Sinpro/RS: Educação e ética no contexto do coronavírus

Neste confinamento residencial forçado, muitos não sabem o que fazer. Eu, além das aulas em plataformas digitais, leituras e reuniões virtuais, resolvi antecipar este artigo porque senti a necessidade de escrever e dialogar com vocês.

Reconheço que é prematuro qualquer juízo, mas estas semanas já nos revelaram fatos e atos humanos cabíveis de reflexões como é a tradição da educação e da ética, áreas que atuo como docente. A ética se revela nos atos morais e a educação demonstra que sociedade estamos construindo.

Partindo de Edgar Morin, que sugere que “a contenção pode nos ajudar a desintoxicar nosso modo de vida”, almejo, que esta experiência de “ficar em casa”, nos transforme em seres humanos melhores, capazes de repensar quem somos, que vida estamos vivendo e que mundo estamos construindo para quem fica e para as futuras gerações.

As ciências humanas já demonstram que o comportamento humano é múltiplo e ambíguo, como é a condição humana. Nossa “animalidade e a humanidade constituem, juntas, nossa condição humana” dizia Morin. Uns se dedicam a ajudar e salvar o próximo, outros egoisticamente se protegem fazendo estoques de alimentos e remédios desnecessários, buscando “salvar sua pele” em detrimento dos que não tem tal condição.

As estratégias institucionais de empresas e organizações, também, por sua vez, são diferenciadas, na medida que enquanto uns preocupam-se apenas com os prováveis prejuízos econômicos, outros, em minoria, realizam doações de recursos e equipamentos para prevenir e atender as demandas dos hospitais e rede pública de saúde.

Oportunistas e vigaristas sempre se aproveitam de tragédias coletivas para levar vantagens. Estes precisam ser coibidos e punidos com o rigor necessário.

Mas, o que a atual contexto nos ensina?

Pesquisam nacionais e internacionais demonstram que, nós brasileiros, confiamos pouco nas nossas autoridades e temos uma das piores percepções da nossa realidade. A reações e manifestações iniciais sobre a epidemia estão aí para comprovar.

Para Yuval Harari, enfrentamos neste momento uma crise humanitária aguda, não apenas contra o coronavírus, mas, também, devido à falta de confiança entre os seres humanos.

Para agravar, políticos irresponsáveis minaram deliberadamente a confiança na ciência, nas autoridades públicas e na cooperação internacional e nacional.

Ninguém confia em ninguém. Alguns negam-se a aprender com a experiência dos outros e desprezam a colaboração entre nações. Como consequência, estamos enfrentando esta crise desprovidos de lideranças, de confiança no outro e de cooperação global.

Porém, usualmente repetimos que toda crise é uma oportunidade de aprendermos algo. Crises ensinam aos que estão abertos a aprender. Acredito que muitos já estão pensando e reconhecendo que precisaremos mudar não somente nossas prioridades de vida, mas também comprometer-se com um outro mundo.

Outra ética global

Movimentos Socais no começo do século XXI apregoavam que “Outro mundo é possível”, ao qual acrescentamos que uma outra “Ética global é necessária”, baseada na cooperação internacional, no compartilhamento de informações científicas confiáveis e, na solidariedade internacional.

Para muitos de nós, este ideal civilizatório é utópico. E é. Mas todos precisamos de uma utopia, um novo ideal comum até porque a atual crise é planetária e atingirá todos. Ninguém salvar-se-á individualmente. Para uma mudança ampla, esforços globais deverão ser planejados.

Porém, concomitante, devemos começar com ações individuais e entre colegas, vizinhos, comunidades locais e regionais. Vamos compartilhar solidariedade e cooperação e praticarmos mais o altruísmo humano. Evitar o estoque de alimentos, remédios, álcool e máscaras em nossos lares já é uma ação humanitária. O mercado deve evitar a exploração com a majoração dos preços no cenário de crise e calamidade pública.

A solução é coletiva e nossa vida será preservada se unirmos esforços da esfera pública, da sociedade (incluindo empresas e comércio) e de cada um de nós.

O filósofo Epicuro já alertava que entre os desejos humanos há os que são naturais e necessários; outros, que não são nem naturais nem necessários e, ainda os que não são nem naturais nem necessários, pois originam-se de uma va opinião.

A reflexão filosófica epicurista nos convida a repensar o que é efetivamente essencial e o que é desejo produzido por um modo de vida alicerçado na vontade egoísta. Ele próprio foi viver com os amigos em um Jardim (casa) para compartilhar a vida com os outros, com amizade, liberdade e conhecimento.

Inteligência coletiva

A Ética também “busca a identificação de comportamentos adequados, mas não na intimidade da consciência particular de cada um, e sim no coletivo, no debate, na discussão, na argumentação. ‘Ética é vergonha na cara’, é a inteligência compartilhada a serviço da convivência. É resultado da intervenção da inteligência coletiva com vistas a limitar a conduta de cada um visando proteger o bem maior, que é a convivência sadia e harmônica entre todos”.

Para Peter Singer, a Ética é relativa à sociedade que se vive e se se fundamenta num ponto de vista universal (o que não significa que um juízo ético particular deva ser universalmente aplicável).

Portanto, a ética é um produto da vida social que tem a função de promover valores comuns aos membros da sociedade e exige que extrapolemos o “eu” e o “você” e cheguemos a propósitos universais.

Por esta razão é que a Ética “busca a identificação de comportamentos adequados, mas não na intimidade da consciência particular de cada um, e sim no coletivo, no debate, na discussão, na argumentação. ‘Ética é vergonha na cara’, é a inteligência compartilhada a serviço da convivência. É resultado da intervenção da inteligência coletiva com vistas a limitar a conduta de cada um visando proteger o bem maior, que é a convivência sadia e harmônica entre todos”, complementa Clovis Barros.

Leonardo Boff propõe para estes tempos uma fábula-mito. É a fábula-mito do cuidado. É no cuidado que vamos encontrar o Ethos (ética) necessário para a sociabilidade humana, principalmente, para identificar a essência frontal do ser humano, do homem e mulher. Ethos expressa o conjunto de inspirações, de valores e princípios que orientarão as relações humanas para com a natureza, para com a sociedade, para com as alteridades, para consigo mesmo e para com o sentido transcendente da existência.

A epidemia é, também, consequência do modelo de civilização, da forma de vida e da destruição da natureza que praticamos. Se persistirmos nesta lógica e nesta intensidade, estes fenômenos serão mais frequentes e devastadores que o que se apresenta agora. Enquanto espécie, com suposta capacidade de usarmos nossa inteligência coletiva em prol do bem comum, é urgente um repensar-se e pensar uma nova forma de viver na Terra.

A decisão é nossa. A educação é um caminho para aprendermos juntos, para fazermos escolhas de governos com legitimidade, liderança, sabedoria e comprometimento com uma outra ordem mundial onde o centro sejam as pessoas e não o mercado. Educação para a vida, educação ambiental e educação humanizadora devem anteceder a escolarização para o sucesso individual e profissional.

Fique em casa. Pense!

Do jornal Extra Classe, do Sinpro/RS

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