Sinpro Minas: Weintraub vai acelerar a privatização da educação brasileira, avalia Daniel Cara
Por Denilson Cajazeiro
O novo ministro da Educação, Abraham Weintraub, será pior que o seu antecessor, o colombiano Ricardo Vélez. Essa é a avaliação feita pelo doutorando em Educação pela USP (Universidade de São Paulo) e cientista político Daniel Cara, coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.
Em entrevista ao Sinpro Minas, Cara afirmou que a gestão de Weintraub vai se pautar pela agenda conservadora e por cortes de recursos na área. “Ele vai acelerar a privatização da educação, ao mesmo tempo que vai fortalecer a pauta ultrarreacionária – que é o que vai gerar um vínculo estrutural entre ele, o Olavo de Carvalho e os filhos do Bolsonaro. Essa é a estratégia dele. Ele é mais perigoso. O Vélez era péssimo, e ele é pior que o Vélez”, disse Daniel Cara.
Weintraub foi indicado para o cargo no dia 8 de abril, após a demissão de Ricardo Vélez, cuja gestão foi marcada por polêmicas, recuos, exonerações e ausência de projetos, o que resultou na paralisação do Ministério da Educação.
Economista, com passagem pelo Banco Votorantim e pelo mercado financeiro, Abraham Weintraub já atuava no governo, na função de secretário-executivo da Casa Civil, em defesa da reforma da Previdência.
Confira abaixo a entrevista.
Sinpro Minas – Qual a sua expectativa com o novo ministro da Educação, Abraham Weintraub?
Daniel Cara – Ele é um ministro do governo Bolsonaro. Ele já avisou que, diante de uma posição do presidente em que ele tenha divergência, ele tem a opção de sair do cargo ou obedecer, e que ele prefere obedecer. O resultado é que esse ministro vai endossar que é necessário cortar recursos da área, que é o que tem sido falado pelo próprio Bolsonaro, e o que tem sido feito em termos de execução orçamentária. Os primeiros dados já chegam e a execução orçamentária tanto do Ministério da Educação quanto do Ministério da Saúde está aquém daquilo que vinha sendo praticado por outros governos. Então vai ser um ministro de corte de recursos de uma área que na verdade deveria ter aumento de investimentos. E o que vai sobrar em termos de política educacional é a guerra cultural dos seguidores do Olavo de Carvalho, que mais uma vez indica e fortalece um ministro perante o governo Bolsonaro. É um ministro “olavista”. Então a expectativa é ruim.
SM – Em termos de concepção de educação, o que você acha que ele pode implementar na pasta? Muito se falou na grande imprensa que ele é uma figura que veio do mercado financeiro.
Sim. Ele veio do mercado financeiro e é uma figura marcada pelo ressentimento. Tem ressentimentos com o mercado financeiro, tem ressentimentos com a Universidade – a experiência universitária dele não foi boa. Já no mercado financeiro, por ele ser um “teórico da conspiração”, também não teve uma vida fácil. Ele se aproxima do Paulo Guedes [ministro da Economia] por ser ultraliberal. Com Olavo de Carvalho, ele já tinha uma relação anterior.
É um ministro que tem apontado um caminho que é o do Paulo Guedes. Qual seria? Se tem que diminuir o recurso, privatiza o serviço público. O Paulo Guedes, quando se pronunciou sobre educação básica, e superior também, antes mesmo das eleições, ele sempre disse que o modelo que ele considera ideal é dos vouchers. O Abraham é uma pessoa que não tem ideias próprias. Pega ideias do Olavo de Carvalho, do Paulo Guedes, e eu imagino que ele vai perseguir esse caminho. Então, em relação à oferta de matrículas, privatizar. Em relação ao projeto de educação, fazer a guerra cultural olavista.
