Sinpro/RS: Retrocessos na educação levam milhares às ruas
Segundo os organizadores da Greve Nacional da Educação, a estimativa é de que cerca de 1,5 milhão de professores, funcionários e estudantes das instituições públicas de educação superior e integrantes dos movimentos social e sindical participaram das atividades em todo o país. Nas redes sociais, foram postadas durante todo o dia uma chuva de registros fotográficos e vídeos da mobilização em diferentes cidades, acompanhadas pelas hashtags#TsunamiDaEducação, #NaRuaPelaEducação e #15m.
Enquanto os atos ocorriam, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, prestava esclarecimentos ao plenário da Câmara dos Deputados a respeito do corte orçamentário de 30% na verba do setor da educação superior, e afirmava que o país “gasta” muito om a educação.
Em Porto Alegre, os atos reuniram 30 mil pessoas e contaram com a participação de professores e estudantes das escolas estaduais e municipais. A concentração iniciou em frente ao Instituto de Educação, seguida de um abraço ao prédio da Faculdade de Educação (Faced) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs). Após, os manifestantes saíram e caminhada, percorrendo as ruas do Centro Histórico da capital gaúcha, passando pelo Instituto Federal e o prédio do INSS. Na Esquina Democrática realizaram um ato público e retomaram a caminhada ao campus central da Ufrgs no final da tarde.
“As manifestações foram um recado forte de unidade e foi muito importante para sensibilizar a população”, destacou Elizabete Búrigo, presidente do Sindicato Nacional dos Docentes da Educação Superior (Andes/Ufrgs). “Agora à noite a caminhada foi gigantesca e agregou aqueles estudantes que trabalham e outras categorias que não puderam participar durante o dia. As pessoas nas ruas demonstravam muita receptividade em saber do que está acontecendo”.
No Rio Grande do Sul, também ocorreram manifestações em Pelotas, Rio Grande, Santa Rosa, Santo Ângelo, Passo Fundo, Santa Cruz do Sul, Caxias do Sul, Frederico Westphalen, Cruz Alta, Erechim, Santa Maria, Cerro Largo, Bento Gonçalves, Alegrete, Bagé, Canoas, entre outros. Em Santa Cruz do Sul, mais de 12 mil agricultores familiares e público em geral participaram no 9º Grito de Alerta, convocado pela Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Rio Grande do Sul (Fetag/RS) em defesa da aposentadoria e da educação públicas. Também participaram das manifestações no Rio Grande do Sul professores, funcionários e estudantes do ensino privado.
Dos Estados Unidos, o presidente Jair Bolsonaro que está em visita ao Texas, disse que o bloqueio é necessário e qualificou os manifestantes como “uns idiotas úteis, uns imbecis, que servem de massa de manobra”, provocando uma série de críticas e revolta.
Recado ao governo Bolsonaro
Ao Extra Classe, na manhã desta quarta-feira, o reitor da Ufrgs Rui Oppermann disse que a mobilização desta quarta-feira é decorrente da indignação da comunidade e avaliou os cortes como “um condicionamento de teor político”. “Essa voz é um importante recado que deve ser visto e ouvido de forma propositiva e não reativa. Não somos contra ou a favor de nenhum governo, somos a favor da Educação”, afirmou. O bloqueio previsto na Ufrgs é de 32% e os números do impacto serão apresentados nesta próxima sexta-feira, 17, ao conselho Universitário.
Para a doutora em Ciência Política e professora de pós-graduação em História da Ufgrs, Céli Pinto, “o corte dos recursos para a educação superior revela uma tentativa de desmonte das universidades públicas do Brasil atendendo aos interesses de grandes conglomerados internacionais de educação. A intenção é desmantelar no sentido econômico e não dar dinheiro para nenhuma política pública que promova justiça e igualdade. Isso atinge também as universidades privadas e comunitárias de alto nível que recebem financiamento para a pesquisa via Capes e CNPq”, observou em entrevista ao Extra Classe.
Céli Pinto registra ainda a diferença das manifestações desta quarta-feira. “É uma paralisação diferente onde não estão apenas os estudantes, mas reitores, professores e a sociedade”, observa. “Nesse momento é clara a mobilização dos reitores em todo o Brasil”, ressalta.
