SinproSP: Queremos Paulo Freire no Metrô

(*) Sandra Caballero, professora de História e Sociologia e diretora do SinproSP

Em 2013, quando foi anunciada a expansão da linha verde do metrô, anunciou-se também que uma das estações, na divisa de São Paulo com Guarulhos, receberia o nome de Paulo Freire, até porque estará localizada na avenida de mesmo nome.

No entanto, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) revelou, no dia 14/03/2023, a mudança do nome da estação para Fernão Dias, em homenagem ao conhecido bandeirante. O metrô alegou a realização de uma pesquisa de opinião, que não foi tornada pública até o momento. Mas, por que isso virou polêmica? Qual a importância do nome de uma estação de metrô? Para responder a essas questões é necessário conhecer a história dos personagens envolvidos.

Fernão Dias (1608-1681) era conhecido como o “caçador de esmeraldas”, participou do movimento dos bandeirantes que se caracterizou pelo desbravamento do interior do país em busca de índios a serem escravizados e da prospecção de pedras e metais preciosos. Diferentemente do que conta o senso comum, a escravidão indígena foi largamente utilizada em São Paulo, já que aqueles vindos da África eram direcionados para a produção de açúcar no Nordeste e muito caros para os fazendeiros de São Paulo, cuja rentabilidade era menor que a dos senhores de engenho.

É interessante notar que o movimento bandeirante foi algo exclusivo de São Paulo, virando sinônimo de paulista. Por muito tempo, esses personagens ficaram obscurecidos na história do estado. Até o século XIX, São Paulo era uma pequena vila, sem grande importância política ou econômica, e é o desenvolvimento da cafeicultura que transforma a cidade em uma metrópole, principal polo de desenvolvimento do país. As elites paulistas resolvem criar um mito fundador e passam a idealizar a história dos bandeirantes como aventureiros, desbravadores, responsáveis pela mineração e pela expansão das fronteiras brasileiras; seriam, então, herdeiras de homens valentes e empreendedores, de uma São Paulo destinada a ser grande, em um país miserável.

A partir daí, a narrativa histórica ganha monumentos, como o localizado em frente ao Parque do Ibirapuera, a estátua do Borba Gato, na avenida Santo Amaro, nomes de avenidas e rodovias que seguem as rotas das Bandeiras. O que se omitiu desse passado glorioso foi o fato de escravizarem índios, atacarem missões jesuíticas, violentarem mulheres e serem contratados para destruir quilombos. O desmantelamento do Quilombo dos Palmares, por exemplo, foi obra do bandeirante Domingos Jorge Velho.

Com o fim da ditadura militar e o arejamento dos debates acadêmicos, além do fortalecimento dos movimentos sociais, essa visão idealizada e a glorificada das bandeiras passou a ser questionada. Um retrato mais fiel ao que realmente representaram e uma visão mais crítica passou a ser adotada. Se por um lado eram homens do seu tempo, por outro, contribuíram para a construção de uma sociedade desigual e violenta.

Já Paulo Freire (1921 – 1997) é um dos mais importantes intelectuais e educadores do mundo. Com um vasto trabalho, acadêmico, político e administrativo, foi secretário de educação da cidade de São Paulo na prefeitura de Luíza Erundina, entre 1989 a 1991, é uma referência para educadores em todo o planeta. Sua obra principal obra, “Pedagogia do Oprimido”, foi publicada inicialmente nos EUA, em 1968. Lembrando que Freire foi preso e, depois, exilado pela ditadura militar, passando por Chile, EUA e Suíça. Marco de um trabalho que buscou, ao longo de sua vida, uma educação libertária e que desse voz aos desvalidos. Visava um ensino que não fosse reprodutor do sistema capitalista, como mero formador de mão de obra para as grandes corporações, e sim um instrumento de transformação social, dando aos trabalhadores as ferramentas necessárias para a compreensão de sua realidade. “Pedagogia do Oprimido” é terceira obra mais citada em trabalhos acadêmicos na área de humanas em todo o mundo.

Diante disso, escolher entre o nome de Paulo Freire e Fernão Dias é um ato político importante, que define visão de mundo e aquilo que se pretende perpetuar como memória da cidade. O governador Tarcísio mostra sua verdadeira face: por mais que tente aparentar ser mais articulado e civilizado que o seu mentor, Jair Bolsonaro, nos detalhes mostra que defende uma sociedade excludente, preconceituosa e violenta.

Defender o nome de Paulo Freire para a estação significa defender uma educação inclusiva, que fale aos mais necessitados e que nos direcione para um país fraterno. E é valorizar a educação e os educadores como um todo.

Fontes – Diplomatique.org.br
Uol.com.br
paulofreire.org

Do SinproSP

Artigos relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo