SinproSP: O que está em jogo na disputa eleitoral no campo da Educação?

(*) Roberto Catelli Jr. (Doutor em Educação pela USP e Coordenador Executivo Adjunto da Ação Educativa)

Esta não é uma eleição qualquer. Certamente é a mais complexa eleição desde a redemocratização, sendo que o que está em jogo é a própria democracia, que vem cambaleando desde que Dilma Roussef foi derrubada por meio de um impeachment que forjou um golpe, revestido de legalidade. De lá para cá, de modo apressado e sem discussão pública, foram aprovadas a reforma trabalhista, incluindo-se aí a autorização para a terceirização de qualquer atividade, e foi aprovada a Emenda Constitucional 95, conhecida como Lei do Teto. Em fevereiro de 2017 foi também aprovada a Reforma do Ensino Médio, por meio da Lei 13.415, mais uma vez sem diálogo e com muitas lacunas sobre como seria possível implementar tal reforma.

Cada uma dessas reformas tem consequências diretas para o desenvolvimento da Educação no país e o grupo que sair vencedor desta eleição terá como tarefa corroborar ou buscar caminhos para desfazer tais reformas.

A reforma trabalhista, especialmente no que se refere à questão da terceirização, pode ter efeitos nefastos para a Educação. Sabemos que uma das condições essenciais para que uma rede de ensino ou escola avancem é oferecer condições para que os professores possam desenvolver um trabalho adequado, com uma jornada de trabalho compatível com o processo da docência, que inclui pesquisa, preparação de aulas e acompanhamento dos alunos. Um aspecto que favorece isso é a fixação do professor em uma única escola, com uma jornada compatível com estas tarefas e o maior envolvimento na proposta desenvolvida por esta escola. Se um professor tiver que trabalhar em três ou quatro escolas, é evidente que o seu desgaste será muito maior, assim como terá muito menos possibilidade de se dedicar efetivamente a uma proposta pedagógica e ao acompanhamento do processo de aprendizagem dos seus alunos. Contudo, com a terceirização da atividade-fim, uma escola ou uma rede pode optar por contratar professores terceirizados, que passam a ser prestadores de serviço para essa escola, sem os mesmos direitos que professores concursados ou contratados e ainda tendo de trabalhar em várias escolas diferentes para cumprir uma jornada.

Até já se criou um apelido para isso, o professor uber, em referência a uma proposta formulada no município de Ribeirão Preto em 2017, quando a prefeitura pretendia criar uma forma de contratação por um aplicativo de celular em que o profissional seria chamado e teria 30 minutos para chegar à escola. Com isso, esperava-se acabar com o problema da falta de docentes na rede. Outro município, como mostra matéria da Carta Capital de 20 de agosto de 2017 (Professor Uber: a precarização do trabalho invade as salas de aula), optou por criar um leilão público por meio de pregão para contratar professores pela oferta de menor preço. Estes são só dois exemplos de tudo que pode vir por aí considerando o desejo de fazer mais com menos dinheiro na Educação, fazendo valer o pressuposto de que atender mais pessoas com menos dinheiro é um símbolo de eficiência administrativa, independentemente das consequências disso para o processo pedagógico.

Mais evidente ainda são os efeitos danosos que a Lei do Teto (EC 95) tem de imediato para o campo da Educação e também para a Saúde. Ao limitar os gastos públicos por 20 anos, proibindo a ampliação dos investimentos, anuncia-se a precarização rápida e contínua da Educação no país. Considerando que ainda temos a necessidade de ampliar os gastos com a Educação para que se conquiste maior qualidade e que teremos ainda expansão da matrícula nos próximos anos, como será garantido o acesso dos novos estudantes que não podem pagar uma escola e como haverá investimento para melhoria da qualidade, valorização da carreira do professor e proposição de novos processos formativos para os educadores?

Tal proposição, como vem denunciado a Campanha Direitos Valem Mais(http://direitosvalemmais.org.br), afronta a própria Constituição de 1988, que define a regra absoluta de prioridade às crianças e aos adolescentes e aos direitos à Educação, proteção social e saúde. Dos candidatos que se apresentam às eleições, vale dizer que apenas três deles vêm questionando publicamente a Lei do Teto: Ciro Gomes, Fernando Haddad e Guilherme Boulos.

A reforma do ensino médio, Lei que atinge diretamente os jovens e coloca em discussão suas perspectivas de futuro, nos fornece mais alguns elementos para refletir sobre o direcionamento que a política de Educação vem tomando desde maio de 2016. Veiculada em propagandas de rádio e televisão como uma reforma inovadora que traria novas perspectivas a um jovem cansado de um modelo de escola ultrapassado, a reforma se usa da propaganda para vender algo que efetivamente não parece pretender entregar.

Um dos pilares da reforma é a Base Nacional Curricular Comum (BNCC), que estava em processo de elaboração quando a reforma foi aprovada. Propõe-se uma elevação progressiva da carga horária do ensino médio, passando de imediato para 1000 horas, podendo chegar até 1400 horas. Entretanto, a parte obrigatória do currículo fica restrita a 600 horas por ano, sendo obrigatórias apenas as disciplinas de língua portuguesa e matemática ao longo de todo o ensino médio.

