Sinpro/RS: Projeto do governo retira autonomia do Conselho de Educação

Proposta que muda paridade e subordina o CEEd-RS à Secretaria de Educação integra pacotaço da municipalização do ensino a ser votado no dia 8 de dezembro

Por Gilson Camargo

Mais polêmico de um pacote de cinco projetos voltados para a municipalização do ensino que o governo gaúcho enviou para a Assembleia Legislativa, o PL 518/2023 esvazia a representatividade do Conselho Estadual de Educação (CEEd-RS) e coloca o colegiado de vez nas mãos do Executivo.

Pelas alterações previstas, o governo terá o mesmo número de conselheiros que todas as demais entidades somadas e as decisões do colegiado sobre os sistemas de ensino terão que ser referendadas pela Secretaria de Educação (Seduc).

Para Sani Cardon, do Sinpro/RS governo quer se livrar das exigências que o CEEd-RS faz com vistas ao aprimoramento da educação: “quer um facilitador para os seus parceiros que buscam aprovação de cursos”

A proposta que será votada no dia 8 de dezembro em regime de urgência, sem passar pela Comissão de Educação, vem provocando a revolta de educadores e a mobilização de entidades, sindicatos ligados à educação e conselheiros, que querem a retirada do projeto da pauta.

O PL de autoria do Executivo propõe a alteração da Lei 9.672/1992, que dispõe sobre a composição, o funcionamento e as atribuições do Conselho, muda a paridade ao aumentar de sete para dez o total de conselheiros indicados pelo governo e reduzir de 14 para dez os conselheiros da sociedade civil. Também subordina as resoluções do colegiado à Secretaria de Educação (Seduc) e ao próprio governador.

Nas investidas para extinguir ou reduzir a autonomia dos conselhos estaduais, o governo gaúcho já havia minado o funcionamento da entidade em 2020, quando deixou de indicar o seu terço de representantes.

Para Sani Cardon, um dos dois conselheiros da representação do Sinpro/RS no Conselho, o PL 518 é mais uma tentativa de interferência no colegiado. “Esse PL que mexe com a estrutura do CEEd-RS é a forma que o governo encontrou para tentar, mais uma vez, interferir no colegiado, como tentou de maneira informal em 2020 ao deixar de nomear 11 conselheiros. O governo se negou a fazer as indicações por entender que poderia mexer no conselho a qualquer momento. Na época, as entidades entraram com uma ação e todos os 11 conselheiros foram nomeados por decisão judicial”, relata.

Para o dirigente, o governo quer acabar com a autonomia do Conselho e transformá-lo num “órgão de fachada”.

“O que está por trás disso é que há uma pressão grande de empresários da educação que querem facilidades para aprovar os seus projetos, como ampliação de cursos de EaD na área da Saúde, como facilidades na hora da comprovação de requisitos básicos para ter seu projeto aprovado”, ressalta o conselheiro.

De acordo com Sani, a atual composição do colegiado é heterogênea, um grupo que debate e tem divergências, mas que prima pela qualidade da educação. “O artifício do governo é para se livrar das exigências que o CEEd-RS faz com vistas ao aprimoramento da educação. Quer transformar o colegiado em um facilitador para os seus parceiros que buscam unicamente a aprovação dos seus cursos. O PL 518 representa um retrocesso na educação do estado”, aponta Cardon.

Sem debate

“É inaceitável que o Conselho seja transformado num braço do Executivo, inclusive com uma visão elitista e autoritária da educação”, critica Sofia Cavedon, presidente da Comissão de Educação

“O PL que muda o Conselho Estadual de Educação, em primeiro lugar, vem sem nenhum debate com a sociedade, com a Conferência Estadual de Educação que aconteceu agora em novembro, e nem mesmo com os atuais membros do CEEd-RS”, aponta a deputada Sofia Cavedon (PT), presidente da Comissão de Educação, Cultura, Desporto, Ciência e Tecnologia da ALRS.

No dia 4 de dezembro, uma audiência pública da Comissão irá debater a falta de transparência do “pacote da educação”. Na pauta, a falta de debate com a comunidade escolar sobre a proposta de municipalização e, em especial, o desmonte do CEEd-RS.

“Um desrespeito sem tamanho”, critica a parlamentar. Ela relata que o colegiado, de forma unânime, incluindo os representantes do próprio governo, esteve na Assembleia, falando com todos os deputados para apresentar um documento de “contrariedade absoluta” às alterações.

“São mudanças que retiram representação de professores, dos alunos, de mães e pais, porque diminuem o número de representantes desses segmentos. O Conselho perde totalmente a autonomia porque todas as suas resoluções passam a ser passíveis de veto porque pelo PL elas teriam que ser homologadas pela secretária de educação, a ponto da secretária tomar a direção das reuniões quando estiver presente”, explica Sofia.

“É inaceitável que o Conselho seja transformado num braço do Executivo, inclusive com uma visão elitista e autoritária da educação ao exigir que todos os conselheiros tenham curso superior, ou seja, nossos estudantes do ensino médio, representados por suas entidades não poderão estar no Conselho; mães e pais que eventualmente não tenham ensino superior, até mesmo docentes com formação em curso normal”, questiona.

