Sinpro/RS: Formação de professores e a EaD

O Censo da Educação Superior 2017, divulgado recentemente pelo Inep/MEC, confirma a tendência da expansão da educação superior na modalidade a distância nos termos do Decreto nº 9.057/2017, editado em 2017, flexibilizando e facilitando a oferta sem garantia de padrão de qualidade e sem mecanismos de fiscalização.

Em 2007, a modalidade a distância representava 7,0% das matrículas de graduação. Em 2017, a EaD aumentou 17,6% e já atende mais de 1,7 milhão de alunos, o que representa uma participação de 21,2% dos alunos de graduação no país, enquanto a modalidade presencial apresenta o segundo ano de queda no número de matrículas. Em dez anos, o crescimento dos ingressantes em EaD foi de 226%, contra 19% da modalidade presencial. A rede privada, que conta com mais de 6,2 milhões de alunos (75.3%), é a maior ofertante da educação na EaD.

Essa expansão da EaD está concentrada em dois graus acadêmicos: Cursos Superiores de Tecnologia (Tecnólogos) e Cursos de Licenciaturas. Os cursos tecnológicos aumentaram em 5,6% em 2017, fenômeno ocasionado, principalmente, pela variação positiva registrada na modalidade EaD. No período de 2007 a 2017 o número de matrículas em cursos de graduação tecnológicos cresceu mais de 140%. Oito em cada dez alunos de cursos tecnológicos frequentam a rede privada e mais da metade dos ingressantes estuda a distância. A rede pública tem pouco mais de 160 mil alunos. Com uma participação de 51,7%, os governos estaduais dividem com a União (46,7%) o atendimento desses alunos. Diferente da rede privada, na rede pública a maior parte dos alunos estuda em cursos presenciais.

Os cursos de licenciaturas – formação de professores – têm 1.589.440 alunos matriculados em 2017, o que representa 19,3% do total de alunos na educação superior do Brasil. Em 2017, a matrícula na modalidade a distância manteve sua tendência de crescimento, atingindo 46,8%, enquanto a modalidade presencial tem praticamente o mesmo número de alunos de 2007, 53,2% das matrículas. A maioria dos alunos dos cursos de licenciatura é do sexo feminino (70,6%) e estuda em uma instituição de ensino superior privada, diferentemente dos estudantes de licenciatura de instituições públicas, que frequenta cursos presenciais (81,7%). Na rede privada, prevalecem os cursos a distância, com quase 65% dos alunos.

Essa configuração na oferta dos cursos de licenciaturas no Brasil já causa impactos não somente na falta de professores, mas, fundamentalmente, na qualidade da formação dos docentes. É importante destacar que não é a EaD, em si, a causa das consequências negativas e imprevisíveis, mas o conjunto da política de formação e carreira docente que transcorrem em cursos acelerados, instituições privadas sem investimentos em pesquisa, com pouca inserção na realidade local e regional e, predominantemente, com oferta na modalidade a distância prematura e de qualidade duvidosa.

Segundo António Nóvoa e Pâmela Vieira, a questão central da formação de professores, em todo o mundo, prende-se com a relação entre a formação e a profissão. Não se trata de insistir na ligação entre a teoria (que estaria nas universidades) e a prática (que estaria nas escolas). Essa dicotomia é pobre e estéril. Trata-se, isso sim, de compreender o modo como a formação deve estar ligada à profissão, e vice-versa. No caso da formação inicial, que deve ser da responsabilidade da universidade, é necessário assegurar uma maior presença dos professores e das culturas profissionais docentes, bem como um maior diálogo com as realidades escolares e sociais. Às universidades atribui-se uma capacidade de conhecimento cultural e científico, intelectual, de proximidade com a pesquisa e com o pensamento crítico. Mas esquecemo-nos de que, por vezes, é apenas um conhecimento vazio, sem capacidade de interrogação e de criação.

O desenvolvimento profissional abrange todo o ciclo de vida docente, desde a formação inicial até a aposentadoria. Traduz uma ideia central para pensar os professores e a sua formação. Trata-se de compreender como se constrói uma identidade que é, ao mesmo tempo, individual e coletiva, desde o primeiro dia como estudante de uma licenciatura. É necessário recusar o consumismo de cursos, seminários e ações que caracterizam o atual “mercado da formação”, sempre alimentado por um sentimento de “desatualização” dos professores. A única saída possível, segundo Nóvoa, é o investimento na construção de redes de trabalho e de práticas de formação baseadas na partilha e no diálogo profissional. As experiências mais interessantes estão localizadas nas escolas, em torno de projetos que são, ao mesmo tempo, de inovação pedagógica e de formação docente.

É nesta mesma perspectiva que Paulo Freire condiciona a melhoria da qualidade da educação à formação permanente dos educadores e essa formação se funda no exercício de analisar a prática de ensino. Por isso, na formação permanente dos professores, o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática. É pensando a prática de hoje, ou de ontem, que se pode melhorar os próximos fazeres.

É necessária uma compreensão de que a “escola é lugar de gente, lugar onde se faz amigos, […] gente que trabalha, que estuda, que se alegra, se conhece, se estima. […] e a escola será cada vez melhor na medida em que cada um se comporte como colega, amigo, irmão. [..] nada de ser como o tijolo que forma a parede, indiferente, frio, só. […] numa escola assim vai ser fácil estudar, trabalhar, crescer, fazer amigos, educar-se, ser feliz” (Freire).  É essa escola que precisamos construir, uma escola real, viva, humana, capaz de compreender os desafios de seu tempo, e na luta pelo melhor viver, reconhecer fatos, gestos, unir conhecimentos – comprometida com as gerações atuais e futuras.

Outras questões e interrogações permanecem abertas para nossa reflexão e para o debate que precisa continuar, tais como: Terão os professores formação para vislumbrar a necessária ampliação, construção e (re)construção de novos saberes? Estarão preparados para olhar além dos muros da escola, para aproveitar e explorar o conhecimento que o aluno traz consigo, o de que vem em busca? Conseguirão visualizar um futuro próximo, em que seus alunos irão atuar e, com base nisto, dar-lhes condições de inserção no mercado de trabalho? E serão capazes de fazer isto tudo levando em consideração que as tecnologias da comunicação e da informação estão cada vez mais presentes no nosso quotidiano e, por conseguinte, devem, de alguma forma, ser garantidas no processo ensino-aprendizagem? (Ligia Magalhães, UFRJ).

Do Jornal Extra Classe, do Sinpro/RS

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