“Sua ação financia nossa miséria”, dizem ativistas sem-teto na Bolsa de Valores de São Paulo

Ato durou uma hora e culpou o mercado financeiro e o Governo Bolsonaro pelo aumento da fome e da miséria no Brasil. Presidente respondeu: “Exemplo de como a esquerda adora a propriedade privada”

“Se está tudo caro, a culpa é de Bolsonaro”, gritaram em frente aos painéis da Bolsa de Valores de São Paulo nesta quinta-feira membros do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). O grupo de cerca de 1.000 pessoas invadiu a sede da B3 para dizer que “sua ação financia nossa miséria”. As bandeiras vermelhas empunhadas pelos manifestantes contrastaram com o verde dos painéis, que registravam valorização para a maioria das ações —o Ibovespa, principal índice da bolsa brasileira, fechou em alta de 1,59%, seguindo a tendência dos mercados externos. Em junho último, o índice atingiu sua alta histórica, superando os 130.000 pontos.

O ato pacífico tomou o primeiro andar do coração financeira da capital paulista e se desfaz após cerca de uma hora. Os manifestantes fizeram críticas diretas à gestão do presidente Jair Bolsonaro, a quem atribuem o colapso socioeconômico vivido no Brasil, um quadro agravado pela pandemia de coronavírus. Segundo os ativistas, o ato também pretendia expor a diferença de realidade entre o mercado financeiro e o mundo real. Para eles, a Bolsa de Valores é “o maior símbolo da especulação e da desigualdade social”.

Bolsonaro respondeu ao protesto em sua live semanal no Facebook. “Já ouvi muita gente do mercado aí contra mim, favorável à esquerda. Tiveram um exemplo aí, de como a esquerda adora a propriedade privada”, criticou o presidente. Segundo ele, a inflação “veio no mundo todo” durante a pandemia, “com a política do ‘fique em casa’”. O mandatário aproveitou para defender a política de vacinação de seu Governo e voltou a defender o “tratamento inicial” contra covid-19. Bolsonaro disse que foi ele quem informou ao ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, sobre seu exame positivo de covid-19.

Um dos integrantes do setor de comunicação do MTST, que não quis se identificar, contou ao EL PAÍS que os atos são “permanentes” e que o grupo vai seguir atuando de forma independente e durante os protestos nacionais contra o Governo Bolsonaro que ocorrerem nos próximos meses. Grupo de oposição projetam uma nova rodada de manifestos para o próximo dia 2 de outubro, mas ainda reina a falta de consenso entre partidos de esquerda, como o Partido dos Trabalhadores (PT) e frentes que se opõem não apenas a Bolsonaro, mas ao ex-presidente Lula. “É inaceitável que o Brasil volte para o mapa da fome desta forma, enquanto tantos outros lucram. Estamos protestando com pautas que se via nos anos setenta. E vamos seguir protestando enquanto houver injustiça social”, disse o integrante à reportagem. Para ele, é preciso intensificar as vozes contra a situação socioeconômica brasileira, antes que o quadro se agrave ainda mais.

O MTST ainda não definiu novas datas para os próximos atos, que devem acontecer “com mais frequência” nos próximos tempos diante do aumento da fome e da desigualdade. O evento inesperado desta quinta-feira ocorreu um dia após o Banco Central elevar a taxa básica de juros de 5,25% para 6,25% ao ano —é o patamar mais alto desde junho de 2019. Espera-se que ajuste, que deve incidir no bolso das famílias brasileiras de forma colateral, supere a casa dos 8% ao final de 2022, numa tentativa de conter a inflação.

Fome, inflação e desemprego

Durante o protesto no saguão da principal ilha financeira do país, uma das mulheres de camiseta vermelha levantou um peça de carne embalada, algo que se tornou item de luxo nos últimos meses no Brasil. De acordo com a consultoria LCA, o preço da carne de boi deve fechar o ano em alta de 17,6%. As estimativas do mercado para a inflação de 2021 sobem a cada boletim divulgado —o último Focus, divulgado pelo Banco Central, elevou a taxa para 8,25%. O Brasil real também vê a taxa de desemprego circundar a casa dos 14,1% (no 2º trimestre deste ano), atingindo 14,4 milhões de brasileiros, segundo números de final de agosto divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Com menos emprego e o aumento nos preços, a fome bate à porta em tempos de pandemia: dados de 2020 da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Penssan) já mostravam que 19 milhões de brasileiros estavam em situação de fome no país; o quadro representa um aumento de mais de 9 milhões de pessoas em relação a 2018. Um quadro que afeta os arredores da B3. Da porta da Bolsa de Valores, enquanto os últimos integrantes do MTST caminhavam rumo à Praça da Sé, era possível observar barracas com um sem-número de pessoas em situação de rua, pedindo dinheiro a quem circulava apressado pelo centro de São Paulo.

El País

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