Substituto do Minha Casa Minha Vida é ‘fake’ e não foca no déficit habitacional, avalia ex-ministra
Luís Eduardo Gomes*
O presidente Jair Bolsonaro assinou nesta nesta terça-feira (25) a Medida Provisória que cria o Casa Verde e Amarela, programa habitacional que pretender ser uma reformulação do Minha Casa Minha Vida (MCMV), com foco na regularização fundiária e na redução da taxa de juros.
“Não tenho muito a dizer, apenas cumprimentar os ministros que trabalharam incansavelmente nessa questão, bem como o nosso Parlamento, que agora recebe essa MP e a aprovará, com toda certeza e, se for o caso, fará aperfeiçoamentos. Assim é que se fazem as leis, assim que nos apresentamos para atender a nossa sociedade”, disse Bolsonaro, na cerimônia de lançamento do programa.
De acordo com o governo federal, a meta do programa é atender 1,6 milhão de famílias de baixa renda com o financiamento habitacional até 2024, o que seria um incremento de 350 mil residências em relação ao que se conseguiria atender com os parâmetros atuais. Isso seria possível em função de negociações com o Conselho Curador do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), que subsidia o programa, e com a Caixa Econômica Federal, que é o agente financeiro.
Uma das mudanças em relação ao Minha Casa Minha Vida é que o conceito de faixas de renda foi alterado para grupos no Casa Verde e Amarela, que também tiveram os limites alterados. O novo programa estabelece que o Grupo 1 abrigará as famílias com renda de até R$ 2 mil, o Grupo 2 as famílias com renda entre R$ 2 e R$ 4 mil e o Grupo 3 as famílias com renda entre R$ 4 mil e R$ 7 mil.
De acordo com o Ministério do Desenvolvimento Regional, as Regiões Norte e Nordeste serão contempladas com a redução nas taxas em até 0,5 ponto percentual para famílias com renda de até R$ 2 mil mensais e 0,25 ponto para quem ganha entre R$ 2 mil e R$ 2,6 mil. Nessas localidades, os juros poderão chegar a 4,25% ao ano e, nas demais regiões, a 4,5% ao ano.
O ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, afirmou na cerimônia que o Casa Verde e Amarela também deverá permitir a renegociação de dívidas dos mutuários da faixa 1, de baixa renda, o que o Minha Casa Minha Vida não permitia. “Falamos de inadimplência beirando 40% dessas famílias. E são os mais pobres, os que ganham até R$ 1,8 mil”, disse. Um mutirão de renegociação deverá ser organizado após o fim da pandemia de covid-19.
Em negociação com a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), o governo federal também vai destinar R$ 500 milhões para programas de regularização fundiária e pequenas melhorias habitacionais em inadequações. Marinho estima que mais de 40% das 70 milhões de habitações do País não tenham escritura pública. A meta do governo é regularizar 2 milhões de moradias e promover melhorias em 400 mil até 2024.
O governo diz que essas ações serão realizadas por meio de editais, em parceria com os governos locais, para famílias com renda de até R$ 5 mil mensais que vivam em núcleos urbanos informais. Até então, as prefeituras realizavam programas próprios de acordo com o Estatuto das Cidades, de 2000, e o Reurb, de 2017. “O que não havia era uma política de apoio do governo federal. Vamos disponibilizar os recursos e auxílio técnico, levando em consideração o que deu errado em uma série de programas por todo o país”, disse Marinho.
Em relação à melhoria dos imóveis, o programa prevê reforma e ampliação do imóvel, como construção de telhado, quarto extra, banheiro, instalações elétricas ou hidráulicas, colocação de piso e acabamentos em geral. Também poderão ser instalados equipamentos de aquecimento solar ou eficiência energética. Serão atendidos proprietários de imóveis escolhidos para regularização fundiária, com renda mensal de até R$ 2 mil.
