Sinpro Goiás: Novo ensino médio
O Sindicato dos Professores do Estado de Goiás (Sinpro Goiás), atendendo à solicitação da categoria docente por ele representada, apresenta suas considerações a respeito do Novo Ensino Médio, a ser implementado ao sistema educativo nacional por força da Lei nº 13.415/2017, que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e estabeleceu uma mudança significativa na estrutura do ensino médio.
1 – Dos objetivos antidemocráticos da reforma do ensino médio, na contramão do que preconiza a Constituição Federal (CF).
O “novo” ensino médio- que, em verdade, exala apenas acentuado cheiro de passado, de Lei N. 7044/1982-, aprovado Lei N. 13415/2017, será progressivamente implantado, de forma obrigatória, no período de 2022 a 2024.
Para corroborar a assertiva de que o “novo” ensino médio representa volta ao passado de triste memória, ainda sob a égide da ditadura militar, traz-se, aqui, excerto da “Nota de Repúdio às Novas Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Profissional e Tecnológica (DCNEPT – Resolução CNE/CP n0 01-2021)”, assinada por mais de quatro dezenas de entidades e movimentos ligados à educação, dentre os quais sobressaem a ANFOPE – ASSOCIAÇÃO NACIONAL PELA FORMAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO, ANPED, CAMPANHA NACIONAL PELO DIREITO À EDUCAÇÃO e CNTE – CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES DA EDUCAÇÃO, assim exarado:
“A contrarreforma do ensino médio em seu conjunto, e, em particular, das DCNEPT (nesta análise também se inclui o Relatório do Parecer CNE/CP n0 17/2020, que deu origem a essas diretrizes), pode ser sintetizada pelo direcionamento a uma completa fragmentação da etapa final da educação básica, privando os filhos da classe trabalhadora mais empobrecida do acesso aos conhecimentos produzidos e acumulados pela humanidade e, ao mesmo tempo, promovendo sua privatização via parceria público-privado que, na prática transfere recursos públicos à iniciativa privada para que ela, de um lado, defina a concepção de ensino e, de outro, oferte ou gerencie (administre, avalie e controle) a educação que será proporcionada à população”.
2 – Da redução do conceito, dos princípios e das finalidades do ensino médio
O Art. 35-A, da Lei N. 9394/1994- LDB-, acrescido pela Lei N. 13415/2017, atribui competência ao Conselho Nacional de Educação (CNE) para baixar diretrizes sobre a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), definindo “direitos e objetivos da aprendizagem no ensino médio”, abrangendo as seguintes áreas de conhecimento: I – linguagens e suas tecnologias; II – matemática e suas tecnologias; III – ciências da natureza e suas tecnologias; IV – ciências humanas e sociais aplicadas”.
Essa competência deu ensejo à Resolução CNE 3, de novembro de 2018, que “Atualiza as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio”; no bojo essa atualização, alteraram-se o conceito e a finalidade dessa etapa da educação básica, como se colhe do cotejo entre seu Art. 17 com o 35, da LDB, que não foi modificado pela Lei N. 13415/2017.
Eis o que dizem os artigos sob referência:
I – Resolução CNE 3/2018:
“Art. 17. O ensino médio, etapa final da educação básica, concebida como conjunto orgânico, sequencial e articulado, deve assegurar sua função formativa para todos os estudantes, sejam adolescentes, jovens ou adultos, mediante diferentes formas de oferta e organização”.
II – LDB:
“Art. 35. O ensino médio, etapa final da educação básica, com duração mínima de três anos, terá como finalidades:
I – a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos;
II – a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores;
III – o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico;
IV – a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina”.
Como se vê, tomando-se como parâmetro o Art. 17, da Resolução CNE N. 3/2018, o “novo” ensino médio está na contramão dos objetivos constitucionais, dispostos no Art. 205, da Constituição Federal (CF), e que não se incompatibilizam com o que dispõe o Art. 35, da LDB.
3 – Das autorizadas e nada garantistas modificações nos contratos de trabalho docente
Os Arts. 35-A e 36, da LDB- com a redação dada pela Lei N. 13415/2017- e o 17, da Resolução CNE N. 3/2018, em seus parágrafos, abrem largos para que se promovam profundas modificações no trabalho docente, quer no aspecto pedagógico, quer nos contratos de trabalho, que tendem à mais profunda precarização de suas condições, em dimensão nunca vista, no âmbito da educação básica.
