Sinpro Minas: Opinião – Não olhe pra chuva!
É claro que vocês assistiram ao filme Não olhe pra cima! Certamente, também já perceberam que vivemos, tristemente, situações nada engraçadas, porém, na essência, análogas à da comédia. Não me refiro a um cometa colossal, na imensidão do cosmos, vindo de pronto, em ponto de bala para destruir o nosso planeta, mas à metáfora, à fratura exposta, ao coice na cara, explícito na ficção, que abala a realidade, que nos choca, nos entorpece. Lembremo-nos, por isso, da célebre máxima do conservador e moralista Nelson Rodrigues: “os idiotas vão tomar conta do mundo; não pela capacidade, mas pela quantidade. Eles são muitos”.
Muitos de nós observamos o que tem ocorrido com o meio ambiente, alguns temos ciência dos eventos climáticos extremos que acontecem em inúmeros locais da nossa Terra. Poucos analisamos o que os cientistas da área têm afirmado há décadas. Há décadas! E daí?
Infelizmente, pouquíssimos governantes da nossa aldeia global e pequena parte da população planetária (não tenho estatísticas sobre isso e nem sei se existem) damos credibilidade aos cientistas, ambientalistas, ecologistas e aos indígenas, aos povos originários, com sua sabedoria ancestral e às respostas drásticas da própria natureza. E a mãe-natureza não nos perdoa. Ela é mãe, madrasta ou somos filhos desnaturados? Somos.
As tragédias naturais não são assim tão “naturais”, são consequência direta da ação predatória humana, da nossa imensa e infindável competência de gerar lixo e poluição crescentemente e da nossa imanente capacidade de destruir o meio ambiente e, consequentemente, a vida no globo terrestre. E não há a mínima possibilidade de, em tempo hábil, nos tornarmos mochileiros da galáxia. Nem com a ajuda da Física, nem com a mais avançada das mais avançadas das tecnologias. E não é preciso um índio dizer o óbvio que virá. Está vindo.
Neste mesmo instante, o Rio Grande do Sul tem cerca de 85% dos seus municípios atingidos pelas enchentes. A chuva ainda a chover, o povo a chorar, a orar e os rios a transbordar muito acima das piores enchentes já ocorridas. Desaparecidos e mortos talvez ultrapassem as centenas! Mas nada substitui uma única vida perdida. Nada. A indústria, o comércio, as plantações, tudo arrasado! Faltam água potável, alimentos, medicamentos e energia elétrica. Estradas destruídas isolam municípios. Caos à espera de redenção, salvação. Virá um dia uma solução definitiva? Virá?
Altas autoridades de todas as esferas (municipais, estaduais e federais), que (quase sempre) ignoram as advertências dos cientistas e ecologistas (sobre a crise climática, o efeito estufa, o excesso de poluição no ar aquecendo a atmosfera e os oceanos, o derretimento das geleiras polares, a destruição das florestas, o aquecimento global, a desertificação, o extermínio de várias espécies animais e vegetais) e procuram minimizar suas culpas diante de eventos climáticos extremos como este que aflige quase a totalidade da população gaúcha.
Digam-nos, reles mortais, quem violou as leis ambientais de proteção ao meio ambiente? Quem é ou são os culpados? Estavam à mando do Deus Mercado? A caça às bruxas ou aos bruxos vai solucionar o problema? Os culpados serão exemplarmente punidos? Porém, essa punição jamais trará vidas de volta. E nada jamais será como antes para os gaúchos que estão “no olho do furacão”. Infelizmente, os princípios do desenvolvimento sustentável continuam sendo rejeitados ou simplesmente negados. Não é ou não é?
Boa parte dos brasileiros nos solidarizamos e nos mobilizamos em todo o país: toneladas e mais toneladas de alimentos, água mineral, roupas, alimentos, medicamentos, são transportados pro RS; inúmeras pessoas foram e estão por lá pra ajudar; governantes incumbiram e municiaram muitas equipes para lá se encaminharem; barcos, helicópteros e até navio que funciona como um hospital; civis e militares, pessoas físicas e jurídicas. Pessoas verdadeiramente humanas e solidárias têm feito o possível e até o impossível para amenizar a dor, o sofrimento, as perdas (muitas irreparáveis) dos gaúchos.
No meio de tanta solidariedade, também há os sem noção, sem coração, sem caráter ou, no mínimo, sem empatia pelo próximo, que criam fake news, termo que suaviza o verdadeiro nome das mentiras, e as disseminam na velocidade da luz, com a finalidade política mesquinha de atingir este ou aquele governante. E pioram a situação dos rio-grandenses. E um governante a pedir pra não mais enviarem doações para não atrapalhar o comércio local. Indesculpável.
É inacreditável que num momento tão triste, de tanto sofrimento, haja quem se preocupe em “lacrar”, muito mais do que em ajudar, muito mais do que se solidarizar. Que seres humanos são esses? Aliás, são verdadeiramente “humanos”? Os monstros são insensíveis. Há os que afirmam que na guerra e na política vale tudo, mas estes não valem nada.
Agora, neste instante, há muito dinheiro disponível para a reconstrução do estado sulino, o gov. federal disponibiliza mais de 72 bilhões para o Rio Grande Sul, até o Banco dos Brics dispôs 5,75 bilhões. Além disso, mais de 20 mil profissionais atuam diretamente no auxílio ao estado gaúcho. Realmente é muito dinheiro e muita gente envolvida, mobilizada.
E assim como a chover no molhado, cheio de lágrimas derramadas, ficam no ar, porém, algumas perguntas: quanto teria custado impedir que esta tragédia ocorresse? Quanto custaria não deixar “passar a boiada” do desmantelamento das leis ambientais? Quanto custaria manter florestas intactas, mananciais jorrando água pura? Quanto custaria destruir menos a natureza? Quanto custaria a alegria de se ter um povo feliz, em sua casa, em cidades não inundadas pra morar? A vida viva no planeta não tem preço. Não culpem a chuva.
Aerton de Paulo Silva, diretor do Sinpro Minas, sede Varginha.
Aerton de Paulo Silva é professor de Literatura, poeta de gaveta, eterno amante de vários idiomas e vive divagando, no mundo da lua (talvez seja um astronauta e nem saiba disso).