O que é essa guerra cultural olavista? É uma guerra cultural de estratégia fascista em que eles criaram um rótulo irreal, que é o do dito “marxismo cultural”, e acusam as pessoas de praticá-lo. O que eles estão fazendo de fato, como Hitler e Mussolini fizeram, é criar o “demônio”, que é o “marxismo cultural”, rotulam as pessoas e as tiram do debate. Tirar não só em termos físicos – o que pode ser também – mas mais no sentido de desqualificar, de tentar perseguir as pessoas que discordam deles no debate.
Qual o objetivo da guerra cultural? É subsidiar eleitoralmente a extrema-direita. A questão sempre é a disputa de poder, e a gente precisa compreender a educação como parte da disputa de poder. Muitas vezes as pessoas pensam que a educação vive uma realidade própria, desvinculada daquilo que inerente à sociedade, que é a disputa de poder.
SM – Mas o ministro da Educação anterior, o Ricardo Vélez, seguiu essa estratégia durante três meses e foi muito criticado. Você acha que a continuidade dessa estratégia vai dar certo com esse novo ministro?
O Vélez tinha, entre todos os defeitos, uma qualidade: ele fechou as portas para instituições, movimentos e fundações empresariais. Nenhum outro ministro, desde a época do governo Fernando Henrique Cardoso, tinha feito isso. O Vélez foi pra guerra cultural olavista de peito aberto, tentando compor entre Olavo de Carvalho e os militares. O que não deu certo. Ele acabou não tendo base de sustentação dentro do bolsonarismo e também não tinha diálogo com nenhum outro ator na área.
O que o Weintraub está fazendo? Ele demonstra, não sabemos se vai conseguir, tentar uma relação entre Paulo Guedes e Olavo de Carvalho – o ultrarreacionarismo de Olavo com o ultraliberalismo de Guedes –, e vai abrir espaço para os empresários da educação, institutos e fundações empresariais. Então o Todos pela Educação, Fundação Lemann, Instituto Unibanco, Instituto Natura, entre outros, já estão buscando agenda com ele.
E ao mesmo tempo se sabe que as grandes corporações de educação superior privada também já estão buscando alianças. A maior prova disso é que ele está trazendo para a Secretaria de Regulação de Ensino Superior um homem que veio do governo Temer. Ele está fazendo uma aliança porque, se ele perder base de sustentação no bolsonarismo, como aconteceu com o Vélez, ele pode cair. Então, na lógica empresarial de educação ele vai ter um ponto de sustentação.
O que eu posso dizer de maneira bem clara é que, se o Vélez era ruim pela incompetência e pela falta de noção, esse é pior porque é competente para um projeto que vai prejudicar o direito à educação no Brasil.
SM – Vai acelerar o processo de privatização da educação pública brasileira?
É sempre bom lembrar: não é só a privatização. Ele vai acelerar a privatização da educação, ao mesmo tempo que vai fortalecer a pauta ultrarreacionária – que é o que vai gerar um vínculo estrutural entre ele e o Olavo de Carvalho e os filhos do Bolsonaro. Essa é a estratégia dele. Ele é mais perigoso. O Vélez era péssimo. E ele é pior que o Vélez.
SM – Em termos práticos, quais as consequências para os milhões de alunos de escolas e universidades públicas?
As universidades rapidamente vão ficar mais precarizadas, principalmente as federais, do que era na época FHC, quando você não tinha papel higiênico nos banheiros nem luz elétrica nas universidades federais, muitas vezes. Especialmente aquelas que ficam fora dos grandes centros.
Em relação à educação básica: os programas de alimentação e transporte escolar, os programas de transferência da União para estados e municípios vão ser paralisados. Com isso, o que vai acontecer? As crianças não terão alimentação escolar, transporte. E tão grave quanto essas faltas, as crianças que estão fora da escola, especialmente da educação infantil, não vão ter acesso à escola, pois a expansão da educação infantil depende de programa do governo federal, de um pacto feito entre governo federal e municípios. A obrigação é do município, mas o governo federal é que tem recurso para colaborar com a expansão.
Em relação à tendência na resposta ao caos que vai se instalar, ele vai tender para o caminho da privatização. Vai sucatear a educação para dizer que é impossível dar conta das demandas da área, e isso vai ser o caminho pra privatizar, dizer que quem vai solucionar o problema é o setor privado.
