Sob Bolsonaro, número de armas de fogo nas mãos de civis duplica; 78% das vítimas são negras
País tem arsenal de, pelo menos, uma arma a cada 100 pessoas, segundo anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
O número de armas de fogo nas mãos de civis no Brasil disparou. Em apenas três anos, a quantidade duplicou. Em 2020, o país chegou a um arsenal de, pelo menos, uma arma a cada 100 brasileiros.
Os números são da 15ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), divulgado na última quinta-feira (15), em São Paulo.
A publicação aponta que já são 2.077.126 armas nas mãos da sociedade civil. No cálculo, são incluídas as armas pessoais de policiais e militares.
Em 2020, último ano analisado pela pesquisa, foram registradas 186.071 novas armas, um aumento de 97,1% em relação ao ano anterior. O anuário mostra que o número de mortes violentas intencionais cresceu e chegou a 50.033 em 2020, o que representa um aumento de 4% em relação a 2019.
Segundo o Fórum, pelo menos 78% das mortes foram causadas com o emprego de armas de fogo. As vítimas, em sua maioria, são homens (91,3%), negras (76,2%) e jovens (54,3%).
Os números foram recebidos com preocupação por especialistas de segurança pública e direitos humanos. Líderes do movimento negro também demonstraram preocupação com a escalada da violência.
O Brasil de Fato conversou com Douglas Belchior, um dos coordenadores da Coalizão Negra por Direitos. A pedido da reportagem, ele comentou o crescimento do número de armas nas mãos de civis e apontou a relação dos números com o período do mandato do presidente Jair Bolsonaro no comando do Executivo.
“A flexibilização do acesso a armas é parte importante do projeto bolsonarista de sociedade, organizada através da violência, da intimidação e do medo”.
Desde que assumiu como presidente, Bolsonaro já editou 31 atos, entre decretos, portarias e dois projetos de lei que vão contra estudos que mostram a importância do controle de armas e munições para reduzir a violência e o crime.
“Em uma sociedade marcadamente racista como a nossa, quando você arma a população, sobretudo a classe média e aqueles que são adeptos desse tipo de pensamento, a gente coloca em maior risco pessoas historicamente estigmatizadas”, ressalta Belchior.
“O perigo recai sobre aquelas pessoas que já são vítimas da violência armada – tanto a oficial, promovida pelo governo pelas polícias e milícias, quanto pela violência generalizada civil”.
Segundo ele, é preciso reconhecer que “não é só a polícia, através da sua ação coordenada, genocida e racista, que assassina pessoas negras”.
“A violência civil generalizada – que se dá através do uso de armas –, também faz de alvo preferencial a população negra. Dessa maneira, os números mostram a confirmação de um projeto absolutamente perigoso e que compromete o futuro do país”.
O estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública discute ainda a falta de controle no registro de armas, que faz com que os dados, ainda que alarmantes, não sejam precisos.
“Os números, de modo geral, chamam atenção tanto pelo aumento expressivo do número de armas que entraram em circulação nas mãos de particulares e a velocidade que isso vem acontecendo, como pela flagrante deterioração dos mecanismos de controle de armas ilegais”, aponta Belchior.
Letalidade policial também cresce
O anuário mostra, ainda, que em 2020 foram mortas em intervenções policiais 6.416 pessoas, 0,3% a mais do que no ano anterior. Dentre elas, 78,9% eram negras, 76,2% tinham entre 12 e 29 anos e 98,4% eram homens.
Já os policiais assassinados chegaram a 194, dos quais 72% morreram no horário de folga. A covid-19 tirou a vida de 472 policiais.
Segundo a publicação, houve alta de 0,7% no total de feminicídios em 2020, que atingiram 1.350, vitimando principalmente pessoas entre 18 e 44 anos (74,7%), negras (61,8 %) e assassinadas com o uso de arma branca (55,1%). A maioria (81,%) foi morta pelo companheiro ou ex-companheiro e 8,3% por outros parentes.
O estudo diz, ainda, que em 2020 houve um chamado de violência doméstica por minuto, e eles foram feitos principalmente por mulheres negras (61,8 %), entre 18 e 44 anos (74,7%).
Foram 694.131 ligações de violência doméstica utilizando o 190, o que representa aumento de 16,3% na comparação com 2019. O número de Medidas Protetivas urgentes concedidas pelos tribunais de justiça totalizou 294.440 (+3,6%) e os registros de lesão corporal dolosa por violência doméstica somaram 230.160 (-7,4%).
A violência sexual aumentou 14,1%, com o número de estupros chegando a 60.460 novos casos, dos quais a maior parte eram mulheres (86,9%) e que foram abusadas por um conhecido (85,2%).
A violência foi cometida contra 60,6% de pessoas com até 13 anos. A pesquisa mostra, também, que 73,7% dessas vítimas eram vulneráveis ou incapazes de consentir o ato.