Cortar o pensamento crítico
O professor de Engenharia da Ufrgs Luís Segovia participou das manifestações em Porto Alegre. “A intenção do governo é cortar as cabeças pensantes, calar o pensamento crítico e formar operários apenas e não cientistas”, destacou.
O casal Rosina Coimbra e Tinho Moreira participaram de toda a caminhada em apoio à causa. Ex-alunos da Ufrgs, onde se formaram em Química e Artes, fizeram todo o trajeto da manifestação por considerarem muito grave o atual momento do país. “Eu usufruí desse espaço de formação e estou aqui nesse ato maravilhoso para protestar contra tantas barbaridades desse governo que chega ao auge com essas medidas na área da educação”, registrou Rosina.
Se não para hoje, para amanhã
“Estamos parando hoje para a universidade não parar amanhã em decorrência da retirada de recursos”, reforça o Coordenador-Geral do Diretório Central de Estudantes da Ufrgs, Pedro Duval. Ele destaca que o movimento estudantil está resgatando o protagonismo que teve durante o período da ditadura militar. “Defendemos esse legado nesse momento histórico tão parecido com o iniciado em 1964”, compara, destacando a unidade de diferentes organizações e sindicatos nas atividades da Greve Nacional da Educação. Duval interrompeu a entrevista no final da manhã devido a ação da Polícia de Choque da Brigada Militar que disparou bombas de efeito moral para retirar os manifestantes que trancaram a rua Sarmento Leite, em frente à Ufrgs, e deixaram um estudante ferido.
Professor de economia do Instituto Federal de Porto Alegre, Cássio Moreira vestiu a camiseta do instituto de foi para a rua protestar. “Os cortes na educação atingem o desenvolvimento do país. O ensino e a pesquisa beneficiam a sociedade e é ela que será prejudicada”, registrou em meio a rua Voluntários da Pátria por onde passaram milhares de manifestantes.
“Os atos de hoje são o começo e a tendência é que sejam cada vez maiores”, estima Pamela de Oliveira Costa, 23 anos, aluna do curso pré-vestibular do Instituto Federal do centro, acompanhada de vários colegas que participavam de um protesto pela primeira vez.
O Instituto Federal da Restinga fechou as portas hoje e estudantes e professores ocuparam as ruas contra os cortes. A estudante do curso técnico de Lazer, Natália Llames, 16 anos, segurava um cartaz na Esquina Democrática dizendo: “Meu IF me incentiva a pensar. É isso que te assusta presidente?”. Ela participou dos atos com os colegas por saber que os recursos previstos não permitem as atividades do IF até o final do ano, lamentou.
Chantagem descabida
“A sociedade está sendo chantageada pelo governo que condiciona a retirada dos cortes de recursos na Educação à aprovação da reforma da Previdência. Os estudantes estão na rua e não aceitam essa chantagem”, protesta o estudante de Psicologia e integrante do DCE da PUC, Guilherme Castro, segurando um cartaz escrito “Pesquisa não é balbúrdia”.
“A gente se sente impotente diante de tantas medidas e estamos nas ruas batendo o pé para mostrar a quem se iludiu que o governo Bolsonaro prejudica o presente e o futuro do país”, disse o estudante de Psicologia da Ufrgs, Pietro Fogaça.
Desmonte atingirá mais pobres
Pesquisadora da Faculdade de Educação da Ufrgs, a professora aposentada Regina Scherer analisa que as ações do governo Bolsonaro e seus ministros demonstram desconhecimento da atuação do estado em relação às políticas públicas para o atendimento do direito à educação e aos seus princípios e o compromisso com investidores privados.
“Em qualquer das duas hipóteses o que está em curso é o desmonte da organização que com muitas dificuldades foi possível construir ao longo da elaboração da Constituição de 1988 e na tramitação da LDB de 1996. Vejo um cenário preocupante em que a penalização mais uma vez será para a população com menores condições econômicas e dependentes justamente das políticas públicas para ter acesso a uma educação de qualidade”, conclui.