Em nota, a Casa Civil justificou que o regime de urgência está previsto na Constituição Estadual e que “a modernização no Conselho Estadual de Educação visa garantir maior equilíbrio nas decisões e dar celeridade à implementação de políticas públicas na área”.

“Podemos afirmar com segurança que o CEEd-RS é um órgão plural, com representantes de todos os segmentos escolares, o que não acontece com muitos dos conselhos estaduais do país”, argumenta Fátima Ehlert, presidente do CEEd-RS.

Para a dirigente, causa estranheza a justificativa da Casa Civil: “nenhuma política pública de educação formulada pelo governo deixou de ser implementada pela ação do CEEd-RS nesses 60 anos”.

Transparência e direito à educação

Criado em 1962, o Conselho de Educação gaúcho antecipou-se à Constituição estadual de 1989. Com orçamento próprio e autonomia, o órgão consultivo, normativo, fiscalizador e deliberativo do sistema estadual de ensino é um colegiado composto por 21 conselheiros nomeados para um período de 4 anos. Na sua composição atual, são sete conselheiros de livre escolha do governador do estado e 14 indicados por entidades representativas da comunidade escolar.

No início deste ano, a notícia de que um projeto de lei seria enviado ao parlamento para aparelhar o CEEd-RS acabou vazando e mobilizou o magistério.

A presidente do Conselho relata que se reuniu com Artur Lemos, chefe de Casa Civil, que acabou confirmando a intenção do Executivo de interferir na composição e nas funções do Colegiado, mas não revelou o teor do projeto de lei que seria enviado à Assembleia. “Iniciamos um movimento no sentido de barrar essa proposta ou, no mínimo, apresentar emendas”, explica Fátima.

O documento em defesa do CEEd-RS mencionado pela deputada Sofia Cavedon foi encaminhado à Assembleia Legislativa, às Promotorias de Justiça Regionais de Educação (Preducs) e Tribunal de Contas do estado. Nele, a presidência e os conselheiros, inclusive os indicados pelo próprio governo, reafirmam o caráter consultivo, normativo, fiscalizador e deliberativo do colegiado.

“O CEEd-RS exerce, em relação ao Sistema Estadual de Ensino, atribuições previstas na legislação educacional, com o objetivo de viabilizar a garantia do direito à educação para todos, com qualidade e equidade, e tem sido um órgão importante de escuta e de participação nos diferentes espaços em que se discute e define as políticas públicas educacionais, contribuindo para a democratização dos processos educacionais”, destaca Fátima.

Propostas de emendas

As emendas propostas pelo CEEd-RS são a substituição da expressão “comunidade escolar” por “entidades estaduais representativas”, garantia da paridade de representantes da sociedade civil e Executivo; retirada da obrigatoriedade de formação de nível superior para representantes de pais de alunos das escolas públicas, pais de alunos das escolas privadas e entidade que congrega os estudantes das escolas de ensino fundamental e médio.

O Conselho também reivindica que o governo cite na proposta quais são as entidades representativas de âmbito estadual: Cpers, Sinpro/RS, ACPM e Federapars (federações das associações de pais e mestres do ensino público e privado), Senepe-RS, Undime, Famurs, Aesufope, Uges.

Municipalização e fim da gestão democrática

Professores e funcionários das escolas estaduais, da ativa e aposentados, além de pais e estudantes reuniram-se em Assembleia Geral Comunitária, na terça-feira, 21, para denunciar “o devastador pacote de mudanças na educação pública imposto por Eduardo Leite (PSDB)”.

A presidente do Cpers-Sindicato, Helenir Aguiar Schürer, destaca que entre os cinco projetos protocolados na ALRS que podem ser votados a qualquer momento, os pontos mais preocupantes são a constitucionalização da municipalização, através da implantação do Marco Legal da Educação, sérias alterações na composição, no funcionamento e nas atribuições do Conselho Estadual de Educação, novas regras para a eleição de diretores e o fim da Gestão Democrática nas instituições de ensino.

“Leite representa a praga do gafanhoto que, por onde passa, está destruindo tudo. Nós temos que mostrar o que este governo está fazendo para a educação. Por isso, estamos aqui hoje, para denunciar à sociedade qual a verdadeira proposta do governador e da Assembleia Legislativa para a educação pública. Precisamos barrar o avanço deste destrutivo projeto”, afirmou a dirigente no ato.

“Essa proposta retira a representação dos professores, porque reduz as vagas do Cpers e do Sinpro/RS. E o governo, que hoje tem sete representantes passa a ter dez indicações de livre e expontânea vontade do governador, inclusive podendo ser cargo de confiança, o que para nós é aparelhar o Conselho, inclusive subordinando as resoluções à Seduc. Isso é um deboche. Como todos os projetos levam à municipalização, eu não tenho dúvidas que essa é uma ação do governo para retirar qualquer empecilho e poder entregar todo o ensino fundamental para os municípios”.

Do jornal Extra Classe, do Sinpro/RS

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