O conhecimento do mundo físico e natural, da realidade social e política e inglês devem ser incluídos no currículo, mas não precisam estar presentes ao longo dos três anos. Como pode ser preenchida o restante da jornada escolar? Podem ser incluídas disciplinas optativas oferecidas pela escola ou ainda cursos de formação profissional. Mas aqui começam os problemas. Ainda que abra a porta para uma maior diversificação do currículo, a Lei indica que ela só ocorrerá segundo as possibilidades das redes de educação, ou seja, se não houver recursos, a rede pode oferecer apenas um percurso, que pode ser, por exemplo, a formação profissional. E aí entra mais um detalhe importante: a educação profissional pode ser oferecida à distância ou mesmo por uma instituição privada em parceria com a secretaria de educação.

Com isso, parece mais evidente que a reforma vem para retirar das secretarias de educação o peso de gerir um ensino médio custoso e de baixíssimos resultados nas avaliações nacionais. Realizado por parceiros privados ou à distância pode criar caminhos para um ensino de baixo custo, que se dirija a um grande contingente de jovens.

Mas quais podem ser as consequências da reforma do ensino médio? Considerando que as escolas privadas continuarão a fazer do ensino médio um caminho para que os jovens cheguem à universidade, para os jovens das escolas públicas, principalmente nos estados mais pobres da federação, corre-se o risco de que os estudantes tenham uma formação ainda mais precária, abreviada e focada em uma formação profissional que o afasta ainda mais da possibilidade de chegar a uma universidade pública de qualidade. Com isso, ao invés de se ampliar as oportunidades, vai se ampliar as desigualdades educacionais do país.

Não se pode deixar de fazer menção ainda à Base Nacional Curricular Comum (BNCC), que se propõe a ser o centro irradiador das ações do governo federal no campo da Educação. Tal proposição foi bastante criticada por ser uma política de centralização curricular que pouco permitiu a construção de um debate sobre o currículo que tivesse como ponto de partida a escola e a comunidade. Muitas das propostas formuladas para as disciplinas perdem a oportunidade de construir currículos mais inovadores, que tivessem sido formulados também com base na escuta dos jovens sujeitos da aprendizagem. Já a BNCC para o ensino médio sofreu críticas mais severas no que se refere aos conteúdos e metodologias propostas, sendo ainda um tanto obscuro como ela será implementada junto com a reforma do ensino médio.

Também é importante mencionar o Plano Nacional de Educação (PNE), aprovado em 2014 como Lei 13.005 e que estabelece um conjunto de metas para a política pública de Educação que devem ser cumpridas pelo governo. Desde 2016, entretanto, o Plano vem sendo deixado de lado pelo governo federal, ignorando algumas de suas principais metas, como a da elevação do investimento do governo federal na área. É importante lembrar que o Plano Nacional de Educação foi criado com base em um longo processo de discussão pública, até se constituir em Lei. É o mais legítimo instrumento orientador da política pública. Suas metas procuram ampliar o direito à educação ampliando a qualidade e atendendo à diversidade e inclusão. O que fará o novo presidente e o novo Congresso? Colocará o PNE novamente como bússola das políticas educacionais ou continuará a trata-lo como um filho renegado?

Por último, é necessário fazer referência a uma ameaça que ronda a educação brasileira e está em discussão no Congresso Nacional. O Projeto de Lei 7180 de 2014, conhecido como Escola sem Partido, propõe que sejam feitas alterações na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) para que seja passível de punição o professor que de alguma forma for contra as convicções da família no que se refere a aspectos morais, religiosos ou políticos. Estabelece ainda que os professores não podem aplicar na escola o que denominam de ideologia de gênero, um conceito um tanto obscuro. Por fim, defendem que seja afixado um cartaz na sala de aula com os deveres do professor, que se forem por ele burlados, pode ser formulada uma denúncia, com possibilidade de punição do professor.

Tal medida afronta diretamente a liberdade de ensino, criminalizando o próprio ato de ensinar, que passa a ser considerado perigoso para os alunos. Pior, quais seriam os critérios para definir por exemplo, o que significa afirmar que o professor não pode, como consta em um dos deveres, se aproveitar “da audiência cativa dos alunos para promover os seus próprios interesses, opiniões, concepções ou preferências ideológicas, religiosas, morais, políticas e partidárias”? Com que critérios se fará este julgamento? Fica mais evidente aqui o direito de calar e perseguir o professor conforme os interesses de uns e outros.

Faltou ainda uma última menção, especialmente importante na minha experiência profissional: o tema da educação de jovens e adultos no Brasil. Conforme o Censo de 2010, cerca de metade dos brasileiros de 15 anos ou mais não tinham concluído nem mesmo o ensino fundamental. Em 2017, tínhamos 11 milhões de analfabetos e o Indicador de Alfabetismo Funcional (INAF) indica que em 2018 aproximadamente um terço da população brasileira de 15 a 64 anos vivem a sob a condição de analfabeta funcional. Trata-se de uma grave questão social que não vem merecendo a devida atenção dos governantes.

Por tudo isso, o que está em jogo nestas eleições no campo da Educação, assim como para o país como um todo, é a permanência de uma sociedade fundada nos direitos e na valorização da dignidade humana. Sabemos que para isto a Educação tem um papel fundamental, pois se trata de um direito que contribui para que se conquiste outros direitos. Quem tem mais e melhor Educação tem melhor renda, oferta de melhores empregos, mais saúde e mais capacidade para enfrentar os desafios da vida cotidiana com autonomia. Restringir o direito à Educação pública em nome da contenção de gastos nada mais é do que limitar os próprios direitos do cidadão, em uma democracia que já se mostra capenga.

Da Revista Giz, do SinproSP

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