, completa Gorla.
Por Viviane Claudino, da Rede Brasil Atual