Em relação ao cotidiano de sala de aula, a gente vai ter os professores amedrontados no Brasil. Por quê? Porque esse é o ministro do Escola sem Partido. Ele é pautado pela Teoria da Conspiração. Depois de demitido do Banco Votorantim, disse que lá todo mundo era comunista. Ora, se banqueiro for comunista eu rasgo meu diploma de Ciências Sociais. Não dá pra ser banqueiro e comunista, né? Todo mundo que é adversário dele e que não dá atenção a ele é comunista. E é bom ressaltar que ser comunista de forma alguma é um defeito. Na minha opinião é qualidade. Mas, quando ele fala que a outra pessoa é comunista, ele quer na verdade ofender a pessoa.
SM – E essa questão de privatização nas universidades inclui a proposta de cobrança de mensalidades, que chegou a ser aventada pela equipe econômica atual durante a campanha?
DC – Essa é uma estratégia. E essa eles vão tratar como sendo uma alternativa menos pior, porque a expectativa deles é a privatização, é o voucher, é entregar a administração das universidades para o setor privado. O objetivo mais íntimo deles é a privatização do ensino, da educação básica ao ensino superior.
SM – Sobre a questão de investir na educação, o próprio Bolsonaro já deu uma declaração nas redes sociais, dizendo que o país gasta muito no setor. No entanto, há muitas pesquisas que apontam o contrário, não é?
DC – Na verdade, a própria OCDE [Organização para o Comércio e o Desenvolvimento Econômico], organismo internacional que é chamado “Clube dos Ricos”, considera que o Brasil investe muito pouco em educação, naquilo que é essencial, que é o valor aluno/ano, o investimento para manter a matrícula do aluno ao ano. Por esse critério, o Brasil investe cerca de um terço a um quinto dos países desenvolvidos. Ou seja, a educação da criança brasileira custa cerca de três vezes menos que a educação da criança japonesa, cinco vezes menos que a da criança da Europa Ocidental.
Isso demonstra o fato de que o Brasil acredita pouco nas suas crianças e nos seus adolescentes. Desse jeito, o país vai continuar sendo desigual. E esse governo é o governo da desigualdade. Ainda pior: esse é o governo da naturalização da desigualdade. Ele vai dizer que a desigualdade é natural, algo que não aconteceu em nenhum outro governo democrático do período recente, a partir de 1988. Mesmo o programa neoliberal do FHC não era tão cínico como o programa ultraliberal do Paulo Guedes e do Bolsonaro.
A tristeza é ver o Brasil entregue a esse poder. E o Brasil não pode se entregar. Precisa reagir e impor limites democráticos institucionais a um governo que na realidade representa um retrocesso de no mínimo uns cem anos.
SM – Como resistir a esse projeto que está colocado na área da educação brasileira?
DC – Pra quem é profissional da educação, a resistência não é uma convicção. Ela é uma atitude cotidiana. A gente resiste desde o momento que pisa na escola, porque as condições de trabalho são ruins. No setor privado, a exploração do trabalho é flagrante, o desrespeito em relação ao trabalho dos educadores na sociedade brasileira é enorme. E o que significa resistir? Significa não aceitar as medidas que são propostas por um governo antidemocrático e antipedagógico, um governo que acredita que um militar das Forças Armadas é melhor educador que um professor. Isso é um absurdo. Então a gente tem de praticar a desobediência civil. No nosso caso, é nada mais que defender aquilo que o Bolsonaro deveria respeitar mas não respeita, que é a Constituição. Para os estudantes, tem que ser feito o que muito pontualmente é realizado – uma aliança entre estudantes e professores. A luta pelo direito à educação tem que envolver os dois sujeitos do processo de ensino-aprendizagem. Se defendermos o direito à educação pelo ponto de vista só do professor, estaremos dando conta apenas de metade da realidade. Por isso o Escola sem Partido é tão feroz e perigoso. Pois ele de fato divide professor e aluno.