‘Programa fake’
Em entrevista ao Sul21 nesta terça, Miriam Belchior, ex-ministra do Planejamento e ex-presidente da Caixa durante os governos Dilma Rousseff, avalia que o que foi apresentado pelo governo é um programa habitacional “fake”, porque não traria soluções para resolver o déficit de moradias do País. “A grande contribuição do Minha Casa Minha Vida foi atender as famílias de menor renda e aqui a gente vê um programa que diz que vai substituir o Minha Casa Minha Vida, mas que, na verdade, sequer toca no que é o maior problema no déficit habitacional brasileiro”, disse. “Eu acho que ele lançou uma nova modalidade de programa, uma que ele é especialista, que é o programa fake. O que ele lançou vai ser absolutamente insignificante. Dizer que esse programa vai substituir o Minha Casa Minha Vida é uma ofensa, inclusive, porque ele não chega nem de perto nos efeitos que a gente conseguiu”.
Miriam considera que a regularização fundiária e as reformas de imóveis são tópicos importantes, mas destaca que o primeiro passa por uma atribuição dos municípios e o segundo trata de pessoas que já têm imóveis. “Se você pegar acesso à habitação para quem não tem imóvel, reforma de imóveis é para quem já tem, o que eles estão fazendo é uma redução nos juros dos financiamentos, o que não pega o centro do déficit habitacional do Brasil”, disse.
A ex-ministra destaca que, entre 2009, quando o programa foi lançado no governo Lula, e 2016, quando Dilma foi cassada, foram contratadas 4,251 milhões de casas no âmbito do programa Minha Casa Minha Vida, das quais cerca de dois milhões eram destinadas a famílias da faixa 1, com renda familiar de até R$ 1,8 mil. “Cerca de 80% do déficit se concentra nas famílias com renda até R$ 1,8 mil e ,quem tem renda familiar de até R$ 1,8 mil, não tem renda para fazer financiamento habitacional, mal dá para comer. Então, pode baixar a zero os juros que ela não vai tomar financiamento. Ou seja, para aqueles que realmente precisam de uma política habitacional, eles não propuseram nada”, disse. “Se você não aumentar o subsídio (direto), as famílias não têm como ter a casa. Elas vão pagar, mas vão pagar pouquinho pela casa, porque vão ter que pagar proporcional à renda que tem. Eles zeraram a contratação de novas unidades para essa faixa de renda em 2019. Zeraram, nenhuma unidade foi contratada e até as 100 mil que estavam em andamento eles paralisaram”.
Coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e ex-candidato à presidência pelo PSOL, Guilherme Boulos avalia que o governo está, na prática, retomando a ideia do que era o Banco Nacional da Habitação (BNH), estatal criada pela ditadura militar para o financiamento habitacional. Ele também critica o fato de o programa não apresentar soluções de subsídio direto das moradias, mas sim estar focado na redução de juros.
“O governo Bolsonaro está trocando o Minha Casa Minha Vida pelo BNH. Ele ressuscitou uma política da ditadura militar para repaginar, de forma piorada, o que já existia. Só dá para construir casa para pobre no Brasil com subsidio forte. Esse novo nome esconde o fato de que o ‘subsídio’ que o o governo Bolsonaro diz conceder na verdade são juros subsidiados, que amortizam o impacto das prestações. Por que é pior do que o Minha Casa, Minha Vida? Porque o governo matou o programa social e o transformou em um programa de crédito. A faixa 1 permitia que desempregados, trabalhadores informais, pessoas sem recursos tivessem acesso a um teto. Sem ela, Bolsonaro deixou de fora – de novo – os que mais precisam de moradia”, disse Boulos ao Sul21.
Já para Miriam Belchior, a proposta do governo Bolsonaro parece uma versão “requentada” do Cartão Reforma do governo Temer, projeto que ela considera ter sido um “fracasso retumbante”. “Ele diz que o programa é 130 mil agora, mas que vai chegar a um milhão de beneficiados durante o governo, só que com que recurso? Certamente, para o ano que vem, não tem recursos. Nós estamos vendo eles botarem dinheiro na defesa e tirando da saúde e da educação. E não vai haver recursos com a manutenção do teto de gastos, que é o que eles estão prometendo fazer. Então, é mais uma meta fake”, disse.