Eis o que dispõem os artigos e §§ sob referência:
Art. 35-A. A Base Nacional Comum Curricular definirá direitos e objetivos de aprendizagem do ensino médio, conforme diretrizes do Conselho Nacional de Educação, nas seguintes áreas do conhecimento:
I – linguagens e suas tecnologias;
II – matemática e suas tecnologias;
III – ciências da natureza e suas tecnologias;
IV – ciências humanas e sociais aplicadas.
…
§ 2º A Base Nacional Comum Curricular referente ao ensino médio incluirá obrigatoriamente estudos e práticas de educação física, arte, sociologia e filosofia.
§ 3º O ensino da língua portuguesa e da matemática será obrigatório nos três anos do ensino médio, assegurada às comunidades indígenas, também, a utilização das respectivas línguas maternas.
§ 4º Os currículos do ensino médio incluirão, obrigatoriamente, o estudo da língua inglesa e poderão ofertar outras línguas estrangeiras, em caráter optativo, preferencialmente o espanhol, de acordo com a disponibilidade de oferta, locais e horários definidos pelos sistemas de ensino.
§ 5º A carga horária destinada ao cumprimento da Base Nacional Comum Curricular não poderá ser superior a mil e oitocentas horas do total da carga horária do ensino médio, de acordo com a definição dos sistemas de ensino.
Art. 36.
…..
§ 11. Para efeito de cumprimento das exigências curriculares do ensino médio, os sistemas de ensino poderão reconhecer competências e firmar convênios com instituições de educação a distância com notório reconhecimento, mediante as seguintes formas de comprovação:
I – demonstração prática;
II – experiência de trabalho supervisionado ou outra experiência adquirida fora do ambiente escolar;
III – atividades de educação técnica oferecidas em outras instituições de ensino credenciadas;
IV – cursos oferecidos por centros ou programas ocupacionais;
V – estudos realizados em instituições de ensino nacionais ou estrangeiras;
VI – cursos realizados por meio de educação a distância ou educação presencial mediada por tecnologias!
Art. 17, da Resolução CNE N. 3/2018:
“§ 1º O ensino médio pode organizar-se em tempos escolares no formato de séries anuais, períodos semestrais, ciclos, módulos, sistema de créditos, alternância regular de períodos de estudos, grupos não seriados, com base na idade, na competência e em outros critérios, ou por forma diversa de organização, sempre que o interesse do processo de aprendizagem assim o recomendar.
§ 2º No ensino médio diurno, a duração mínima é de 3 (três) anos, com carga horária mínima total de 2.400 (duas mil e quatrocentas) horas, tendo como referência uma carga horária anual de 800 (oitocentas) horas, distribuídas em, pelo menos, 200 (duzentos) dias de efetivo trabalho escolar, considerando que:
I – a carga horária total deve ser ampliada para 3.000 (três mil) horas até o início do ano letivo de 2022;
II – a carga horária anual total deve ser ampliada progressivamente para 1.400 (um mil e quatrocentas) horas.
§ 3º No ensino médio noturno, adequado às condições do estudante e respeitados o mínimo de 200 (duzentos) dias letivos e 800 (oitocentas) horas anuais, a proposta pedagógica deve atender, com qualidade, a sua singularidade, especificando uma organização curricular e metodológica diferenciada, e pode, para garantir a permanência e o êxito destes estudantes, ampliar a duração do curso para mais de 3 (três) anos, com menor carga horária diária e anual, garantido o total mínimo de 2.400 (duas mil e quatrocentas) horas até 2021 e de 3.000 (três mil) horas a partir do ano letivo de 2022.
§ 5º Na modalidade de educação de jovens e adultos é possível oferecer até 80% (oitenta por cento) de sua carga horária a distância, tanto na formação geral básica quanto nos itinerários formativos do currículo, desde que haja suporte tecnológico – digital ou não – e pedagógico apropriado.
…
§ 7º As áreas do conhecimento podem ser organizadas em unidades curriculares, competências e habilidades, unidades de estudo, módulos, atividades, práticas e projetos contextualizados ou diversamente articuladores de saberes, desenvolvimento transversal ou transdisciplinar de temas ou outras formas de organização.
….
§ 12. Para efeito de cumprimento das exigências curriculares do ensino médio, os sistemas de ensino podem estabelecer critérios para que atividades realizadas por seus estudantes em outras instituições, nacionais ou estrangeiras, sejam avaliadas e reconhecidas como parte da carga horária do ensino médio, tanto da formação geral básica quanto dos itinerários formativos.
…
§ 13. As atividades realizadas pelos estudantes, consideradas parte da carga horária do ensino médio, podem ser aulas, cursos, estágios, oficinas, trabalho supervisionado, atividades de extensão, pesquisa de campo, iniciação científica, aprendizagem profissional, participação em trabalhos voluntários e demais atividades com intencionalidade pedagógica orientadas pelos docentes, assim como podem ser realizadas na forma presencial – mediada ou não por tecnologia – ou a distância, inclusive mediante regime de parceria com instituições previamente credenciadas pelo sistema de ensino.
§ 14. As atividades referidas no § 13 devem ter carga horária específica de acordo com critérios previamente definidos pela instituição ou rede de ensino, observadas as normas dos sistemas de ensino e podem ser contabilizadas como certificações complementares e constar do histórico escolar do estudante.
§ 15. As atividades realizadas a distância podem contemplar até 20% (vinte por cento) da carga horária total, podendo incidir tanto na formação geral básica quanto, preferencialmente, nos itinerários formativos do currículo, desde que haja suporte tecnológico – digital ou não – e pedagógico apropriado, necessariamente com acompanhamento/coordenação de docente da unidade escolar onde o estudante está matriculado, podendo a critério dos sistemas de ensino expandir para até 30% (trinta por cento) no ensino médio noturno”.
A partir de 2022, inclusive, a carga horária anual do ensino médio será de, no mínimo, 1000 horas, das quais 600 horas destinam-se à base nacional comum, e 400, aos emblemáticos itinerários formativos; até aqui, a única alteração em relação ao anterior é o acréscimo de 200 horas anuais, destinadas aos itinerários formativos.
4 – Da iminente precarização das condições de trabalho docentes
As incógnitas sobre quais impactos importará aos contratos de trabalho, se avultam na forma de organização, que, nos termos do Art. 17, da Resolução CNE N. 3/2018, pode ser “.. no formato de séries anuais, períodos semestrais, ciclos, módulos, sistema de créditos, alternância regular de períodos de estudos, grupos não seriados..”.
As formas de organização em períodos semestrais, módulos, sistema de créditos e alternância regulares de períodos de estudo, por certo, darão azo a diversas tentativas de busca de precarização dos contratos de trabalho, especialmente por meio de contratação temporária, semestral e/ou meramente modular.
Os tormentos se prenunciam para além dessas precárias formas de contração, basta dizer que, no ensino médio diurno, 600 horas anuais podem ser ofertadas a distancia, inclusive por meio de terceirização; no noturno, 900 horas, do mesmo modo; na educação de jovens e adultos (EJA), 80% da carga total poderá ser ofertado a distância, igualmente, de forma terceirizada.
Da expressa e solene legalização da terceirização no ensino médio decorrem muitos questionamentos, tais como:
I – a contratação será por aula ou por carga horária semanal:
II – qual será o tempo de duração de cada aula?
III – para quantos alunos será ministrada cada aula?
IV – as aulas gravadas poderão ser reproduzidas, de forma ilimitada, para turmas diferente, ou serão vinculadas a turmas específicas?
V – se forem reproduzidas, cada reprodução gerará direito do professor que a gravou a acréscimo na remuneração? Se afirmativa a resposta, quanto? Se negativa, como ficam os direitos autorais, ao uso da voz e da imagem?
VI – se a contratação for aula, qual será o valor de cada um?
Como somente língua portuguesa e matemática são obrigatórias nos três anos do ensino médio, surgem muitas dúvidas sobre como serão desenvolvidas as demais disciplinas, que podem ser concentradas em apena um deles, bem como se isso importará redução do campo de trabalho dos/as professores/as que nelas atuam; e, ainda, sobre as modalidades de contrato que lhe serão ofertadas.
O horizonte que se prenuncia, para além da já discutida precarização das condições de trabalho, é o de forte queda do número de postos de trabalho no ensino médio. Em uma palavra: desemprego.
Amparado pela Lei N. 13415/2017 e pela Resolução CNE N. 3/2018, o Conselho Estadual de Educação de Goiás (CEE), baixou, outubro último, a Resolução CEE N. 7/2021, que “Estabelece normas para oferta do Ensino Médio no âmbito do Sistema Educativo do Estado de Goiás com vistas à implementação da Lei n. 13.415, de 16 de fevereiro de 2017 e aprova o Documento Curricular para Goiás – Etapa Ensino Médio”.
Essa Resolução multiplica as já anotadas incertezas quanto aos contratos de trabalho, por permitirem a oferta de parcela da carga horária “na forma presencial mediada por tecnologia”, sem estabelecer os parâmetros e os limites para tanto; bem assim por autorizar a terceirização- que ela chama de convênio- do quinto itinerário formativo, que é o da educação profissional e tecnológica.
Eis o que dizem os destacados artigos da realçada Resolução de Goiás:
“Art. 14 – Autorizar as instituições que ofertam o Ensino Médio, no âmbito do Sistema Educativo do Estado de Goiás, a incluírem no Projeto Político Pedagógico a previsão de oferta de parte de sua carga horária na forma presencial mediada por tecnologia.
§ 1º – Para a implementação da carga horária presencial mediada por tecnologia é imprescindível a concessão de autorização prévia deste Conselho.
§ 2º – A oferta da educação mediada por tecnologia, para efeitos desta normativa, é delimitada no âmbito do processo de ensino e aprendizagem que possibilite interação entre professores e estudantes, de forma síncrona, ao utilizar instrumentos tecnológicos, interagir entre si, mesmo que estejam em espaços distintos.
§ 3º – Ao analisar o Projeto Político Pedagógico PPP da instituição de ensino que deseja adotar a metodologia presencial mediada por tecnologia o Conselho Estadual de Educação observará:
I – a relação pedagógica apresentada no PPP entre o ensino presencial no formato tradicional e o ensino presencial mediado por tecnologia;
II – a estrutura física e os instrumentos pedagógicos disponibilizados pela instituição de ensino para viabilizar o ensino presencial mediado por tecnologia; III – a formação dos professores para essa oferta.
Art. 16 – Autorizar as instituições de ensino que oferecem o Ensino Médio propedêutico a estabelecerem convênios com instituições de ensino da Educação Profissional com vistas à oferta do quinto itinerário.
§ 1º – Nessa hipótese, a primeira instituição oferecerá a Formação Geral Básica e a segunda, de forma concomitante, o quinto itinerário conforme estabelecido no Projeto Político Pedagógico. § 2º – Neste caso o Diploma a ser emitido será sob a responsabilidade das duas instituições conveniadas que o assinarão conjuntamente.
Art. 17 – Determinar que a instituição de Educação Profissional que venha participar do convênio definido no Artigo anterior, esteja devidamente credenciada pelo Conselho Estadual de Educação para a oferta dessa modalidade de ensino”.
5 – Dos desafios imediatos da categoria docente.
Diante desse cenário nada alvissareiro, urge que a categoria docente, os sindicatos, as federações e a Confederação, representantes dos trabalhadores em estabelecimentos privados de Ensino, promovam, com a maior brevidade possível, seminários, debates e encontros sobre os temas aqui tratados e sobre outros que digam respeito ao “novo” ensino médio, com a finalidade de agir, nos campos que se fizerem necessários, para não permitir que sua implantação seja a mortalha da educação e da profissão docente.
De todo modo, o Sinpro Goiás chama atenção à obrigatoriedade das Instituições de Ensino, de rigorosa observância aos termos e limites dos contratos de trabalho celebrados com os docentes por ela contratados, especialmente no que tange à carga horária contratada.
Nos termos do caput, do Art. 320, da CLT, c/c o 7°, inciso XV, da Constituição Federal (CF), o 7°, da Lei N. 605/1949, e a Súmula N. 351, do TST, a remuneração do professor é ser fixada pelo número de aulas semanais contratadas, e o pagamento faz-se mensalmente, considerando-se, para este efeito, o mês constituído de quatro semanas e meia, e cada uma delas acrescida de 1/6, a título de repouso semanal remunerado (RSR).
Além disso, o cálculo da carga horária desenvolvida deve ser feito levando-se em conta a duração da aula de 50min (cinquenta minutos), nos termos do Art. 92, Parágrafo único, da Lei Complementar Estadual N. 26/98.
O Sinpro Goiás se mantém à disposição da categoria por ele representada, para todas as tratativas que se façam necessárias relacionadas ao tema em debate, nos termos do Art. 8º, inciso III, da CF.
Atenciosamente,
Diretoria Sinpro Goiás